Quando você vai ver uma banda com cinquenta e seis anos de estrada, é normal se esperar qualidade. Dito e feito – qualidade foi o que tivemos em um show surreal de uma banda que se despede das grandes turnês – mas pretende ainda lançar músicas novas.
Meus pais eram crianças quando o Uriah Heep começou sua carreira – minha mãe nem tinha completado dois anos de idade! Ambos roqueiros, foi através deles que conheci a banda, tocando na rádio Kiss FM, quando era ainda focada em “classic rock”. Confesso que a banda nunca esteve entre as que mais fizeram a trilha sonora da minha vida, mas sempre achei muito boa! Creio que para boa parte das pessoas também foi assim, já que se tornou daquelas bandas que ganham título de “mais subestimadas da história”. Quando apareceu a oportunidade, provavelmente a última, de vê-los ao vivo, não pude recusar. Estar presente nesse evento só me provou o fato que muitos constatam: a banda merecia e merece muito mais notoriedade que tem. O show no dia 11 de Abril de 2025 Anno Domini, o último, provavelmente, em terras brasileiras, foi de deixar qualquer um de queixo caído.
PÚBLICO MAIS VELHO ENCHE A CASA – MAS NÃO LOTA:
Um evento legal, que muitas vezes faz parte do próprio show, é a convivência em grupo na fila. Muito legal foi ver jovens (não tanto), pessoas de meia idade, e idosos juntos esperando as portas do Tokio Marine Hall abrirem, e outros comendo lanches nos food trucks da região. As mais diversas camisetas de rock podiam ser vistas lá, de Van Halen a Queen, de Motley Crüe a Slayer e, claro, do próprio Uriah Heep.
Aqui, falamos de um isolado ponto negativo: os horários. Como é padrão em shows na Tokio Marine, as portas foram abertas pontualmente às 20h. Elogios à pontualidade, claro, mas para um evento de sexta-feira, com banda de abertura, era certeza que teríamos o fim do show próximo à meia noite, o que, para muitos, é um problema.
Mais legal ainda foi ver rostos conhecidos do grande público por lá! Não apenas músicos – como o lendário Felipe Machado, guitarrista do Viper -, mas também ícones esportivos: o ex-jogador e comentarista Walter Casagrande, por exemplo, estava entre os presentes para prestigiar esses impecáveis dinossauros do rock.

ALLEN KEY – ABERTURA COMPETENTE, MAS FORA DE LUGAR, TOCA PARA POUQUÍSSIMA GENTE:
Pontual também foi a entrada, às 20h50, da banda de abertura, os brasileiros do Allen Key. Capitaneados pela vocalista Karina Menasce, era nítido que deram tudo de si ali em cima do palco. Enérgicos, com ótima presença, e sem rodeios, são uma banda musicalmente boa, e estão claramente afiados e entrosados. Karina é carismática, e tem uma ótima comunicação com o público, e até ela, em determinado momento, falou que sabia que eram de um estilo muito diferente do que seria apresentado pela banda principal, mas prometeu não decepcionar – e não decepcionaram mesmo! Apesar disso, o público, em geral, não foi receptivo: a maior parte das pessoas ficou do lado de fora da casa ainda, ou no salão anterior ao do show, bebendo, comendo, fumando e conversando. Algumas poucas dezenas – no máximo uma centena – de pessoas estavam presentes na apresentação dos brasileiros com seu rock alternativo. Ao mesmo tempo chato pela falta de prestígio, é compreensível, dada a diferença gritante de gênero musical de um grupo para o outro, e o público mais antigo não se interessou em conhecer algo novo. No fim das contas, apresentaram seu melhor, e saíram com missão cumprida.

URIAH HEEP – 56 ANOS DE HISTÓRIA, MÚSICA E ROCK ‘N ROLL:
O tempo de espera foi curto entre a banda de abertura e a atração principal. Meia hora, só o tempo de pegar uma bebida, fumar um cigarro (para os fumantes), e se preparar psicologicamente para o que estava por vir. Não, você não estava preparado para o que estava por vir. Eu não estava. Ninguém estava, provavelmente.
Com nova pontualidade, o Uriah Heep entrou no palco mostrando a que veio. Abriram a apresentação com “Grazed By Heaven”, seguida de “Save Me Tonight”. Teclados Hammond altos, claros, e precisos, é algo simplesmente necessário destacar, já que foi algo tão bom e popular lá atrás, e hoje sentimos falta! Um deleite ouvir aquele som, e o tecladista Phil Lanzon aplica isso com maestria.

Seguimos com “Overload”, “Shadows Of Grief” e “Stealin’”. Impressionante, diga-se de passagem, a presença e simpatia do vocalista Bernie Shaw, que mesmo sem arriscar aquelas tradicionais palavras em português, se comunicava muito bem com o público, com inglês fácil de entender, e energia no palco – além, claro, de sua voz impecável no auge de seus 68 anos – temos cantores que com 20 anos a menos já não aguentam o que o senhor Shaw aguenta no palco!
Recheado de clássicos, na maior parte compostos pelo membro fundador e líder, um dos guitar heroes mais subestimados de sua geração, Mick Box, o setlist não teve surpresas – e nem precisava, já que tudo que a banda precisava fazer era tocar o seu feijão com arroz, que é equivalente a um banquete fino! Tocaram sons mais recentes, também, que não agradam menos; é uma banda que nunca decaiu muito de qualidade.

Quase duas horas de show impecável, com um som excelente e iluminação de agradar tanto fãs quanto fotógrafos, tivemos também um pequeno e agradável solo de bateria ao fim de “Free N Easy”, e um extenso e igualmente prazeroso solo de guitarra do genial Mick Box, sem fritações ou demonstrações de malabarismos musicais, apenas frases muito gostosas de se ouvir.
A parte um pouco, talvez, frustrante, foi a falta de um de seus maiores sucessos no setlist, “Lady Black”, que não esteve presente nesta turnê em quase nenhum show, infelizmente. Apesar disso, a banda é dona de um catálogo tão grande de hits, que de forma alguma isso prejudicou a apresentação. A banda, como sempre, se despediu ao som de “Easy Livin’”, e saiu ovacionada do palco!

ÚLTIMA CHANCE DE VER OS BRITÂNICOS VALEU CADA MINUTO:
Sim, é bem provável que eu, você, ou qualquer um aqui no Brasil volte a presenciar um show do Uriah Heep, infelizmente – a não ser, claro, que se desloque para a Europa, terra natal deles. Dito isso, é importante dizer que a presença nesta apresentação foi duplamente importante para quem foi. Primeiro, por terem presenciado um show surrealmente bom, com níveis do mais alto calibre, com cinquenta e seis anos de carreira nunca decaindo de nível. Em segundo lugar, pois presenciamos história. O último show, até que se prove o contrário, de uma das melhores bandas da história do rock, um dos precursores do hard rock e do heavy metal, e influência para toda uma geração de músicos. Show que é mais uma prova de termos sorte de estarmos vivos no mesmo momento de músicos tão especiais, influentes, que as pessoas ainda ouvirão daqui cem anos, e nós pudemos vê-los!
SETLIST – URIAH HEEP:
Grazed by Heaven
Save Me Tonight
Overload
Shadows of Grief
Stealin’
Hurricane
The Wizard
Sweet Lorraine
Free ‘n’ Easy
The Magician’s Birthday
Gypsy
July Morning
Encore:
Sunrise
Easy Livin’