The Reign of Kindo: O retorno tão esperado pelos fãs

Quase 9 anos após uma sequência de apresentações pelo sudeste, o grupo nova-iorquino de música progressiva voltou a São Paulo para uma dobradinha de shows intimistas na La Iglesia.

Textos e fotos por Daniel Agapito (@dhpito)

Um dos “queridinhos” do público paulistano, o The Reign of Kindo é uma banda que certamente não é fácil de descrever. Orbitando entre sonoridades que vão do indie rock ao jazz fusion, eles conseguiram conquistar um público amplo, englobando tanto aqueles que gostam de um indie mais leve, quanto o bonde do prog metal. Novamente trazidos pela Overload, fizeram duas apresentações enérgicas na intimista Iglesia, casa de shows pequena, “escondida” em um estacionamento em Pinheiros, além de uma passagem pelo Agyto, no Rio, fechando a turnê com um show no Chile.

Reign of Quem-do? – trajetória alternativa e polêmicas pandêmicas

Surgindo em 2006 na cidade de Buffalo, em Nova Iorque, perto das cataratas do Niágara, foi das cinzas da banda de indie This Day and Age que veio o Kindo. Um dos grandes diferenciais deles sempre foi a abordagem 100% independente, produzindo e lançando seus discos com gravadoras independentes, chegando até a financiar suas gravações e clipes por meio de uma página no Patreon, onde disponibilizavam lançamentos exclusivos para fãs pagantes. Além disso, sempre tiveram uma boa relação com os fãs brasileiros, vindo outras 4 vezes, antes desta última. A primeira foi em 2011, tocando no Manifesto e no Blackmore, executando alguns covers nesta segunda data. Voltaram pouco mais de um ano depois, em Setembro de 2012, mostrando algumas músicas ainda não lançadas, que viriam a fazer parte de Play With Fire (2013), que posteriormente seria lançado em versão nacional pela própria Overload. Seria no festival deles que aconteceria seu retorno, na edição de 2015, ao lado de Andy McKee, November’s Doom, Riverside e Anathema. Voltaram uma última vez, em 2016, novamente no Manifesto, mas desde então, nada.

O tempo em que passaram longe do país verde-amarelo não foi só flores, pois a pandemia afetou fortemente o Joey, vocalista, guitarrista, como o próprio deixou claro em um pronunciamento na página do Facebook da banda em 2023. Entre o nascimento de sua filha, atritos com os outros integrantes da banda e ter exposto opiniões contra a vacinação, o projeto se encontrou parado por um bom tempo. Foi só em 2023, com a promessa de um novo álbum, com todos os integrantes (até os que não faziam mais parte da banda), que retornaram ao circuito de turnês.

Uma verdadeira ode aos fãs devotos

A casa estava para lá de cheia quando o relógio se aproximava das 21:00, horário marcado para o início do show. Pelo tamanho menor da Iglesia, é realmente difícil ver mal, visto que mesmo do fundo, você está a apenas alguns poucos metros do palco. Mesmo assim, chegar perto do palco era praticamente uma missão impossível. Com aquele tanto de gente em tão pouco espaço, fazia um calor inconveniente, mas que já vem de praxe em shows menores. Dando o horário, uma introdução instrumental passou pelo sistema de PA, as calmas notas de “City Lights & Traffic Sounds” ecoaram pela casa, já levando os fãs à loucura desde o primeiro momento. A banda toda foi entrando aos poucos, Rocco DellaNeve (teclados), Jeff Jarvis, armado com seu baixo de 5 cordas, Kendall Lantz na bateria, com Joseph Secchiaroli (vocal e guitarra) chegando por último. As harmonias suaves, junto com as batidas precisas hipnotizou o público, que ficou vidrado na performance desde o primeiro segundo.

Com pouco tempo de respiro, veio “The Moments in Between”, o grande destaque de seu primeiro álbum, Rhythm, Chord and Melody. A conexão entre a banda e os fãs era óbvia, boa parte do público cantava tudo, palavra por palavra, a casa transbordava uma energia incrível. De cara, pode não fazer muito sentido ter colocado eles para fazer duas datas em uma casa menor, ao invés de uma data em uma casa maior, mas quando o show começou, tudo fez sentido – todo mundo ganhou com o clima mais intimista da Iglesia, deu um ar de realmente exclusivo, atenuando a ligação entre o grupo e seus espectadores. Depois da segunda música, o vocalista deixou algumas palavras com os fãs: 

“Queria expressar a gratidão imensa que estamos sentindo agora. Tivemos o privilégio enorme de voltar para cá, e não conseguimos dizer quão felizes estamos que vocês estão aqui, deixando seu tempo e seu dinheiro para trás. Sabemos que tem muito o que fazer em São Paulo de sábado à noite, amamos esta cidade.”

Fora isso, também foi deixado claro que o show daquele sábado seria exatamente igual ao do dia anterior, o mesmo setlist, mas o vocalista sugeriu que talvez fosse melhor por estar mais cheio.

Enfileirando hits

Mantiveram o astral no alto com “Symptoms of a Stumbling” e a lindíssima “Nightingale”, dobradinha de This is What Happens (2010), que seria o álbum mais amplamente contemplado da noite, tendo 7 de suas 13 faixas executadas. “Nightingale” é marcada por um refrão que realmente deixa explícita toda a capacidade vocal impressionante de Joseph, que também esbanja de um carisma absurdo, sendo verdadeiramente o líder da banda, e conseguindo levar o público junto a todo momento, fazendo-os ecoar cada verso em uma só voz. Voltaram para Rhythm com “Morning Cloud”, que pelo menos em seu começo, já traz um pouco daquela complexidade do prog, mas ainda com a sutileza característica do jazz, algo que é replicado, mas de forma um pouco diferente na mais devagar “Sing When No One’s Around”.

O EP autointitulado também teve seu tempo de destaque, começando por “Hard to Believe” e “Just Wait”. Esta primeira começa com uma linha simples e relativamente descontraída no piano, demonstrando precisão de forma lúdica. Deixaram as coisas um pouco mais devagar com “Blistered Hands”, mais calma, contida, transmitindo um sentimento levemente agridoce, aquela coisa para chorar sorrindo. “Return to Me” parece ser uma daquelas sofrências normais, mas tem aquelas “soluçadas” da música progressiva. Vale destacar também a habilidade de Rocco em tocar tanto um sintetizador quanto seu teclado de forma simultânea, fazendo este malabarismo em diversas faixas ao longo do show. “Return” também deixou em evidência as habilidades de Joseph na guitarra, com um riff que até carrega um certo peso mais para o meio arrancando palmas do público.

A parada de um homem só

O próximo acontecimento notável veio a acontecer após um bom bloco de músicas – “Bullets in the Air”, “Great Blue Sea”, “Thrill of the Fall”, “Now We’ve Made Our Ascent” e “I Hear That Music Play” – quando o vocalista anunciou que a banda iria “dar uma respirada”. A próxima música foi justamente “One Man Parade”, traduzida como “A Parada de Um Homem Só”, e Secchiaroli revelou que aquela teria sido uma das primeiras faixas compostas para o Kindo. Os próximos 4 minutos foram de uma conexão tão real, algo tão diferente, carregado de um misto de emoções. Era só o vocalista em cima do palco, acompanhado de seu instrumento, e os fãs, na pista, fazendo de tudo para apreciar aquela performance diferenciada.

Com Jarvis, DellaNeve e Lantz, de volta ao palco, seguiram normalmente com “Til We Make Our Ascent”, faixa que de certa forma precede “Now We’ve Made Our Ascent”, do disco subsequente. Vindoura do primeiro álbum, Rhythm, Chord and Melody, era de se esperar que ela apresentaria uma sonoridade mais complexa, com mais camadas, mais nuance. Indo de uma faixa bem jazz para outra que poderia tocar nas rádios de pop mais convencionais, executaram “Smell of a Rose”, que é daquelas tão felizes, mas tão felizes, que quem nem sorriu enquanto estavam tocando, certamente já morreu por dentro.

Fechando com chave de ouro

Mudaram o ritmo do show um pouco para o último “bloco”, escolhendo transformar dois de seus maiores clássicos, “Let it Go” e “Something in the Way That You Are”, ambas mais “melosas” do primeiro álbum, em um medley, uma versão conjunta, condensada. Começaram com “Let it Go”, tocando até o segundo refrão, que foi feito de forma a capella, apenas a voz de Joseph e dos fãs, que batiam palmas, acompanhando a faixa. Depois, sem nem parar, veio “Something in the Way That You Are”, que chegou a dar espaço para aquele riff icônico do “Careless Whisper” (WHAM!), voltando para “Let it Go”, passando mais uma vez por “Something in the Way That You Are”, antes de fechar com parte de “Something” dos Beatles.

Tendo soado os últimos acordes, parece que a Iglesia havia entrado em erupção, a galera simplesmente explodiu ao ouvir o finalzinho do último riff. Era algo realmente insano. Aproveitando toda esta energia, foram para “The Hero, the Saint, the Tyrant, & the Terrorist”, uma das joias da coroa de Play With Fire. As batidas animadas serviram para injetar aquela última dose de pique num público que ainda depois de mais de 1:30 de show, não mostrava sinal algum de cansaço, impressionantemente. Outras pessoas que não mostravam sinal algum de cansaço eram os próprios integrantes, que pularam como se não houvesse amanhã em “Human Convention”, que fechou a apresentação, com Rocco especificamente chegando a tremer a sua extremidade do palco. A força que ele pulava era anormal mesmo, chegava a ser cômico, mas mesmo assim, mantinha uma precisão desumana nas teclas.

Overload, pode trazer de novo que é certeza de dar certo – conclusões finais

Acho pertinente me dirigir direto à produtora aqui, pois são sempre eles que trazem o Kindo, e creio eu que já está mais que óbvio que o quarteto de Buffalo tem uma legião de discípulos aqui em terras tupiniquins. Dá para entender facilmente porque demoraram tanto para vir, com a pandemia e até as polêmicas que vieram com este tempo, mas se o Brasil, nem necessariamente a América Latina como um todo, não estiver no topo da lista de prioridades da rota da turnê do próximo álbum deles, alguma coisa estará muito errada. A performance que fizeram naquele sábado foi algo que realmente esbanjou de uma energia incrível, especialmente dado o caráter mais intimista do show, que realmente ajudou a fortalecer o laço entre a banda e os fãs. Este que vos escreve não esteve presente na sexta-feira, mas creio eu que tenha sido tão espetacular quanto.

The Reign of Kindo – setlist:

City Light & Traffic Sounds

The Moments in Between

Symptom of a Stumbling

Nightingale

Morning Cloud

Sing When No One’s Around

Hard to Believe

Just Wait

Blistered Hands

Return to Me

Bullets in the Air

Great Blue Sea

Thrill of the Fall

Now That We’ve Made Our Ascent

I Hear That Music Play

One Man Parade (só o Joey)

Till We Make Our Ascent

Smell of a Rose

Let it Go / Something in the Way That You Are / Careless Whisper / Something (Beatles)

The Hero, the Saint, the Tyrant & the Terrorist

Human Convention

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About Guilmer da Costa Silva

Movido pela raiva ao capital. Todo o poder ao proletariado!

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