Antecipando o lançamento de seu sexto álbum, autointitulado, conversamos com Chuck Brown, baterista da icônica banda americana de doom metal americana The Gates of Slumber.
Formados inicialmente no final dos anos 90, o Gates of Slumber se tornou uma das bandas mais emblemáticas do cenário underground do doom metal americano, resgatando a sonoridade mais tradicional do gênero, inspirados nos grandes pilares do estilo. Após muitos dos membros se afundarem nas drogas, a banda acabou entrando em hiato indeterminado em 2013, dois anos após o lançamento de The Wretch.
Desde então, não tem sido fácil para os nativos de Indianápolis (EUA), com Jason McCash, baixista e uma das forças motrizes por trás de tudo que rolava indo dessa para melhor em 2014, Clyde Paradis, um dos bateristas indo em 2016 e “Iron” Bob Fouts, mais um baterista morrendo em 2020. Em 2013, logo após a dissolução, Karl Simon, o vocalista, fundou a Wretch, banda aclamada com que lançou as últimas sobras do material do Gates.
Logo antes da pandemia, por volta de 2019, surpreenderam todos com a volta da banda, para fazer uma turnê e tocar no Hell Over Hammaburg de 2020. A nova formação contava com Karl voltando para o vocal e novamente assumindo a guitarra, Chuck Brown, baterista da primeira formação novamente assumindo as baquetas e Steve Janiak, que toca com Chuck em seu outro projeto, Apostle of Solitude, no posto que um dia foi de Jason.
Conseguimos trocar algumas palavras com Chuck, que nos contou como foi a volta e nos revelou detalhes do novo álbum, que será lançado no dia 29 deste mês pela Svart Records, confira:
Então, vocês se reuniram em 2019 para tocar no Hell Over Hammaburg de 2020, um festival que já havia pedido para vocês se apresentarem algumas vezes. Como foi esse processo de reunião? Como foi voltar a tocar com o Karl e os caras?
Chuck: Foi ótimo. Foi um verdadeiro marco, cara, porque não tocamos juntos há bastante tempo. Acho que a última vez que toquei com a banda foi por volta de 2007, talvez? O Karl deve saber melhor. Mesmo sem tocarmos juntos, mantemos nossa amizade durante todo esse tempo.
Voltar a tocar com o Karl foi como voltar para casa. Já estivemos em três ou quatro outras bandas antes do The Gates of Slumber, então crescemos juntos de muitas maneiras. Foi como se as coisas tivessem se fechado, embora o Jason não estivesse mais lá, infelizmente. Ele também fez parte de muitas dessas bandas antigas. Então, sim, foi muito satisfatório nos reunirmos de novo.
Pelo que eu pude perceber, é exatamente como você disse: quando vocês se reuniram, as coisas realmente se encaixaram, e o Karl disse em entrevista: “É mais fácil criar coisas novas do que tentar lembrar o que diabos você fez 20 anos atrás.” Vocês começaram a escrever material novo antes da turnê de reunião, certo?
Chuck: Sim, começamos. Ele não está mentindo—é mais fácil criar material novo do que lembrar as músicas que você tocou há 10 ou 20 anos. Quando nos reunimos, sabíamos que o objetivo era tocar no festival e em alguns outros shows, mas, naturalmente, começamos a escrever de novo.
É assim: você liga a guitarra, começa a aquecer, e alguém toca um riff. Antes que você perceba, já está discutindo o que virá em seguida. Isso se transforma em metade de uma música, e então você pensa: “Por que não terminar isso?” Logo, vira: “Por que não escrever mais uma?” Não havia regras dizendo que não podíamos, então foi isso que fizemos—começamos a escrever por diversão e isso acabou virando um álbum.
Logo após a turnê de reunião, veio a pandemia, certo? Isso atrapalhou os planos de vocês?
Chuck: Ah, para dizer o mínimo! Sabíamos que a pandemia estava começando quando saímos para a Europa. Houve alguns surtos, mas nada estava sendo fechado ainda. Fomos sabendo que as coisas estavam instáveis e que os shows poderiam ser cancelados.
Quando terminamos um show em Estocolmo, o presidente dos EUA anunciou restrições internacionais de viagem. Foi algo vago, e não sabíamos se os cidadãos americanos poderiam voltar para casa. Então, entramos em pânico, corremos para o aeroporto e nos juntamos a milhares de pessoas tentando entender a situação. Eventualmente, foi esclarecido que teríamos 30 dias para retornar.
Chamamos o nosso motorista de volta, conseguimos fazer nosso show final em Helsinque e, então, voamos para casa mais cedo. Fomos um dos primeiros voos a pousar em Chicago, e ainda assim, levou duas horas para passarmos pela alfândega. Alguns voos depois do nosso levaram de oito a nove horas. Resumindo, tivemos muita sorte. Não houve grandes problemas, todos ficaram saudáveis e conseguimos voltar em segurança.
Agora, voltando para os últimos anos do The Gates of Slumber – já que você não estava na banda, sua opinião vai ser diferente da do Karl, mas sua perspectiva é válida, de qualquer forma. O Karl deu uma entrevista para o Burning Ambulance, onde foi questionado se The Wretch seria o álbum final do The Gates of Slumber, devido às letras mais pessoais e tudo mais. Ele disse que não era realmente essa a intenção, mas foi o que acabou acontecendo, pelo menos por um tempo. Você tem algo a comentar sobre esses últimos anos do The Gates of Slumber?
Chuck: Sim, foi difícil de ver, cara, porque estávamos todos ainda muito próximos. Foi muito doloroso ver o Jason ficar doente—sendo um viciado e vendo sua decadência foi de partir o coração. O mesmo aconteceu com o Bob Fouts alguns anos depois; ele morreu da mesma forma. O Clyde, eu não era tão próximo, mas eu o conhecia e éramos amigos.
Ver os últimos anos do The Gates of Slumber foi complicado. Por fora, parecia que estava tudo bem—fazendo shows e se saindo bem—mas por dentro, havia muita tensão. Isso é o que acontece quando alguém está enfrentando o vício. Foi especialmente difícil porque éramos todos muito amigos. O Jason estava no meu casamento, e eu estava no dele. O Karl também estava lá.
O Bob Fouts, que também faleceu, foi baterista do The Gates of Slumber e tocou baixo no Apostle of Solitude por dois ou três anos. Eu era muito próximo do Bob. Ver esses caras passando por essas dificuldades foi horrível—realmente uma merda. O vício não é brincadeira. Se você tem alguém na sua vida lidando com isso, sabe exatamente o que eu estou dizendo.
Mas as coisas acontecem como acontecem. É o que é.
Esses últimos anos foram difíceis para o Gates, perdendo o Clyde, o Bob e, obviamente, o Jason. Você acha que essas perdas e esses tempos difíceis foram refletidos no novo material, nas letras, nas composições?
Chuck: Hmm. Boa pergunta. Eu não sei se eles foram refletidos diretamente na música ou nas composições, mas com certeza pensamos muito nesses caras. Eles surgiram nas conversas enquanto estávamos escrevendo as músicas.
Falamos sobre o papel deles na banda, como as coisas poderiam estar agora se eles tivessem sobrevivido, e por aí vai. Então, embora não tenha havido uma influência direta no resultado das músicas, eles estavam definitivamente em nossas mentes. Discutimos o que sentimos falta deles, o que nos frustrava sobre eles, e assim por diante. Nesse sentido, eles tiveram uma influência.
Este novo álbum é auto-intitulado, mas está saindo depois de 25 anos de atividade com a banda. Vocês já lançaram outros cinco álbuns. Seria o álbum definitivo do Gates of Slumber?
Chuck: O definitivo? Não sei se isso cabe a nós dizer—acho que isso é mais para as outras pessoas decidirem. Para Karl e para mim, no entanto, é um momento de fechar um ciclo. Tocamos em tantas outras bandas juntos, e finalmente fazer outro álbum juntos tem um grande significado para nós.
Também parece um recomeço. Ter o Steve na banda agora traz uma nova dinâmica, já que ele é um compositor e cantor muito forte. É como um novo começo para nós.
Já temos material novo escrito para um split com uma banda muito legal—não posso revelar quem ainda, mas vai ser incrível. Está previsto para sair em 2025. As músicas já estão escritas, só precisamos ajustá-las um pouco antes de ir para o estúdio. Provavelmente será um split de duas ou três músicas, e estou realmente empolgado com isso.
Ainda estamos escrevendo e planejando futuros álbuns, mas as coisas estão indo devagar agora porque o Karl é o cuidador do pai dele. O pai dele tem 82 anos e não está com boa saúde, então o Karl precisa estar lá para ele o tempo todo. Ele consegue ir para o ensaio uma vez por semana, mas até isso acaba sendo interrompido de vez em quando—e com razão.
Ainda assim, estamos seguindo em frente. Temos a intenção de continuar escrevendo, gravando e, eventualmente, fazendo mais shows. No momento, no entanto, a família vem primeiro, como deve ser.
E houve algum significado específico por trás de o álbum ser auto-intitulado ou foi apenas…
Chuck: Sim e não. Karl e eu conversamos sobre a ideia de uma capa preto sobre preto há muito tempo—bem antes do primeiro álbum do Gates. Era algo que realmente queríamos fazer, com um design em relevo.
Não tenho certeza se você já tem uma cópia do álbum, mas esse era o conceito que queríamos.
Não, ainda não.
Chuck: Na versão em vinil, as letras são em relevo, ligeiramente levantadas—fica realmente legal. A ideia original era ser completamente preto sobre preto, mas o contorno acabou sendo em branco osso. O conceito preto sobre preto funciona, mas em formato digital, simplesmente parece em branco. Então, tivemos que adicionar um contorno para melhorar a visibilidade.
Quanto ao fato de ser auto-intitulado, sentimos que era apropriado porque este álbum marca um novo começo. Também é uma continuação da banda—o Karl ainda está nela, eu voltei e estive nos dois primeiros álbuns. Então, nesse sentido, ele carrega o legado do The Gates of Slumber enquanto também reinicia a barra, ou o relógio, por assim dizer. Ter o Steve na banda contribui para esse novo começo, e essa foi outra razão para o álbum ser auto-intitulado.
Com este álbum sendo lançado quase 13 anos depois do último, você acha que houve alguma pressão para atender às expectativas dos fãs ou o foco foi apenas: “Vamos lançar isso, vamos voltar e começar esse novo começo”?
Chuck: Acho que houve um pouco de pressão. Quero dizer, você definitivamente não quer lançar um álbum ruim—ninguém quer isso. Mas não nos estressamos com comparações ao último disco ou algo assim.
Abordamos esse álbum de maneira bem direta. Escrevemos apenas músicas que gostávamos, riffs que eram bons de tocar. Todos contribuíram para o processo de composição neste álbum, o que fez com que fosse um esforço coletivo.
Então, embora houvesse um pouco de pressão, ela foi bem leve. Se achássemos que as músicas estavam boas, isso já era suficiente para nós. Esperamos que todos sintam o mesmo. Eu acho que este álbum é tão forte quanto qualquer outro que fizemos antes.
No release que recebi de vocês, dizia que as letras têm inspiração na Peste Negra e nos filmes de John Carpenter, The Fog e The Black Death. Como isso entrou na equação?
Chuck: O Karl é um grande fã de The Fog—o filme de John Carpenter. Ele sempre quis escrever uma música ou letras inspiradas nele. Acho que o Steve realmente trouxe os riffs originais, e assim que o Karl ouviu, ele soube que era a oportunidade certa para escrever sobre The Fog.
Quanto à The Plague, esses riffs já existiam há muito tempo. O Karl mencionou que os tinha há anos, mas nunca tinham virado uma música até agora.
Se você olhar o conteúdo lírico do The Gates of Slumber, exceto pelo álbum The Wretch, ele geralmente é menos pessoal. É mais sobre criaturas, temas épicos ou coisas inspiradas por Conan, Lovecraft e outras histórias. Músicas como The Fog se encaixam perfeitamente nessa tradição.
Dito isso, há faixas neste álbum que se afastam um pouco desse estilo. Por exemplo, Embrace the Lie não é sobre uma criatura ou algo fantástico. Não é exatamente pessoal, mas é mais uma declaração sobre os acontecimentos atuais.
Sendo alguém que esteve muito envolvido na banda, saindo e voltando, como você diria que o Gates evoluiu desde o começo nos anos 90?
Chuck: Musicalmente, eu diria que a maior evolução foi que, na verdade, não evoluímos muito. E isso pode ser visto tanto como algo bom quanto ruim, dependendo de como você percebe a evolução. Você acha que evolução é algo positivo ou negativo?
Eu sinto que ainda escrevemos do mesmo jeito que sempre fizemos—o mesmo tipo de música, a mesma abordagem. O que evoluiu, no entanto, foram nossas personalidades. Quando éramos mais jovens, escrever juntos podia ser mais competitivo. Quando você tem três ou quatro pessoas contribuindo com material, pode ficar bem intenso, e todo mundo quer que o seu trabalho seja ouvido. As pessoas ficam mais protetoras, tipo: “Não mude esse riff—eu escrevi ele assim por uma razão.”
Mas agora, todo mundo é bem tranquilo com isso. Eu posso trazer um riff, e se o Karl quiser adicionar algo diferente, eu não me importo. Ele também é assim. Se ele trouxer algo e Steve ou eu sugerirmos uma mudança, o Karl não vai fazer um escândalo sobre isso.
Nesse sentido, escrever é muito menos estressante. Há muito menos ego envolvido agora, e, à medida que você envelhece, percebe o que vale a pena lutar e o que não vale. Você deixa essas coisas de lado e apenas foca em escrever uma boa música. Se alguém tiver uma ideia melhor, você vai com ela, dá um tapinha nas costas e segue em frente.
Vocês são uma das bandas mais emblemáticas da cena doom underground, já estão nisso há 25 anos. Quais são as principais lições que vocês aprenderam com todos esses anos na estrada?
Chuck: Seja humilde e aprecie o que você tem, porque pode desaparecer assim, do nada. Não comece a achar que você é uma estrela do rock ou que alguém te deve algo ou precisa te bajular.
Todo mundo tem que manter o seu trabalho diário. Ninguém está ganhando uma renda de classe média com isso, pelo menos não nesse gênero. Claro, se você tocar o suficiente e se esforçar bastante, pode até ganhar uma renda de classe média baixa, mas qual o sentido disso? É uma coisa se isso se tornar seu trabalho, outra é você tornar isso seu trabalho intencionalmente.
O que aprendi é o que realmente significa sucesso. Para mim, é simples: significa felicidade. Se estou feliz, então isso é sucesso. Por exemplo, se formos para a Europa, cobrirmos nossos custos, pagarmos o backline e a van, e ainda trouxermos algum dinheiro para casa—isso é ótimo. Isso é sucesso.
Eu ganhei o suficiente para largar meu trabalho diário? Não. Mas sou esperto o bastante para saber que isso provavelmente não vai acontecer nesse gênero. Se esse é o seu objetivo, talvez seja melhor escolher outro estilo musical.
Você tem algum conselho específico para músicos mais jovens, para quem quer começar uma banda como o Gates of Slumber?
Chuck: Trabalhe duro, cara. Não deixe nada de graça e não espere que ninguém vá te dar algo. Eu usei a palavra “se esforçar” mais cedo, e é exatamente isso—trabalhe duro. Toque muitos shows, escreva muitas músicas, vá a shows. Seja humilde e seja grato quando surgirem boas oportunidades.
Quando as oportunidades aparecerem, como abrir para outra banda ou fazer vários shows, aproveite e capitalize sobre elas. Não fique sentado pensando, “Nós somos uma banda incrível; não acredito que não estamos sendo mais reconhecidos.” Existem um milhão de ótimas bandas que nunca foram notadas e provavelmente nunca serão.
Às vezes, isso acontece porque elas simplesmente não trabalharam duro o suficiente. Existe trabalho envolvido, cara. Algumas bandas explodem do nada, claro, mas nos bastidores, elas estavam trabalhando muito. Elas estavam praticando incessantemente, fazendo shows sem ganhar nada ou quase nada, e se esforçando em cada passo do caminho.
Então, trabalhe duro e nunca deixe nada de graça.
E agora com você e o Steve, ambos no Gates of Slumber, onde fica o Apostle (of Solitude)?
Chuck: O Apostle ainda é minha outra prioridade. Nenhuma banda tem mais prioridade que a outra—ambas são igualmente importantes. O Apostle normalmente ensaia aos domingos e o The Gates of Slumber ensaia aos sábados.
Ainda estamos escrevendo para o Apostle, e estamos planejando gravar nos próximos meses. Nosso objetivo é lançar algo em 2025. No momento, temos cerca de sete, oito ou nove esboços de músicas—algumas estão prontas, outras só precisam de letras.
Conciliar as duas bandas tem funcionado para mim. Sou afortunado por ter tempo para cuidar das duas, seja para ensaios, gravações ou para sair em turnê por curtos períodos com ambas as bandas. Então, sim, as coisas estão boas. O Apostle está indo bem.
E sim, para mim, é isso. Se você quiser mencionar algo, fique à vontade—o álbum é incrível. Ele é bem profundo.
Chuck: Quero agradecer a você, Daniel, por ter tirado um tempo para esta entrevista. Também sou muito grato a todos que disseram palavras gentis sobre o álbum. E sou grato a qualquer um que nos apoie comprando o álbum ou vindo a um show.
Novamente, para mim, o sucesso é simples: estou feliz? Estou feliz quando faço música que não só eu gosto, mas que outras pessoas também gostam. Isso, para mim, é sucesso. Não posso agradecer o suficiente a todos que gastaram seu dinheiro suado e seu tempo para curtir algo que eu ajudei a criar. Isso é incrível, e é extremamente lisonjeiro. Obrigado a todos.
E sobre shows no Brasil, é uma possibilidade? Está nos planos de vocês?
Chuck: Com certeza. Quanto ao The Gates of Slumber, tudo é uma possibilidade, mas não até que a situação mude para o Karl. Fora isso, não há praticamente nenhum lugar no mundo onde nós não tocaríamos, se convidados. Certamente já falamos sobre a América do Sul—muitas vezes, na verdade. E, claro, a Europa é mais fácil de conseguir interesse.
Se a situação mudar para o The Gates e se houver interesse por parte dos promotores da América do Sul, não tenho dúvidas de que todos nós aproveitaríamos a oportunidade. Não damos nada por garantido e só queremos aproveitar nosso tempo na terra.
The Gates of Slumber será lançado dia 29 de novembro pela Svart Records.
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