Texto por Daniel Agapito (@dhpito) e Fotos: Thammy Sartori (tsartoriphotos)
Fã de metal não teve um dia de paz na semana entre os dias 7 e 16 de novembro. Dia 7 rolou Static-X, 8 Infected Rain na Horror Expo, 9 Keane (que não é metal, mas rolou), 10 Converge, 11 Dirkschneider, 12 Hypocrisy, Ne Obliviscaris, Jerry Cantrell, assim vai. Dia 13, plena quarta-feira, aconteceram dois shows de duas das maiores bandas de seus respectivos estilos – Satyricon, os mestres do black metal norueguês derrubaram as paredes do Carioca Club e o Chelsea Grin, titãs do deathcore fizeram uma performance no Hangar 110, histórica sede de muitos e muitos shows de punk.
Metal ou não, não dá para relevar o impacto que os “cores” da vida tiveram na esfera da música pesada. Posso assumir com alguma certeza que todos nós conhecemos ao menos alguém que foi introduzido aos barulhos que chamamos de metal por meio de algum Suicide Silence, Whitechapel, Despised Icon, bandas do tipo. Por alguma razão, as bandas desse estilo não “pegaram” tanto com o público tupiniquim, com pouquíssimas conseguindo quebrar a barreira do midstream do metal nacional, o nível Carioca Club. O Chelsea foi uma delas, passando 3 vezes por terras nacionais, uma vez em 2012, tocando no próprio Carioca, o Music Hall em Curitiba e o Opinião em Porto Alegre. Os fãs dos nativos de Salt Lake City tiveram que esperar mais de uma década para vê-los novamente, visto que voltaram só em 2023 para fazer o Oxigênio Festival e alguns sideshows.
Felizmente para alguns e infelizmente para outros, voltaram rápido, pouco mais de um ano depois, novamente trazendo a turnê do aclamado Suffer in Heaven, disco que lançaram em 2023. O disco foi lançado acompanhado de Suffer in Hell, que saiu alguns meses antes. Ambos apresentam uma sonoridade característicamente Chelsea Grin, mas a evolução sonora é palpável, conseguindo equilibrar uma produção majoritariamente irretocável com composições viscerais e brutais. Sua performance ao vivo tem impressionado tanto fãs quanto críticos, sendo elogiada pela fidelidade das músicas ao vivo, a performance do vocalista, Tom Barber (irmão de Taylor Barber, que esteve aqui no Brasil com a Seven Hours After Violet) e a energia que o quarteto tem no palco.
“São Paulo, what’s up baby?”
O show estava previsto para começar às 21:00 (horário relativamente coerente para uma quarta-feira), mas às 20:00, a casa já estava praticamente cheia. Ao som de Macarena, a banda subiu no palco, sem muito auê, até esperando a música acabar para acender a luz.
Após uma breve introdução pelo PA e com um carismático “São Paulo, what’s up baby?” (São Paulo, e aí bebê?), começaram com Hostage, e meu Deus do céu. Quem diz que não gosta de deathcore é porque não viu show ainda. A voz que o Tom Barber tem é coisa de louco, ele vai de um gutural gravíssimo para um agido estonteante com uma facilidade absurda. Na hora que o baterista bateu na caixa pela primeira vez, o Hangar praticamente desabou – uma galera começou a pular, uma baita roda formou no meio da pista (este que vos escreve já estava no fundo da casa e teve que recuar mais ainda. Na hora que o vocalista viu a reação do público, nem tentou cantar o primeiro verso, jogou direto para a galera; “I see my demons staring at me now”.
A brutalidade tomou conta, mas a banda ainda mantéu a humildade, soltando um “for those who don’t know us, we are Chelsea Grin” (para quem não sabe, somos o Chelsea Grin), como se houvesse alguma chance do público que estava absolutamente em transe não conhecer a banda. Bom, Barber seguiu interagindo, perguntando se queriam ouvir uma música “meio nova”, sendo ela The Isnis, de Suffer in Hell (2022). Sem pensar duas vezes, o vocalista foi direto para o canto direito do palco cumprimentar alguns fãs que estavam pulando feito loucos e haviam cantado a primeira música a plenos pulmões.
A reação do público foi tamanha, com até o próprio vocalista reconhecendo, dizendo “you guys are fucking animals” (vocês são animais, porra). O público do Brasil realmente é diferenciado. Para a felicidade daqueles que são fãs dos caras desde o dia 0, deram sequência com “uma música mais velha”, My Damnation (logo após Bleeding Sun), para qual Barber pediu novamente que fosse aberta uma roda, mesmo com a roda já estando bastante intensa. Para dar uma ideia, a roda se estendia da mesa de merchandise à pilastra do lado direito da casa. Quem já foi pro Hangar sabe que uma roda desse tamanha já consome grande parte do espaço de lá. Eu estava encostado na parede do fundo, e entre eu e a roda, haviam apenas 4 pessoas. Entre a roda e o palco, umas 5. Quando o vocalista jogou o refrão pro público (“My damn-nation”), o grito que veio de quem estava lá foi ensurdecedor, tanto que ele mesmo ficou visivelmente impressionado, dando um joia aos fãs.
Sequência de hits
Não deixaram a peteca cair, de maneira alguma, seguindo logo com Crewcabanger, que, olhando para a letra em inglês, é cheia de piadinhas de quinta série, mas acaba sendo tão brutal quanto todo o resto do repertório. Aqui vale destacar que não era só Barber que era incrível no que fazia, mas sim a banda inteira. David Flinn, baixista, não só batia cabeça como se não houvesse amanhã, mas cada nota que ele tocava era uma pedrada ecoando pelo PA. Stephen Rutishauser, guitarrista, tem uma mão direita absurdamente precisa, mas também tem uma finesse absurda para seus solos. Josh Miller, o novo baterista do grupo é um relógio, não erra. Por fim, Barber também é incrível, conseguindo segurar a barra bem nas músicas do antigo vocalista, Alex Koehler.
Um dos poucos grandes problemas com a estrutura do Hangar 110 é a falta de ventilação. O resto da para passar por cima tranquilamente, mas o calor que fica naquela casa quando o show está cheio de gente correndo é absurdo, tanto que os próprios integrantes da banda perceberam, comentando isso com o público logo depois de Crewcabanger. Ironicamente, a próxima música foi Playing With Fire, recebida (literalmente) calorosamente, com os fãs levando boa parte à base dos famosos “ei, ei, eis” sempre que o vocalista apontava o microfone para a pista.
O clima na hora estava tão alto-astral que Barber até arriscou chamar uma wall of death, questionando os fãs “vocês sabem o que é, né?” A introdução de Dead Rose começou, um portão abrindo, correntes sendo arrastadas, um buildzinho legal e um grito. Na hora H, que era para a casa cair, o paredão até rolou, e na medida do possível, foi o que deu na hora. Não foi um negócio tipo Hellfest, não chegando nem perto do que conseguem fazer nos shows lá fora, mas levando em conta que os fãs tiveram uns 20 segundos para processar o que estava acontecendo, foi ótima. Mesmo não sendo um exemplo de colisão ideal, animou bem a roda, que ficava mais e mais parecida com briga de torcida organizada a cada segundo que passava.
Barber sempre tentava interagir com os fãs, mas era claro que a performance era sempre meticulosamente calculada, cronometrado, pois uma música acabava e a introdução da próxima já tocava pelo PA. Foi um show bem direto ao ponto, mal dava para respirar. Se inspirando no saudoso Freddie Mercury, o vocalista e os fãs trocaram alguns “ês” e “ôs” depois da Dead Rose.
Um presente para os fãs de longa data
Para muitos, o material de qualidade do Chelsea Grin se encontra única e exclusivamente no primeiro álbum, Desolation of Eden, de 2010. Os vocais de Koehler que soam como um gato de rua sendo apertado, o timbre “fino” da bateria, riffs recheados de harmônicos e breakdowns para bater cabeça de perna aberta, parecendo o filho bastardo do Robert Trujillo com um caranguejo, Desolation é realmente a definição do que foi o deathcore quando realmente “estourou” no cenário mundial.
Esses fãs que acompanham a banda desde praticamente o dia 0 foram presenteados com uma sequência de faixas bem especial, ambas do primeiro álbum – Cheyne Stokes e Sonnet of the Wretched. Já no primeiro “pam pam pam pam pam” da Cheyneum tsunami de nostalgia passou pela casa e acabou afogando uma galera. Apesar do baixista ser o único membro remanescente da formação do primeiro álbum na formação atual, ouvir aqueles gritos ao vivo é uma sensação indescritível.
A próxima foi justamente Sonnet of the Wretched, faixa que procede a já citada Cheyne no álbum original. Barber foi esperto em deixar o momento com quem ele realmente pertencia, os fãs. Em toda oportunidade que ele tinha, ele se agachava e dava o microfone para algum devoto da grade dar uns gritos. O homem era a personificação da humildade. Voltando ao assunto, parecia que o bairro inteiro do Bom Retiro ia virar pó depois da roda de Sonnet. O tanto de bate-cabeça que rolou durante o breakdown não está escrito.
“Let’s make this shit fucking count”
Pegue o último e o primeiro disco do Chelsea Grin e pense em uma música de cada um para fechar o show. Não pensou em Sing to the Grave e Recreant? Pensou errado. Concluindo os serviços com essas duas, não só fizeram um contraste de eras perfeito, mas também deixaram os fãs animadíssimos com dois petardos absolutos.
Sing é praticamente a definição do deathcore moderno. Barulhos vocais animalescos, produção extravagante, cheia de floreios meio técnicos e efeitos eletrônicos pré-gravados. Muitos podem considerar uma música assim tudo que há de errado com o metal moderno, mas, convenhamos, ninguém aqui é tiozão do Facebook para permanecer com a ideia atrasada de que qualquer coisa que não foi gravada dentro de um forno por quatro homens musculosos sem camisa não é metal de verdade e subsequentemente não é bom. Ao vivo, a força que essa faixa tem é inexplicável, tanto que, não vou nem tentar explicar, assista o vídeo e tire suas próprias conclusões.
Se tem uma música que não pode faltar no setlist da banda é a Recreant. É praticamente uma Fear of the Dark, Sweet Child O’ Mine, Crise Geral. Tem que ter, se não o show não valeu. Você sabe que o pau vai comer solto quando o guitarrista e baixista trocam de instrumento e o vocalista senta no palco para se preparar para a pedrada que viria. Enquanto isso, uma introdução cinemática soava pelos altos falantes, com palmas e o nome da música sendo sussurrado. Se na versão gravada, aquele riff já da vontade de sair na mão até com o armário da cozinha, imagina ao vivo. A primeira vez que bateu o riff e o baterista fez aquela firula no ride, nossa. É outra que eu não consigo nem começar a pensar como que eu faria jus usando apenas palavras.
O público saiu gritando one more song, one more song, mas não rolou, ligaram as luzes e tocaram Don’t Stop ‘Till You Get Enough pelo PA.
Conclusões finais
Dizer que a performance daquela quarta-feira foi irretocável seria chover no molhado. Diria que qualquer um que leu até aqui já sabe disso muito bem. Musicalmente, entregaram uma sonoridade digna de CD, esbanjando de uma presença de palco absurda, sempre incentivando o público a se animar mais e mais. O repertório foi curto, mas bem escolhido, passando por todas as fases da banda, destacando não só o que precisava ser destacado, mas também dando aos fãs o que eles queriam ouvir – deathcore de qualidade.
Resumindo, mostraram a que vieram. Agora, já podem voltar.
Chelsea Grin – setlist:
- Hostage
- The Isnis
- Bleeding Sun
- My Damnation
- Crewcabanger
- Playing With Fire
- Dead Rose
- Cheyne Stokes
- Sonnet of the Wretched
- Sing to the Grave
- Recreant