Vocifer: “Jurupary” apresenta power metal inovador, mas tipicamente brasileiro.

Texto: Daniel Agapito

Naturais do estado do Tocantins, “com a proposta de levar a cultura de seu povo pelo Brasil, e do Brasil para o mundo”, o Vocifer, banda de heavy/power metal, formada em 2014, entrega um som único, mas tipicamente brasileiro com seu segundo álbum “Jurupary”. Com tema baseado na lenda de Jurupari, que conta que uma indígena, a Ceuci, come uma fruta que era proibida para mulheres no período fértil, que acabou concebendo um menino, filho do sol. Esta concepção expulsa-a de sua aldeia, porém, na hora do nascimento de seu filho, este filho sabia que era uma criatura que traria novos costumes e leis para o mundo, como a dança e a música. Sucessor de seu primeiro LP, o um tanto quanto aclamado “Boiuna”, traz um som não completamente desconhecido, mas um power metal inovador e polido. “Jurupary” também é o primeiro projeto de estúdio da banda que conta com participações do guitarrista Gustavo Oliveira e do baterista Alex Christopher.

“Jurupary”, é o sucessor do primeiro Lp da banda, o bem recebido “Boiuna”, um trabalho conceitual de heavy/power metal, que conta a história da lenda folclórica amazônica do senhor-das-áugas, a cobra boiúna. De acordo com o press release da banda “Boiuna” vem “carregando a riquíssima cultura de seu povo em cada canção” e “a banda surpreende com um ousado álbum conceitual de estreia, ao som de um pesado e sombrio heavy/power metal. Ambos os álbuns da banda foram gravados no estúdio Fusão, em São Paulo.

Faixas:

1. And Then… (01:20)
2. The Voice of the Light (04:33)
3. Bridge to the Stars (03:59)
4. Vanity in Disguise (04:33)   
5. Rain of Doubts (04:20)   
6. Wings of Hope (06:14)   
7. Pleasure Paradise (03:45)  
8. I Am (05:07)
9. We Are (03:52)   
10. Life (05:02)   
11. To be Alive (04:24)   


Duração Total: 47:09   

O álbum começa com “And Then…” uma faixa instrumental, com a presença de elementos orquestrais, flautas e sinos. Logo após este começo tranquilo, e não inusitado no contexto do power metal, vem “The Voice of the Light”, que havia sido anteriormente lançada como single, e teve até um videoclipe animado (disponível no player abaixo). “The Voice of the Light” já inicia com guitarras fortes, e uma bateria poderosa, seguida por um solo avassalador. Durante boa parte da faixa, é possível ouvir pequenos usos de sintetizadores e teclados, cortesia de Fábio Laguna, que foi tecladista de grandes bandas, como Angra, Almah e Freakeys. Esta música já demonstra o impressionante range vocal do vocalista João Noleto, que chega a notas incrivelmente agudas. Os riffs de “The Voice of the Light” são um tanto reminescentes aos do tempo de ouro do Angra, mas isto acaba não depreciando a experiência auditiva no geral. O segundo solo da faixa, conta com um uso incrível de harmonias de guitarra entre os dois guitarristas da banda, Pedro Scheid e Gustavo Oliveira.

“Bridge of the Stars”, a faixa que sucede “The Voice of the Light” abre com uma virada estonteante de teclado, e apresenta diversos riffs harmonizados em sua duração. Em termos de bateria, começamos com algumas batidas usuais do power metal, mas de toda forma eficazes. Na música, há uma dinâmica bastante interessante entre os dois guitarristas, que evidencia a química entre os membros da banda, e mostra o tanto de planejamento previamente feito, para tudo funcionar do jeito que funciona. Pelo que parece, ambos os guitarristas acabam solando. Os teclados de Fábio Laguna acentuam de forma sutil diversos momentos da composição, e aos momentos finais da obra, fazem até um pequeno solo.

Após este solo de teclado, é aberta a “Vanity in Disguise”, a primeira música com um feature (que não seja do supracitado Fábio), desta vez de Daniel Mazza, baterista da banda Inutilissimo. “Vanity in Disguise” começa com um riser e um riff galopado, tal riff que re-aparece posteriormente. A composição demonstra o uso com maestria do bumbo duplo, e uma quantidade significativa de harmonias vocais. A faixa também mostra uma boa variedade vocal, exibindo tanto os vocais que chegam em agudos surpreendentes, quanto também vocais com mais drive. Também temos os riffs e solos com harmonias de guitarra, que não poderiam faltar. 

Depois de tanta animação com as primeiras quatro faixas, vem a “Rain of Doubts”, uma faixa acústica, que fortemente evidencia a variedade musical dentro do álbum. Ela conta com apenas violão, voz e teclados que emulam elementos orquestrais. Com a presença de apenas elementos mais simples, o talento de João Noleto, o vocalista, é bem destacado. De forma inusitada, também é apresentado um lindo, porém breve, solo de guitarra, que acaba lembrando bastante os solos das baladas do heavy metal oitentista. É com a volta dos vocais, violão e teclados que a música se finaliza. Vale notar também que a letra da música é também ótima e complexa, falando sobre introspecção e sendo um tanto filosófica.

Temos também mais uma participação de peso na “Wings of Hope” agora de Daísa Munhoz, vocalista da grande banda de power metal nacional, o Soulspell. A “Wings of Hope” inicia com uma linha de clavecino, e um pequeno solo. A música tem diversas harmonias entre os vocalistas presentes, ambos que tem um alcance vocal que impressiona. “Wings of Hope” contém uma grande variedade de riffs e solos virtuosos, incluindo um solo um tanto diferenciado, com tapping recheado de efeitos. As transições entre os dois vocalistas, João e Daísa, é algo muito suave, muito bem pensado. “Wings of Hope” é sucedida por “Pleasure Paradise” que acaba sendo bastante diferente do resto do álbum, mas de um jeito bom. O início da música apresenta mais um solo, e um baixo marcado (cortesia de Lucas Lago), ambos que não soariam estranhos em uma abertura de um anime. A faixa toda tem um clima um pouco mais heavy metal, contando com riffs <i> chuggados </i> e arpejos de sintetizador. A bateria da faixa é bastante simples, mas impressionantemente eficaz. Há alguns momentos desta música que lembram bastante certas músicas do Helloween, mas outros que possuem um som quase Mötley Crüe, fazendo com que “Pleasure Paradise” seja uma das músicas mais ecléticas do trabalho dos tocantinenses.

É com diversos sintetizadores e um riff um bastante poderoso que começa a “I Am”. Sobre os diversos sintetizadores, temos um que lembra um assobio, um arpejo que mistura uma sine com uma square  alguns elementos orquestrais (que re-aparecem), uns sinos; uma grande variedade. Logo de começo, o trabalho da banda, mais especificamente os vocais do João Noleto remetem bastante a era “The Dark Ride” do Helloween, do melhor jeito possível, mas rapidamente a faixa se distingue e fica única. Há partes em que os retrocitados vocais de João Noleto ficam mais calmos, mais lentos, que em conjunto com a volta dos elementos orquestrais criam uma atmosfera até melancólica. Após uma risada maligna e um pequeno momento em que a voz está destacada, recheada de um reverb, quase Disney, temos um solo virtuosíssimo, claramente influenciado por músicas clássicas e muito possivelmente guitarristas neoclássicos como Yngwie Malmsteen.

A próxima música é a exorbitantemente brasileira “We Are”, que conta com uma participação dos Tambores do Tocantins. Logo de cara, somos bombardeados com uma instrumentação, e mais amplamente um clima muito brasileiro, com diversos tambores, flautas, etc. Os riffs de início lembram um pouco o LP “A Procura” do Ozielzinho, e até um pouco do “universo inverso”, do Kiko Loureiro. Já a bateria, incorpora vários aspectos rítmicos brasileiros, mas a faixa não sacrifica seus solos virtuosos e complexos. No geral, a participação dos Tambores do Tocantins é um tanto inusitada, mas com certeza bem-vinda, e adiciona bastante à “We Are”.

Com esta participação de bom gosto inegável, seguimos logo para outra faixa com uma participação de mesmo nível, “Life”, com Luis Mariutti (ex-Shaman, ex-Angra, Sinistra). De início, o baixo já começa mais marcado, e somos introduzidos a uma linha de baixo típica do Mariutti. Nesta mesma introdução, temos também uma linha de sintetizador, que se faz presente em múltiplas partes da “Life”. Mais para o meio de “Life”, temos um solo de guitarra harmonizado, que parece que sobe e desce, sem parar. É tão evidente a química dos membros do Vocifer, que há partes em que o solo, mesmo estando claramente harmonizado entre duas guitarras, parece que contém uma só. Após este solo, vamos para uma parte mais suave, com violão cheio de chorus e reverb, com direito a coro, harmonia vocal, e flauta. A música se re-energiza com cantos que parecem étnicos, e viradas poderosas, que viram uma batida com bumbo duplo. “Life” é uma faixa que caberia perfeitamente em qualquer álbum do Angra.

O “Jurupary” se encerra com “To Be Alive”, que conta com uma participação de Thiago Bianchi (Noturnall, ex-Shaman), que foi também o produtor do álbum. A faixa já começa com riffs fortes, e uma batida tipicamente metal espadinha (power metal). Os vocais de Thiago Bianchi dão uma variedade interessante à música, e ele adiciona umas harmonias vocais notáveis. As letras da música tocam em temas como: dificuldades e os altos e baixos da vida. Temos também linhas simpáticas de sintetizador, recheadas de delay, e solos vertiginosos, que já é de se esperar com o Vocifer.

No geral, o “Jurupary” apresenta uma produção ótima, polida (autoria do anteriormente mencionado Thiago Bianchi), e como foi dito antes, representa de maneira eficaz a cultura tocantinense. Comparado ao trabalho prévio da banda, o “Boiuna”, conseguimos notar uma evolução sonora significativa, e no “Jurupary”, eles entregam por completo o que haviam prometido inicialmente com o “Boiuna”. Sobre o “Jurupary”, o vocalista João Noleto comenta: “A boa aceitação do nosso primeiro álbum nos permitiu ousar mais neste disco, além de mostrar nossa evolução e maturidade musical, tanto na parte técnica quanto nas composições”. Com certeza, esta ousadia valeu a pena, e “Jurupary”, o resultado dessa ousadia, certamente se consagrará como um disco de power metal para os livros históricos.

Ouça “Jurupary” do Vocifer no Spotify:

Nota: 9

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2 Comments on “Vocifer: “Jurupary” apresenta power metal inovador, mas tipicamente brasileiro.”

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