Best Of Blues and Rock: Deep Purple mostra que repetir a fórmula também é arte.

Os britânicos podem até fazer mais do mesmo — mas quando esse “mesmo” vem com a excelência de sempre, fica claro por que a banda foi a escolhida para encerrar a 12ª edição do festival.

Fotos: Gabriel Gonçalves em cobertura para igormiranda.com.br gentilmente cedidas

No último domingo (15), no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, o Festival Best Of Blues And Rock teve seu encerramento após dois fins de semana intensos, repletos de cultura e, como não poderia faltar, música de alta qualidade. Nos dias 7 e 8, o festival reuniu nomes de peso como Dave Matthews Band, Richard Ashcroft, Barão Vermelho, entre outros artistas. Já no segundo fim de semana, o público foi presenteado com um espetáculo ao ar livre de Alice Cooper, Judith Hill e uma apresentação histórica dos lendários do Deep Purple.

Apesar de já terem passado pelo Brasil em menos de um ano com um show praticamente idêntico, os britânicos continuam sendo um espetáculo à parte. Como era de se esperar, entregaram uma apresentação grandiosa — uma verdadeira aula de maestria. Foi uma noite de brilhar os olhos, tanto para quem via a banda pela primeira vez, quanto para quem já teve a sorte de presenciar outras tantas passagens do grupo pelo país. E não foram só os fãs que se emocionaram: Ian Gillan (líder e vocalista) também deixou transparecer sua emoção diante do carinho caloroso que recebeu do público brasileiro.

Desde sua formação em 1968, o Deep Purple escreve seu nome na história do rock como uma das bandas pioneiras do heavy metal, ao lado de gigantes como Led Zeppelin e Black Sabbath. Com mais de cinco décadas de trajetória, o grupo passou por diversas mudanças de formação e enfrentou até mesmo um hiato de oito anos, entre 1976 e 1984 — mas sempre manteve viva a força de sua música.

A última mudança, no entanto, foi a saída do guitarrista Steve Morse, que esteve por mais de 28 anos na estrada com o Deep Purple. Morse decidiu se afastar por motivos pessoais e familiares, para cuidar da esposa que enfrenta uma batalha contra um câncer sério.

E foi com Simon McBride, guitarrista que se juntou ao grupo em Setembro de 2022, que, além de Ian Gillan, subiram ao palco Ian Paice (bateria e último integrante da formação original), Roger Glover (baixo) e Don Airey (teclados).

Horas antes do show, McBride participou da coletiva de imprensa ao lado de Paice, Glover e Airey. Apesar de demonstrar certa timidez e parecer um pouco deslocado diante das perguntas que envolviam o passado e o contexto histórico da banda, teve um momento de destaque: recebeu o microfone diretamente das mãos de Paice — que, aliás, foi bastante atencioso durante toda a coletiva — com a frase bem-humorada: “O Simon vai responder essa”. Assim, Paice enturmou o novato e mostrou conexão com os parceiros de longa data ao relembrar histórias para responder às perguntas.

É HORA DO SHOW!

E o que anuncia o início do espetáculo, além da pontualidade britânica impecável, é a imponente “Mars, the Bringer of War”, do também britânico Gustav Holst. Essa obra é uma peça orquestral — frequentemente usada como introdução nos shows do Deep Purple — carrega um ritmo marcial, tenso e quase ameaçador, evocando o som de um exército marchando rumo à guerra. E foi exatamente essa sensação de urgência que se refletiu em parte do público mais disperso pela área externa do Ibirapuera – que, ao perceber o momento, rapidamente começou a retornar para perto do palco, determinada a não perder absolutamente nada do que estava por vir.

“Highway Star”, faixa de abertura do emblemático Machine Head (1972), é a responsável por dar o pontapé inicial. Já nos primeiros versos, fica claro que, embora algumas adaptações tenham sido necessárias para respeitar os limites atuais de Ian Gillan — hoje com 79 anos —, ouvir ao vivo o lendário “I love her, I need her, I seed her”, em um dos trechos mais agudos da canção, é o suficiente para compreender que o público ali presente testemunhou a própria história do rock. E, ainda que a história não possa ser reescrita, ela sempre pode ser ressignificada — e é exatamente isso que Gillan e os novos arranjos proporcionam: um show poderoso, coerente com o presente, e que ainda reverbera a grandeza do passado.

Na sequência, o trio formado por “A Bit on the Side”, “Hard Lovin’ Man” e “Into the Fire” transforma o público do Ibirapuera em pura combustão. Embora a noite de domingo marcasse 15 °C, o clima era outro: a energia dessa sequência impecável fez o frio paulistano ser completamente esquecido. A plateia estava em chamas — e parecia, de fato, dentro do fogo. Foi nesse momento que Gillan saudou o público pela primeira vez, rasgando elogios aos fãs brasileiros, que, segundo ele, são pessoas adoráveis, cheias de energia e absolutamente únicas. O vocalista ainda destacou a beleza do local, descrevendo o Auditório Ibirapuera como um “beautiful place” — um lugar lindo para aquele show memorável.

Em um momento intimista e emocionante, com a execução de “Uncommon Man” a banda homenageou o lendário Jon Lord — tecladista e cofundador do Deep Purple, falecido em 2012 — . A faixa, do álbum Now What?! (2013), foi composta como tributo direto a ele, celebrando seu legado e influência na história da banda. O título faz referência à famosa frase de Lord: “Eu não sou uma estrela do rock, sou um homem incomum.”

“Lazy Sod”, um dos destaques do álbum =1 (2024) — o mais recente trabalho de estúdio da banda, lançado em 2024 — é executada com precisão impecável. A faixa está entre as três selecionadas desse projeto que integram a setlist dos shows comemorativos dos mais de 50 anos de carreira do Deep Purple.

Uma das músicas mais esperadas da noite, “Lazy” foi apresentada de forma impactante, começando com uma introdução prolongada nos teclados com todo o carisma que só Don Airey pode oferecer e depois com um impressionante solo de gaita de Ian Gillan. É surpreendente que, no momento do anúncio do Deep Purple como atração principal do festival, alguns “fãs do rock” tenham questionado o retorno precoce da banda ao Brasil — que, com essa performance, mostrou toda a sua força e relevância.

Já na segunda metade da setlist, “When a Blind Man Cries” se destacou como um dos momentos mais marcantes da noite. A interpretação de Ian Gillan foi especialmente expressiva, evidenciando que, mesmo diante dos desafios vocais da canção, ele ainda é capaz de alcançar notas exigentes com sensibilidade e domínio. Ao fim da apresentação, o vocalista voltou a interagir com o público e destacou que a música fala sobre pessoas menos favorecidas — uma mensagem que ressoou com ainda mais força naquele momento.

Don Airey, assim como Simon McBride, também teve seu momento solo ao longo do show. Além de evidenciar o impressionante talento técnico do tecladista, a verdade é que a performance funciona como uma pausa estratégica para que Ian Gillan recupere o fôlego — mantendo o ritmo do espetáculo sem perder intensidade. O que chama atenção na performance solo de Airey é a naturalidade com que ele conduz cada nota. Longe de ser uma tarefa simples, o tecladista executa seu virtuosismo com uma leveza contagiante, sempre com um sorriso no rosto que revela o prazer genuíno em tocar. Essa combinação de técnica apurada e alegria no palco transforma o solo em um dos momentos mais cativantes do show.

Ele toca a introdução de “Mr. Crowley”, de Ozzy Osbourne — uma das passagens mais reconhecíveis da faixa. E embora Airey não tenha sido creditado como compositor, foi ele quem criou e executou o trecho nos teclados, deixando sua assinatura em um dos grandes clássicos do heavy metal. Além disso, a apresentação reservou um momento especial para a interpretação de “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, mostrando a versatilidade do tecladista.


Para fechar as três faixas escolhidas do álbum =1 (2024) ao longo da setlist, “Bleeding Obvious” é executada com maestria, preparando o terreno para a dupla que vem a seguir. A primeira é “Space Truckin’”, que eleva o público às alturas e confirma por que é uma das favoritas dos fãs. Frequentemente tocada ao vivo, a música destaca a habilidade do Deep Purple em combinar riffs pesados, um solo de guitarra explosivo — assinado pelo guitarrista e ex-integrante Ritchie Blackmore — e a performance poderosa de Ian Gillan nos vocais.


Para compor essa dupla, já em clima de despedida, a emblemática “Smoke on the Water” — mais uma pedrada do clássico Machine Head (1972), já citado anteriormente — chega de forma avassaladora, com direito a um refrão estendido, cantado em coro pelo público enquanto a banda ficava em silêncio e que fez Ian Gillan acompanhar tudo maravilhado.

Despedida em tom de: Será que foi a última vez ou ainda teremos Deep Purple em breve por aqui?

Após deixarem o palco, os integrantes do Deep Purple retornam para um encore com três músicas. A primeira delas é uma versão instrumental de “Green Onions”, clássico de Booker T. & the M.G.’s, executada com leveza e entrosamento.

Em seguida, a banda mergulhou em “Hush”, composição de Joe South que, embora não seja autoral, tornou-se inseparável da história do Deep Purple desde que foi gravada por eles em 1968. Foi essa versão que levou a faixa ao topo das paradas e ajudou a consolidar a identidade sonora do grupo ainda em seus primeiros anos. E foi exatamente assim que o público respondeu: também com identificação e muita energia.

Embora não faça parte de um álbum de estúdio, “Black Night” — um dos maiores clássicos do Deep Purple — foi a responsável por encerrar um show e uma noite verdadeiramente épicos. Ao longo dos anos, a faixa se consolidou como o encerramento tradicional das apresentações ao vivo da banda. No Ibirapuera, a área externa foi tomada por vozes em coro e olhos atentos, testemunhando o impacto que uma combinação de riffs marcantes, vocais poderosos e teclados vibrantes ainda é capaz de provocar.

Ao final da apresentação, com os olhos marejados e visivelmente emocionado, Ian Gillan agradeceu ao público, que retribuiu com a mesma intensidade: aplausos, afeto e admiração. Foi uma daquelas noites inesquecíveis — como costuma ser sempre que se tem o privilégio de viver a experiência única que é assistir ao Deep Purple ao vivo.

É, de fato, um pouco ‘mais do mesmo’. Mas quando esse “mesmo” vem de uma das maiores bandas de todos os tempos, dificilmente isso pode ser considerado um problema.

Se foi a última vez ou apenas mais um capítulo dessa longa relação entre o Deep Purple e o público brasileiro, só o tempo dirá. Mas uma coisa é certa: enquanto estiverem em cima de um palco, entregando com essa energia e respeito à própria história, a banda continuará sendo celebrada — não apenas pelo legado que carrega, mas pela capacidade de seguir emocionante, relevante e absolutamente viva.

E com esse encerramento grandioso, o Best of Blues And Rock reafirmou sua importância ao reunir grandes nomes e momentos inesquecíveis. Agora, resta esperar a próxima edição em 2026, com a expectativa de que o festival se mantenha como uma celebração e um ponto de encontro obrigatório para quem vive e respira música de qualidade.

Deep Purple – =1 More Time Tour – Auditório Ibirapuera – 15/06/2025

Highway Star
A Bit on the Side
Hard Lovin’ Man
Into the Fire
Guitar Solo (Simon McBride)
Uncommon Man
Lazy Sod
Lazy (Introdução estendida)
When a Blind Man Cries
Anya
Keyboard Solo (Don Airey)
Bleeding Obvious
Space Truckin’
Smoke on the Water

ENCORE:

Green Onions (Booker T. & the MG’s – cover)
Hush (Joe South – cover)
Black Night

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