Com 4 grupos de sonoridades variadas, o último Kool Metal Sessions de 2024 fechou o ano com chave de ouro
Que 2024 foi um ano cheio de shows, todo mundo está cansado de saber. Eu mesmo já falei exaustivamente da semana maluca que tivemos em novembro, com, no mínimo duas atrações internacionais diferentes marcando presença em terras tupiniquins a semana inteira. Bom, este fenômeno não se limitou apenas a novembro, pois na primeira semana de dezembro, a máquina do metal continuava girando fervorosamente. Iron Maiden, Jinjer, White Buffalo, Insomnium, Madball, Thy Art Is Murder, todos estes passaram pelas casas de São Paulo entre os dias 6 e 9. No nordeste, o Dire Straits Legacy começava sua segunda passagem do ano pelo Brasil, e o Dream Theater se preparava para desembarcar por aqui. Tokio Hotel, Descendents e Circle Jerks, tivemos um prato cheio para shows, isso é inegável.
Nem todos os shows foram esses grandes artistas, mainstream, longe disso. A MAD Produtora trazia o Blood Red Throne, direto da Noruega, a Tumba levava o Lucifer’s Child para os mais diversos cantos e o Kool Metal fest, nome já bem conhecido no underground, promovia o Kool Metal Sessions, em parceria com a La Iglesia, local de culto ao underground que expandiu substancial seu volume de shows em 2024. No mês passado, focaram no hardcore, com nomes como Paura e Institution compondo o cast. Os death metallers gregos do Dead Congregation foram os responsáveis pela primeira edição do evento, logo após sua apresentação com o Napalm Death em outubro. Para fechar o ano com chave de ouro, a aposta era completamente outra; uma fusão de som anos 70 com um pouco do bom e do melhor do doom e sludge.
O dia 7 de dezembro, mesmo dia em que rolaria a segunda apresentação da donzela de ferro no Allianz Parque, foi dia de Caixão, um dos nomes mais interessantes da música “alternativa” brasileira, apresentando um som com dois pés fincados nos anos 70, mas também com alguns floreios bem-vindos do prog, Finis Hominis, nomes já conhecidos da cena sludge paulista, e que ao vivo, entregam um som avassalador, genuinamente um dos shows mais pesados que presenciei, Espectro, banda que anda na linha tênue entre o heavy e o doom metal, vindo direto de Curitiba para mais uma sequência de apresentações e o Urutu, que mescla hardcore com NWOBHM com uma facilidade que espanta.
“Boa noite, somos o fim dos homens” – Finis Hominis
Não existe banda cujo nome combine tanto com a sonoridade quanto a Finis Hominis. Eles pegam o sludge metal e levam ao extremo, com um som que parece que você, ouvinte, está sendo forçadamente arrastado de cabeça por um lamaçal. Para ter uma ideia, fizeram um show de quase uma hora, mas tocaram apenas 6 músicas, sendo elas duas do brutalíssimo Sordidum Est, de 2023, duas do Nem os Mortos São Neutros, e duas que ainda não foram lançadas, que farão parte do seu próximo lançamento, seu primeiro full-length, que está previsto para o ano que vem.
Em termos do show mesmo, foi objetivo, direto ao ponto. Como o próprio baixista comentou comigo antes de subir no palco, os sons em si são longos, mas como a “falação” é mínima, acabam ganhando tempo. Subiram no palco, o vocalista deu boa noite ao público (que àquela altura era um tanto reduzido, mas que foi crescendo ao longo da noite) e pularam de cabeça na brutalidade. O resto do diálogo foi ocorrer apenas no final do show, com alguns agradecimentos e um “boa noite”. De resto, foram apenas as pedradas e os breves samples que constituem suas introduções.
O único “A” que dá para dizer da performance deles naquela noite foi que acabaram passando um pouco do tempo que a produção havia planejado para o show, com tanto o técnico de som da casa quanto o próprio produtor do evento tentando avisá-los, mas estavam tão envolvidos no som, que nem perceberam.
O bom e velho – Espectro
Apresentando uma sonoridade que faria um sucesso absurdo na década de 80, os paranaenses do Espectro tem feito um grande impacto no underground nacional nos últimos anos, tendo impressionado os fãs tanto no estúdio, tendo lançado seu debut autointitulado em 2022, quanto nos palcos, até já tendo mostrado as caras ao público paulista, fazendo uma performance cativante como uma das bandas convidadas para abrir o show do The Obsessed em junho. Suas músicas tem uma energia muito especial, misturando aspectos do hard rock oitentista com o bom e velho heavy metal, mas também com algumas pitadas de Black Sabbath na timbragem dos instrumentos.
No palco, esta energia é refletida com uma performance elétrica. Enlouquecendo todos os fotógrafos, o show foi banhado de luzes vermelhas, dando uma estética sinistra, um tanto “satanic panic” , aos mais ou menos 40 minutos em que ministraram o culto na La Iglesia. Começaram de uma maneira incrivelmente old-school, com uma jam descontraída, que abriu as portas para Twist the Knife, faixa que fará parte de seu próximo álbum, mas já é conhecida de quem vai aos seus shows. Depois de Death Dealing, terceira faixa do disco de 2022, seguiram com Wicked Life, mais uma que virá.
Diferente do show com o Obsessed, desta vez, tocaram com a formação completa, inclusive com o guitarrista Luan Oliveira, que não conseguiu comparecer à data retrocitada por conta de uma pneumonia. Estive nos dois shows, então posso falar com propriedade, ele fez toda a diferença. A dinâmica dele com João Wegher, que também assume as 6 cordas é incrível, não se falam diretamente durante o show, mas parece que tudo que fazem é completamente calculado. Fecharam a noite com um cover, que de acordo com o carismático vocalista Reinaldo Vuicik, é algo que não fazem há um bom tempo. Concluíram com Long Way Back from Hell, do Danzig, recebida calorosamente pelo público.
Fora de compasso? – Urutu
Depois, foi a vez do grupo de hardcore paulistano Urutu assumir o palco. Eles já são um rosto conhecido daqueles que frequentam os eventos do Kool Metal e da Sob Controle, abrindo para o Discharge em 2022, Peter and the Test Tube Babies em junho de 2023 e compondo o cast de um festival que contou com o RDP e Paura em Jandira, tocando com a Plastique Noir e fazendo parte do segundo DescontRole do ano (Possuído Pelo Cão e Paura) em 2024. Os integrantes do grupo também já são quase todos veteranos do underground, Thiago Nascimento, o vocalista, também é a voz do D.E.R., e foi da saudosa Are You God?, Felipe Nizuma, guitarrista, tocou com o Whipstriker, Blasthrash, Violator.
Se pelo material gravado já esbanjam um carisma visceral, já era de se imaginar que ao vivo, seriam um caminhão desenfreado, e foi isso que aconteceu, a maioria dos fãs não conseguiu nem anotar a placa. A fórmula deles, uma mistura de punk com heavy metal, parece que não faria sentido algum – e realmente não faz – mas mesmo assim, é algo que parece tão coerente, compreensível. Outra coisa que vale destacar é que eles claramente tinham sua própria base de fãs que compareceu ao evento para ver eles. Pouco antes das 22:20, horário em que era para ter começado seu show, a casa começou a encher um pouco mais, e a maioria das pessoas que entravam estavam vestidas de uma maneira marcadamente hardcore.
Fizeram um show mais curto, mas que deu para os fãs que não os conheciam captar bem o que é o Urutu. Qualidade de som, presença de palco, escolha de repertório, tudo muito bem feito. Não deixaram nem muito espaço para falar, porque foram direto ao ponto, subiram no palco, apresentaram seu som e desceram. Foi simples, mas efetivo, mostraram bem à que vieram.
De volta aos anos 70 por uma hora – Caixão
São poucas as bandas que conseguem ao mesmo tempo emular de maneira fidedigna um estilo do passado e ter uma sonoridade própria, característica. O Caixão é uma das poucas que conseguem essa façanha, e conseguem com maestria. Mesclam aquele rock psicodélico setentista, recheado de sintetizadores, com um cheirinho, um retrogosto de prog, ao mesmo tempo, injetando uma boa dose de brasilidade, mas não de um jeito que fique escrachado. Suas músicas são completamente atemporais, e transcendem as barreiras dos gêneros, o que possibilitou-os de integrar perfeitamente shows com bandas que vão do crust furioso do Terror Revolucionário à mistura de Opeth com Luiz Gonzaga de seus conterrâneos nordestinos do Papangu.
Subiram no palco sem muito “auê”, com uma estética completamente anos 70, parece que haviam invadido o armário do meu vô, mas do melhor jeito possível. Para se jogar ainda mais nas décadas passadas, ambos os guitarristas tocavam telecasters creme, bastante diferente dos outros instrumentos que haviam sido colocados à mostra durante a noite. A química dos integrantes no palco era absolutamente impressionante. Logo nos primeiros acordes de Fungos, ficou evidente que quem realmente comandava tudo era Italo Rodrigo, a grande mente por trás da banda (e também baterista da Damn Youth e Echoes of Death, o cara é uma máquina). Ele trocava da guitarra para o sintetizador e de volta para a guitarra com a fluidez e confiança de um Prince.
O resto da banda não ficava para trás, nem em termos de técnica, nem de presença. Rafão Oliveira (cuja vestimenta era de gosto impecável, mas infelizmente estava fadada à receber comparações com os “cantores” sertanejos modernos), o gigante por trás das 4 cordas, é um exemplo perfeito disso, ele tocava o baixo com um vigor absurdo, fazendo os famigerados “bass faces” e tocando suas linhas com uma precisão que tem que ser estudada. Ele mesmo dialogou pouco com os fãs durante o show, mas soltou uma pérola: “Viemos do Ceará, terra quente como o inferno, e agora estamos aqui tocando para o capeta”. Antes de começarem, ele podia ser encontrado na banca de merchandise.
Dizer que estavam com o público “na mão” seria minimizar o que a banda conseguiu fazer com aquela Iglesia que estava praticamente cheia. O público estava simplesmente em transe, vidrado com a aula que acontecia naquele palco que por si já é pequeno, mas ficou menor ainda para o Caixão. Após cada música, gritos de “Caixão! Caixão!” tomavam conta. Quando anunciaram que estavam chegando ao fim, “toca mais” e “toca todas de novo” eram comuns de se ouvir. Nem o resto da carreira do Italo escapou, com um fã gritando “toca Damn Youth!”, que fez o músico soltar uma risada honesta. Seu setlist era hit atrás de hit, passando por todas as fases da banda, de seu autointitulado de 2019, ao incrível Da Porta ao Sumiço, lançado um ano depois e, é claro, 5 faixas do mais novo lançamento, o mundialmente aclamado Entre O Velho Tempo e o Futuro.
Realmente, a única crítica que pode ser feita em relação ao show é que foi curto demais.
Finis Hominis:
- Jukai
- Nem os Mortos São Neutros
- Não Há Nada Aqui
- Alucinações Hipnopômpicas
- Seco
- Lorem Ipsum
Espectro:
- Jam
- Twist the Knife
- Wicked Life
- Mind Lord
- 1000 Nights
- Crimson Star
- Long Way Back From Hell (Danzig)
Urutu:
- Braços da Morte
- Casa Adormecida
- Cabeça Motor
- Fora de Compasso
- Armas Leves
- O Medo de Você Chegar
- Palidez
- Escombro
- Aço nos Punhos
Caixão:
- Fungos
- Corrente
- Hora de Ir
- Bloodstains
- Candelabro
- Vulto
- Gaillarde
- Luz Estranha em Quixadá
- In the Shadow of the Red Sun
- Rua Dário
- Depois do Café
- Goodbye Sanity