C6 Fest: artistas surpreendem no segundo dia, porém Kraftwerk leva o troféu com seu espetáculo

Com lineup ousado, o festival reuniu diversos gêneros musicais em sua estreia

A primeira edição do C6 Fest contou com mais de duas dezenas de atrações, que foram reunidas dentro do Parque Ibirapuera na cidade de São Paulo, entre os dias 19 e 21 de maio de 2023. Em que pudemos conferir artistas de diferentes gêneros musicais, como: soul, música eletrônica, world music e MPB. O Rio de Janeiro não ficou de fora do festival, no entanto recebeu uma versão compactada.

Com diversos palcos distribuídos pelo festival, os ingressos foram divididos por áreas, como: Tenda, auditório Ibirapuera, arena externa MetLife e Pacubra/Tokyo. Em que cada local propunha propostas diferentes ao público, em questão de opções de alimentação, conforto e, não menos importante, a forma de prestigiar os espetáculos que estavam por vir.

Para os simpatizantes de eventos que começam desde o turno matutino, alerto que o C6 Fest tem muito mais a cara de São Paulo, por trazer uma programação que se iniciava a partir das 17h. Que para algumas pessoas, que estiveram presentes no primeiro dia e segundo dia, puderam ter uma sensação de happy hour, pois tinham acabado de sair do trabalho.

Na tenda, o ambiente estava muito bem equipado com iluminação, ar condicionado, bares e estruturas que mantiveram as árvores do parque, em seus devidos locais, o que acabou trazendo algo peculiar, natural, mas que combinou com toda a estética do evento.

O que me chamou a atenção foi a altura do palco, beirando uns 2m. Para quem estava próximo à grade, tinha que inclinar um pouco e dificultava o registro do show. A produção responsável pensou na boa visualização para as pessoas que ficariam muito longe do artista, já que o local era extenso.

Para a abertura do que estava por vir, o público recebeu de braços abertos o cantor e compositor Blick Bassy, natural de Camarões. Trajando roupas brancas e um colar de búzios no pescoço, Bassy surge no palco e em poucos minutos, atrai a atenção de inúmeras pessoas com seu canto lírico, mas forte, que emociona.

Suas canções são performadas em Bassa, pertencente à família linguística Banta, um dos 231 idiomas falados apenas em Camarões. Em que ao ouvir, soa como um francês, pelo áspero de algumas palavras, mas melódico como um árabe. É uma experiência única para os ouvintes, principalmente, para os entusiastas de idiomas diferentes dos que estamos habituados.

Acompanhado de outros dois integrantes, em que auxiliavam nos efeitos eletrônicos dentro de suas composições, utilizando teclado e pedais de efeito. No entanto, Bassy também toca instrumentos durante suas canções, como uma guitarra e um instrumento de sopro não convencional. Porém, o cantor utilizava sons feitos com as palmas das mãos para simular o grunhido e a melodia de aves.

A melodia dançante de Nop, do quarto álbum de estúdio, lançado em 2023, traz um casamento perfeito do vocal de Bassy junto aos instrumentos. Podemos sentir a canção, assim como o cantor que se entrega ao seu trabalho e, enquanto performa, ele dança, com movimentos leves e fluídos. 

É uma canção que passa uma sensação indescritível, é possível aproveitar cada nota com os olhos abertos, assistindo ao show de iluminação, que passa pelas cores azuladas às violetas. Mas, se quisermos, podemos fechar os olhos e a sensação muda, como se a canção entrasse em nós e o nosso corpo virasse uma festa ambulante.

Em Hola Mè, também do novo álbum citado anteriormente, possui o mesmo ritmo do que as outras canções performáticas. É como se conhecêssemos a letra, mesmo que não falamos o idioma, pois é uma música que gruda na nossa mente. Sem contar que, em geral, suas composições parecem com um som etéreo, algo que entramos em transe, como uma música ritualística. 

Blick faz uma pequena pausa para agradecer ao público presente e acaba contando um pouco da história deste seu novo projeto. Seria um tributo à água, pois como seres humanos, os nossos corpos são feitos pelo elemento, mantemos esta ligação com o passar da nossa vida. Celebra também a chegada da chuva em tempos de seca, algo que o compositor lembra com muita alegria dos seus tempos de infância.

Em sua setlist, houve a presença de outras canções de trabalhos anteriores, como 1958 (2019) e Akö (2015), não deixando de lado Mpodol, do seu single de 2019. Admito que Blick Bassy não é um compositor para todos os gostos, pois por mais que surja a vontade de dançar, não é algo que estimule ao ponto de pular, como uma música eletrônica. No entanto, arrisco dizer que Blick Bassy correu léguas para que Labrinth, responsável pela trilha sonora da série Euphoria, da HBO; pudesse andar, pois notei muitos elementos similares nas canções de ambos, independentemente do idioma cantado.

Logo em seguida, na arena externa MetLife, iniciou o set do Model 500, também conhecido por Infiniti. Juan Atkins junto a Derrick May e Kevin Saunderson, criaram o gênero Techno, assim como foi responsável por nomeá-lo como conhecemos hoje em dia.

E não podemos esquecer que estamos falando de um cara que possui talento, ele consegue transformar as máquinas que operam em seus sets, em verdadeiros seres falantes, influenciando outros artistas muito populares, como: Radiohead e Timbaland.

O palco em que estava presente era bem maior do que podíamos presenciar na tenda, acompanhado de dois telões laterais, que podiam apresentar vídeos que acompanhassem a performance do artista, assim como um telão horizontal acima do palco, com a mesma função. 

Particularmente, eu sou fascinada nas animações em 3D que as músicas do gênero Techno e Eletrônica bebem dessa mesma fonte. Então, durante as apresentações deste palco, eu desfrutei e gravei muitos trechos desse “curtas-metragens”. Faz sentido os artistas permanecerem utilizando dos mesmos “gráficos”, mesmo que possam melhorar, mas é algo que combina muito com a estética, sempre levando o telespectador para uma máquina do tempo.

Por mais que o Model 500 seja o precursor de um gênero, a sua apresentação foi morna. Havia inúmeras pessoas presentes, mas elas estavam um pouco animadas com o que estavam assistindo. Provavelmente, elas já estavam por ali para garantirem lugar para a próxima apresentação.

O set dele foi agradável de ouvir, a iluminação era carregada por Strobo, em que dava aquele efeito a mais para o show. E assim como toda pessoa que ama um Techno, é óbvio que eu não deixei de levar e usar, principalmente nesse momento, dos meus óculos escuros, entrando em sintonia com tudo em volta.

E agora, vamos para a estrela da noite, o momento em que todos nós estávamos esperando. Eu não estava acreditando que eu estava assistindo ao vivo, um dos artistas que cresci ouvindo, em que eu sentia até um pequeno medo, pois acreditava que se tratavam de verdadeiros robôs, que produziam música na Alemanha.

Estou falando deles: Kraftwerk. O grupo deu início ao seu espetáculo cinco minutos antes do previsto com total suspense, em que todas as luzes permaneciam apagadas e já era possível escutar o público ovacionando pela presença de cada um dos integrantes no palco.

Nos telões, números infinitos na cor branca começam a aparecer em movimento crescente e decrescente, acompanhados de um som meio espacial, um pouco eletrônico, trazendo mais ansiedade, pois ninguém sabia quando a contagem iria terminar ou se eles iriam aparecer. Logo, são iluminados os púlpitos com LED verde, com a abertura da famigerada Numbers, de 1981; você pode não ter feito nenhuma aula de alemão, mas eu tenho certeza que sabe contar até o número oito, graças ao Kraftwerk.

Havia apenas o Ralf Hütter, único membro da formação original, acompanhado do Henning Schmitz, Falk Grieffenhagen e Georg Bongartz. E, assim como os púlpitos em que se posicionavam lado a lado, suas roupas possuíam iluminação em LED, que mudavam a tonalidade de acordo com a música que estava tocando no momento. 

Não contente com a emoção da primeira música, Numbers é mixada com Computer World, trazendo as animações 3D à tona. Eu não sou a pessoa mais dançante do mundo, mas tenho que admitir que não houve escolha, eu tive que me entregar a eles.

Em The Man-Machine, em que o álbum que carrega o mesmo nome da canção, completou agora em maio seus 45 anos, é interessante ver como o Kraftwerk consegue unir o passado, o presente e o futuro em uma única apresentação, que também unia diferentes pessoas, em questão de estilo e gerações. Todo mundo estava vibrando e a cada nova música, eram aplausos e gritos sem fim.

Ao todo, foi hit atrás de hit, como Autobahn, Computer Love, The Model, Tour de France e Trans Europe Express, com uma apresentação de mais de uma hora. No entanto, eu admito que eu estava chateada, pois imaginei que eles não iriam colocar no repertório umas das minhas músicas favoritas. 

Mas fiquei surpreendida, eu até cheguei a berrar de emoção, pois teve o mix de Boing Boom Tschak e Music Non Stop, ambos do Electric Café, de 1986 fechando o show com chave de ouro. Em que cada membro foi se despedindo um por um, deixando o palco e o público à loucura. Eu não tenho nenhum defeito para falar deles, pois os caras inventaram a roda, tudo que uma música com o mínimo de sintetizador existe, graças a eles. Sem contar as inúmeras influências em diversos gêneros que jamais paramos para pensar, como: synthpop, o techno e, o mais improvável que lembrem, o funk brasileiro.

Kraftwerk – C6 Fest

  1. Numbers – Computer World
  2. Spacelab
  3. The Man-Machine
  4. Autobahn
  5. Computer Love
  6. The Model
  7. Tour de France 1983 – Prologue – Tour de France Étape 1 – Chrono – Tour de France Étape 2
  8. Trans Europe Express – Metal On Metal – Abzug
  9. The Robots
  10. Planet of Visions
  11. Boing Boom Tschak – Music Non Stop

E agora, com a ida do Kraftwerk, o Underworld que era a próxima e última apresentação do dia, precisava saber segurar as pontas e manter o público animado, depois do que acabaram de presenciar. Mas, pelo visto, isto não foi problema nenhum para o grupo britânico.

A introdução do show foi tímida, mostrando aos poucos para o que eles vieram. Assim como os telões que apresentavam um “quebra-cabeça” que se iam surgindo blocos novos, mas logo desapareciam, repetindo a sequência. No entanto, de modo enérgico, o set não deixou as pessoas se dispersarem ou irem embora, elas acabaram aglomerando na grade para curtirem mais do evento noite adentro. A dupla é composta por Karl Hyde e Rick Smith, ambos dançam e balançam a cabeça, enquanto trazem mais de suas composições, sempre interagindo com o público, do modo que o brasileiro gosta.

Responsáveis por revolucionar a música eletrônica durante os anos 80, há quem diga que o Underworld é conhecido apenas por estar presente na trilha sonora do longa-metragem Trainspotting – Sem Limites, de 1996; porém conseguiram provar que são muito mais do que isso, durante o evento.

E, durante o final do espetáculo, Karl Hyde, muito feliz com o show que pôde entregar aos fãs e simpatizantes do gênero, abraçou Rick Smith e disse: “Brazil, you are beautiful!” (“Brasil, vocês são lindos!”, em tradução livre), fechando a noite de sábado em São Paulo com muita euforia.

Ao todo, o segundo dia do C6 Fest foi uma caixinha de surpresas, impressionando o público com diferentes tipos de músicas, cumprindo a sua proposta. Além de proporcionar uma estrutura agradável, que fique dentro do coração de São Paulo e de fácil acesso. Fico curiosa e esperando que futuramente possa existir uma segunda edição deste evento com nomes tão ousados e grandiosos.

Underworld – C6 Fest

  1. Gene Pool
  2. Two Months Off
  3. Dark & Long
  4. Push Upstairs
  5. King of Snake
  6. Rez / Cowgirl
  7. And the Colour Red
  8. Born Slippy .NUXX
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About Bianca Matz

Jornalista por curiosidade, cinéfila por natureza, vegetariana por amor e paulista desde sempre.

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