Apesar da premissa melancólica da despedida, o Planet Hemp relembrou com alegria e orgulho sua trajetória, entregando uma apresentação incendiária e com convidados marcantes na história da banda.
Fotos por @bmaisca
O Planet Hemp anunciou recentemente (mais uma vez) o fim de suas atividades. Turnês de despedida têm perdido o seu apelo de urgência nos últimos anos, já que muitas acabam se alongando por muito tempo, como o caso do Sepultura, e do Megadeth, que noticiou recentemente que sua turnê de despedida pode durar cinco anos. Mas, dessa vez, a decisão do Planet Hemp parece ser definitiva.
Em entrevistas recentes, Marcelo D2 e B.Negão reforçaram que o Planet Hemp acabou. Os vocalistas explicaram que não queriam anunciar a sua despedida para voltar aos palcos depois de um tempo, além de colocar a idade como um dos fatores principais para essa decisão. Em uma entrevista para 89 A Rádio Rock, D2 e B.Negão brincaram que a ideia é a banda se tornar uma lenda brasileira nas rodas de conversa: “Curupira, Saci Perere, Mula sem cabeça ou Planet Hemp?”, brincam os vocalistas.
Com o peso de encerrar a trajetória de uma das bandas mais influentes e importantes do rock brasileiro, o show de São Paulo da turnê A última Ponta, ganhou um tom grandioso ao ser realizado no Allianz Parque.
A festa do BaianaSystem
No último sábado (15), o Planet Hemp fez o seu último show na capital paulista. Para participar dessa celebração, o BaianaSystem foi convidado como ato de abertura. A banda, que venceu o Grammy Latino 2025 na categoria “Melhor Álbum de Rock ou de Música Alternativa em Língua Portuguesa” com seu lançamento mais recente, o disco O Mundo Dá Voltas, entregou uma apresentação à altura da ocasião.
Recém-chegados da premiação que aconteceu em Las Vegas no dia 13 de novembro, o grupo subiu ao palco do Allianz às 18h15. Marcelo D2 foi o “mestre de cerimônias” e, antes de a banda iniciar o show, disse que seria uma noite emocionante, cheia de convidados e que deu a vida pelo Planet Hemp. Ao anunciar com entusiasmo o BaianaSystem, uma gravação que tocava no sistema de som dizia que “sem o Planet Hemp, não existiria BaianaSystem”, reforçando a influência do Planet na história do Baiana e a forte conexão entre os dois grupos.
O BaianaSystem abriu o show com “Reza Forte”, já contando com a participação de B.Negão e com uma breve passagem de Marcelo D2 no palco. O show do Baiana é extremamente contagiante e transformou a energia do Allianz Parque, colocando todos para dançar e pular durante toda a apresentação.
Seguindo a festa com “Cabeça de Papel”, “A Mosca” e “Capim Guiné”, a banda dominou o público com maestria e manteve a energia lá em cima o tempo todo. Presenciar um show do BaianaSystem explica o motivo de o grupo ser um dos mais interessantes e criativos da atualidade, deixando evidente as influências de nomes como Planet Hemp e Nação Zumbi, mas trazendo muita originalidade em sua sonoridade.
Em “Sulmericano”, o vocalista Russo Passapusso gritou “sem anistia”, reforçando o posicionamento político da banda. A faixa acabou se tornando um medley ao incorporar outras canções, prática que se manteve presente nas duas faixas seguintes, “Lucro (Descomprimindo / Miçanga)” e “Balacobaco / Saci / Balacobaco” — como “Magnata”, “Bésame Mucho” (Consuelo Velázquez) e “Bala na Agulha”.
Entre muitas rodas e um clima festivo, que percorreu toda a performance, o BaianaSystem preparou o terreno com muita competência para a despedida do Planet, varrendo para longe qualquer clima melancólico que a ocasião poderia carregar para o final da noite.
O adeus esfumaçado e inesquecível a São Paulo
Às 20h30, Marcelo D2 começou a interagir com o público, comentando algumas músicas da playlist que tocava no “aquecimento” do show, que ia de Bezerra da Silva e Cypress Hill até o punk de Iggy Pop e Ratos de Porão. Enquanto isso, nos telões, datas e acontecimentos influentes para o Planet Hemp eram destacados, como a abertura do Garage (casa de shows importante do Rio de Janeiro), as latas de maconha despejadas no litoral brasileiro que deram origem ao famoso “Verão da Lata”, a apresentação do movimento manguebeat com o manifesto “Caranguejos com Cérebros”, o show do Ramones em 1992, o lançamento da estreia da Nação Zumbi com Da Lama ao Caos, o fim do regime racista do apartheid, a morte de Skunk e a chegada do disco Usuário às lojas.
A apresentação, que seguiria uma narrativa parecida com a de um livro, com cada capítulo contando momentos importantes e marcantes da história do Planet Hemp, finalmente estava pronta para começar.

Com a banda já posicionada no palco, composta por Formigão (baixo), Pedro Garcia (bateria), Nobru (guitarra), Daniel Ganjaman (teclado e guitarra), B.Negão e Marcelo D2 nos vocais, o show começou com uma sequência matadora e de tirar o fôlego: “Dig Dig Dig (Hempa)”, “Fazendo a Cabeça”, “Raprockandrollpsicodeliaharcoreragga”, “Distopia”, ”“Taca Fogo (que teve a participação de Luiza, esposa de D2) e a dobradinha “Mary Jane / Phunky Buddha”.
Seguindo com a intensidade das faixas mais rápidas e carregadas da banda, “Planet Hemp”, “Legalize Já” e “Não Compre, Plante!” continuaram incendiando o Allianz Parque com a energia incansável de D2 e B.Negão. Em “Legalize Já”, a iluminação mais calcada no vermelho que predominou no início do show deu espaço para o verde, que tanto conversa com as temáticas da banda.
“Jardineiro” deu uma breve desacelerada no show, mas “Queimando Tudo” não deixou a energia ir embora por completo. Já “Onda Forte” trouxe mais um momento de calmaria para a apresentação, que parecia um verdadeiro atropelo (tanto de hits quanto de intensidade).

Era o momento de dar início às participações especiais. Os primeiros convidados foram Emicida e Seu Jorge — este último, parte de uma das formações do Planet Hemp. B.Negão fez um discurso muito relevante sobre a utilização do medo dentro da política como ferramenta de poder. “Nunca Tenha Medo” marcou um dos momentos mais emblemáticos da noite, mostrando a sinergia de Seu Jorge e Emicida com a banda.
Na sequência, performaram “AmarElo”, um dos grandes sucessos de Emicida, que ganhou um “tempero” especial com o sample de “Sujeito de Sorte”, canção do saudoso Belchior. Emicida saiu de cena, mas Seu Jorge permaneceu no palco para mostrar suas habilidades na flauta na instrumental “Biruta”, além de participar de “Cadê o Isqueiro” e “Quem Tem Seda?”, canção que iluminou o estádio, não apenas pelos celulares, como de costume, mas pelos isqueiros dos fãs.
O DJ Zé Gonzales também subiu ao palco, e o Planet Hemp relembrou no telão uma clássica reportagem da Globo que mostrava o espanto da mídia ao ver a banda enrolar seus baseados diante das câmeras. “Puxa Fumo” e “Adoled (The Ocean)” deram sequência ao show. Em “Salve, Kalunga”, o grupo prestou homenagem a Fábio Kalunga — nome importante da cena carioca, integrante da banda Cabeça (da qual o guitarrista Nobru também fez parte) e membro dos Seletores de Frequência ao lado de B.Negão. Kalunga, que faleceu em 2017, mas foi lembrado e homenageado pelo Planet Hemp.

Depois de relembrar sua polêmica prisão em 1997, a banda presenteou os fãs mais saudosistas com um bloco dedicado às músicas menos conhecidas, mas adoradas pelos entusiastas: “Gorilla Grip”, “O Bicho tá Pegando” e “Mão na Cabeça”. Um verdadeiro deleite para quem acompanha o Planet além dos hits. Após “Não Vamos Desistir”, a clássica “Stab” colocou o Allianz inteiro para cantar, enquanto “Procedência C.D.” devolveu o peso do hardcore ao setlist.
Chegou a hora de a cantora Pitty participar do show com a versão do álbum Reativado para o sucesso “Admirável Chip Novo”. Aproveitando a presença da cantora, amiga de longa data do Planet Hemp, eles aproveitaram para tocar também “Teto de Vidro”. Já em “100% Hardcore”, a chapa esquentou novamente, rendendo as maiores rodas da noite, com direito a vários sinalizadores acesos, trazendo uma boa dose de caos para o show e mostrando que não é só em shows internacionais que os fãs se deixam levar pela intensidade.

“Zerovinteum” e “Hip Hop Rio” já davam o recado de que o show começava a se encaminhar para a reta final. Não podia faltar uma emocionante e bela homenagem ao eterno e saudoso Chico Science com “Samba Makossa / Monólogo ao Pé do Ouvido”, com D2 citando outros nomes como Sabotage, Skunk e Chorão.
“A Culpa é de Quem?” preparou o terreno para a grande surpresa da noite. A banda recebeu um dos integrantes mais queridos da Hemp Family, o grande Black Alien. A presença de Gustavo no palco emocionou não apenas a banda, como também o público, que não cansou de aplaudir o rapper. “Contexto”, um dos maiores clássicos do Planet Hemp, foi performada do jeito que tem que ser: com seus três vocalistas. A banda ainda aproveitou o momento para tocar novamente “Queimando Tudo”, agora em sua “versão original”.
Se enganou quem achou que as surpresas já tinham acabado, já que, após tocar “Deisdazseis”, João Gordo, vocalista do Ratos de Porão, uma das maiores influências do Planet, subiu ao palco para cantar “Crise Geral”. A alegria de João Gordo em participar de uma noite tão emblemática na trajetória do Planet Hemp era gigante, assim como a do público, que pôde presenciar esse momento.
O hino “Mantenha o Respeito” encerrou a noite com chave de ouro, com João Gordo e Black Alien no palco, mostrando que a família Planet Hemp marcou presença em peso em um episódio histórico na trajetória da banda.
O Planet Hemp revisitou sua história, celebrou seu legado e festejou com sua família em um show memorável em São Paulo. Além de lotar o Allianz Parque, a banda adicionou mais um capítulo histórico à sua carreira, mostrando o poder e a influência de sua música e de seu ativismo ao longo de seus 32 anos de estrada. Poucos nomes foram tão importantes e necessários quanto o Planet Hemp, abrindo a mente de diversas gerações e colocando em discussão, sem medo, pautas que seguem relevantes e atuais. Mesmo tendo seu último show da turnê marcado para o dia 13 de dezembro, no Rio de Janeiro, já é seguro dizer: que falta faz o Planet Hemp.
Planet Hemp – Allianz Parque (São Paulo) – Turnê A Última Ponta 15/11/2025
01 – Dig Dig Dig (Hempa)
02 – Ex-quadrilha da fumaça / Fazendo a cabeça
03 – Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga
04 – Distopia
05 – Taca fogo
06 – Mary Jane / Phunky Buddha
07 – Planet Hemp
08 – Legalize já
09 – Não compre, plante!
10 – Jardineiro
11 – Queimando tudo
12 – Onda forte
13 – Nunca tenha medo
14 – AmarElo (Emicida cover)
15 – Biruta
16 – Cadê o isqueiro? / Quem tem seda? / Pilotando o bonde da excursão
17 – Puxa fumo
18 – Adoled (The Ocean)
19 – Salve, Kalunga
20 – Gorilla Grip
21 – O bicho tá pegando
22 – Mão na cabeça
23 – Não vamos desistir
24 – Stab
25 – Procedência C.D.
26 – Admirável chip novo (Pitty cover)
27 – Teto de vidro (Pitty cover)
28 – 100% Hardcore / Deixa a gira girá
29 – Zerovinteum
30 – Hip Hop Rio
31 – Samba makossa / Monólogo ao pé do ouvido (Nação Zumbi cover)
32 – A culpa é de quem?
33 – Contexto
34 – Queimando tudo
Encore:
35 – Deisdazseis
36 – Crise geral (Ratos de Porão cover)
37 – Mantenha o respeito























