Prestes a lançar seu décimo álbum de inéditas, o vocalista Andrea Ferro, do Lacuna Coil, nos concedeu entrevista exclusiva, onde fala sobre os shows no Brasil e o novo disco.

Andrea também falou sobre a cena Heavy Metal no Brasil e na Itália, mostrando a força dessas duas potências mundiais no gênero, além de nos contar histórias legais sobre as vindas da banda ao país. Confira aí com a gente essa conversa: 

Fernando Queiroz: No próximo mês vocês vão lançar o novo álbum, o Sleepless Empire. Poderia nos contar um pouco de como foi o processo de produção e criação do álbum, e como o processo diferiu do anterior?

Andrea Ferro: Bem, estávamos vindo da pandemia, e durante aqueles dois anos de ‘lockdown’ nós nos sentimos bem rasos, sem muitas ideias e sem criatividade, acho que porque nunca tínhamos ficado em casa por tanto tempo, em muitos anos. Na verdade nós até gostamos de ficar um tempo em casa, estar bastante tempo com a família, mas criativamente não foi bom, já que sempre pegamos inspiração em viagens, em conhecer outras pessoas, ouvir bandas diferentes, coisas novas. E dessa vez não tínhamos nenhuma história para contar, além daquela coisa toda de ficar em casa, mas nós realmente não queríamos falar sobre a pandemia no álbum. Então demorou um bom tempo para recomeçarmos com isso. Fizemos o ‘remake’ do Comalies (Comalies XX, 2022), começamos a apenas celebrar o vigésimo aniversário do original, e também para voltarmos a trabalhar juntos em estúdio sem a pressão de um novo álbum inteiro. Demorou um pouco para focarmos e achar o título. Porque geralmente, quando o Marco (Coti Zelati), nosso baixista e nosso principal compositor, começa a escrever a música, nós damos um título e uma imagem para que ele consiga enxergar, colocar na frente dele e começar a ter aquele fluxo de inspiração. E foi difícil, lutamos bastante para finalmente achar essa imagem, mas quando encontramos, e aí começamos a colocar tudo em andamento. Mas demorou bastante, muito mais que o normal. Por um lado também não é tão ruim, já que quando você está ativo por tanto tempo, já tem uma porção de álbuns gravados, é bom tomar um tempo entre eles. Não é bom ter a obrigação de ir lá todo ano e gravar um novo. Acho que é bom fazer quando você realmente tem a certeza que é o momento certo para isso. Para que você realmente tenha histórias a contar no que for gravar. 

Fernando: A ideia de ter o Randy Blythe do Lamb Of God foi bem interessante. Um vocalista bem diferente, de um estilo bem distinto. Como surgiu a ideia da participação dele, como chegaram ao nome dele?

Andrea: Nós já conhecemos o Randy desde 2004, quando fizemos o Ozzfest nos Estados Unidos. Depois fizemos turnês juntos algumas vezes ao longo dos anos, na Austrália, na América do Sul, tocamos juntos em vários festivais na Europa. Então acabamos sendo bem amigos já há um bom tempo. E ele sempre foi um fã do Lacuna Coil, assim como nós sempre fomos fãs do Lamb Of God, fizemos muitas coisas juntos, até pessoalmente. Algumas vezes, quando ele termina uma turnê pela Europa, vem até Milão, e damos alguns ‘rolês’ juntos, jantamos, vemos exibições de arte e fotografia. Acabou que ele foi uma escolha natural para nós, até por termos uma música que os vocais dele casavam bastante. E ele fez um trabalho ótimo. Fez bem rápido, inclusive. Foi uma escolha bem óbvia para nós, mesmo ele sendo de um estilo um pouco diferente do que fazemos. Então foi bem fácil escolher ele para isso. E foi bem legal, pois foi a primeira vez que fizemos algo com algum convidado em um álbum. Nunca tínhamos feito algo assim. Quer dizer, já temos dois vocais na banda, então fizemos algumas músicas diferentes aqui e ali para tentar isso, e realmente adoramos o resultado da canção que saiu.

Fernando: Vocês estão agora com o Daniele Salomone na guitarra, desde 2024. Como tem sido a dinâmica da banda com ele no palco e em turnê? mudou algo em relação a como era antes?

Andrea: Sim, na verdade ele fez por enquanto apenas uma turnê conosco, no Reino Unido. Ele ainda não é um membro permanente da banda, na verdade. Quer dizer, estamos tentando, vendo como rola a coisa. Ele é um cara muito legal, nós adoramos ele, adoramos o jeito como ele toca e trabalha. Ele é um cara de estúdio, tem um estúdio bem legal nas montanhas próximo aos Alpes, tem seus próprios trabalhos de produção, tem também sua própria banda. Claro, ele é o maior candidato, até o momento, para entrar de vez na banda, e adoramos trabalhar com ele, pois ele entende muito de equipamentos, de mixagem, masterização, da engenharia de som em geral, não apenas tocar. Pedimos ajuda a ele, pois precisávamos de algumas partes de guitarra em estúdio, e apesar dele não ter realmente participado das composições, ele gravou algumas partes do álbum, alguns solos também. Ele está se saindo muito bem. Com certeza não tem tanta experiência em turnês, pelo menos não tanto quanto nós, por isso o chamamos para tocar com a gente, ver se ele gosta mesmo dessa coisa de pegar a estrada, se está confortável em ficar longe de casa por um longo tempo, então não apenas nós precisamos de tempo para ver como funciona com ele, mas ele mesmo também precisa para entender se é o que ele quer. Não estamos com pressa, vamos dizer assim. Estamos nos dando muito bem profissionalmente, e também pessoalmente, mas não estamos com pressa para oficializar ele.

Fernando: O último show do Lacuna Coil no Brasil foi em um grande festival, com milhares de pessoas, e agora, esse ano, farão em um lugar fechado, mais intimista. Muitas pessoas aqui no Brasil ano passado viram o Lacuna Coil pela primeira vez. O que você poderia dizer que essas pessoas podem esperar de diferente na experiência do show do ano passado, em um festival, para o desse ano?

Andrea: Ah, vai ser bem diferente! Em um festival, tudo tem a ver com o impacto. As caixas de som enormes, tentar animar todas aquelas pessoas, fazer com que elas cantem com você, tem toda aquela coisa de troca de energia de público e banda, mesmo com uma qualidade de som não tão boa. Pois, claro, você não tem o tempo de deixar tudo perfeito, de testar direito os monitores, você só vai, liga os equipamentos e toca, vai ajustando durante o show mesmo. Mas foi incrível tocar lá, mesmo que estivesse extremamente quente (risos)! Nem sei como todo mundo sobreviveu o dia todo lá debaixo daquele sol (risos)! Claro, não tivemos todos os efeitos visuais que gostaríamos, já que era durante o dia, mas achamos a troca de energia com o público fantástica. Já os shows que vamos tocar agora nessa turnê, em locais fechados, óbvio que vai ser um setlist muito maior, vamos tocar músicas do novo álbum, e também os grandes clássicos do Lacuna Coil, como “Heaven’s A Lie”, “Our Truth”, todas essas clássicas que o pessoal ama. Vamos também tocar músicas mais antigas, que não tocamos há bastante tempo ao vivo. Vai ser um show mais completo, teremos todo o tempo para ajustar direito o som, com as luzes todas. Então vão ser shows mais intimistas, mas com maior qualidade técnica. Então para as pessoas que estavam no festival, e vão nos ver de novo nos shows agora, vai valer a pena.

Lacuna Coil ao vivo no Summer Breeze Brasil 2024. Foto: Gustavo Diakov

Fernando: Bem, o Brasil e a Itália têm muitas similaridades em termos culturais, e também em heavy metal. Ambos com diversas bandas excelentes, e muitas subestimadas, mas não para por aí. inclusive, um italiano, Fabio Lione, canta em uma das maiores bandas daqui, o Angra! Bem, dito isso, qual sua opinião, se alguma, da cena heavy metal na Itália e no Brasil?

Andrea: Concordo totalmente. O Brasil e a Itália têm bastante em comum. Eu diria que boa parte da América do Sul tem bastante em comum com a Itália. Claro, o Brasil é diferente da Argentina, que é diferente do Chile, e por aí vai, mas no geral, no estilo de vida, no gosto das pessoas, é bem mais parecido com os países latinos da Europa, como Espanha, Itália, ou Portugal, e até mesmo a Grécia. E em termos de Heavy Metal, temos grandes clássicos na Itália, dentro do Power Metal, Speed Metal, Progressivo, assim como por aí. Acho que a Itália tem uma cena um pouco mais recente, inclusive, em se tratando de bandas com, vamos dizer, mais consistência. No passado nós tínhamos algumas bandas aqui e ali que mandaram muito bem em um álbum, ou durante alguns anos, mas que nunca conseguiram ter uma presença constante no mercado, e acho que nós, junto com o Rhapsody, fomos os primeiros a conseguir ficar muito tempo no mercado, com constância, criando um nome internacional para o metal italiano. E acho que é bem parecido com o Brasil. Vocês têm o Sepultura, que todos conhecem, e daí veio o Angra, que cresceu mais ou menos ao mesmo tempo que nós, mas acho que em ambos os casos, são locais que estão, pouco a pouco, estabilizando uma credibilidade maior até hoje. Vocês agora também com o Nervosa, e na Itália temos o Fleshgod Apocalypse. É algo mais recente, se compararmos com a Alemanha, o Reino Unido, ou a Escandinávia, além dos Estados Unidos, países que estão aí com uma cena enorme desde os anos oitenta, ou até antes com bandas de Rock e Hard Rock, que se estabeleceram muito cedo ao redor do mundo. Só pensarmos em bandas alemãs, como o Scorpions, Kreator, Helloween, Rammstein, que já estão firmes e fortes há muito, muito tempo. A Itália e a América do Sul são mais recentes nesse ponto. Podemos citar também a França agora com o Gojira, que ficou muito grande nos últimos anos. Então somos todos uma cena um pouco mais nova, e leva um tempo maior para termos a credibilidade plena que outros lugares têm internacionalmente falando. Mas, por exemplo, eu venho do Skate. Eu e o Marco andávamos de Skate juntos quando começamos a banda, e o Brasil hoje é enorme nisso! Os maiores skatistas hoje são do Brasil, até mais que dos Estados Unidos, onde essa cultura toda começou. Então acho que com a nova mídia hoje em dia, fica mais fácil para as pessoas que são de países que não estavam exatamente em evidência antes para se tornarem grandes. Essa é a parte boa da internet, sabe? Tem a parte ruim, que é esse fluxo tão intenso de informações e bandas por aí, que fica difícil acompanhar, e selecionar o que é bom, e o que é só ‘mais uma’, mas por outro lado é mais fácil ter o acesso. Quando nós ficamos um pouco mais famosos, com álbuns como o Comalies, ou o Karmacode, foi por causa da mídia tradicional, como revistas, a MTV, e hoje em dia é completamente diferente. Essas mídias mal existem mais hoje em dia, tudo migrou para o YouTube, Spotify, Apple Music. E isso tornou as coisas tão saturadas, que é difícil para as pessoas selecionarem, mas tem mais oportunidades também, mesmo se você é do Brasil, ou se é da Itália, você não está mais no “terceiro mundo da música”, você tem agora a oportunidade de fazer seu nome por aí. 

Fernando: E poderia nos dizer alguma história de vocês no Brasil, depois de terem vindo tantas vezes para cá, e ter tantas experiências com o público brasileiro? Alguma coisa engraçada, ou curiosa que aconteceu com vocês na América do Sul ou coisa assim?

Andrea: Nossa, sim! Tivemos realmente momentos bem engraçados, divertidos na América do Sul. Porém, uma particularidade das turnês aí é que o cronograma é sempre muito fechado, muito estrito, já que você tem que pegar avião de um lugar para o outro, então temos menos tempo para diversão. Em turnês na Europa e América do Norte, quando você termina um show, vai para o ônibus, acaba parando para tomar alguma coisa em algum boteco local, mas por aí você tem que guardar um pouco de energia por conta desse cronograma mais complicado, você precisa se preservar mais. A gente tem menos tempo para fazer coisas legais aí. Mas sempre tem a parte legal. Adoro quando temos tempo de sair com o pessoal daí, dar ‘rolês’ por aí em dias de pausa, pois não os vemos com tanta frequência. Então é muito legal quando nos encontramos com a galera na frente do hotel, ou eles vêm nos ver no aeroporto. O pessoal aí sempre nos traz presentes, que nem sabemos onde colocar (risos), já que você está todo confuso, tem que andar de país em país, cruzar a fronteira e tudo, e tem comida que você não pode levar. Mas é sempre legal! E, nossa, comemos muita carne por aí. E nós comemos carne, mas por aí é realmente muita carne (risos). Mas no geral é sempre muito legal turnês pela América do Sul. Especialmente no Brasil! Eu lembro bem de uma vez que nos levaram a uma churrascaria, e eles tinham um bar móvel. O cara estava fazendo caipirinhas para nós, e era muitas pessoas – nós, a equipe, o produtor dos shows, pessoal todo. E nós ficávamos pedindo caipirinhas uma atrás da outra, e uma hora o barman falou “gente, eu preciso ir, tenho que atender os outros clientes!”, de tanto que pedimos, pois não tínhamos show no dia seguinte, pudemos ficar bêbados a noite toda com as caipirinhas (risos)! Chegou realmente a hora que ele falou “gente, preciso ir embora, preciso atender os outros.” (risos). Foi genial!

Fernando: No Sleepless Empire eu pude notar uma certa volta às origens, em alguns pontos, no clima das músicas. Isso veio naturalmente, ou vocês quiseram fazer isso?

Andrea: Acho que tivemos uma grande inspiração para isso quando trabalhávamos no Comalies XX, por que ao fazer isso nós, especialmente o Marco, voltamos a ouvir bastante o Comalies original. Ouviu bastante os teclados, e o jeito que nós fazíamos os arranjos naquela época, e creio que inconscientemente isso o inspirou a colocar um pouco daquela atmosfera, com os instrumentos de cordas, os violinos. Então acho que se você for descrever esse álbum para alguém que conheça o Lacuna Coil, eu diria que é uma mistura do Black Anima(2019) com o Comalies, tanto o original quanto o remake. Mas no fim, foi só o jeito normal que a gente trabalha que fez sair assim. Acho que as letras saíram bem sombrias também. Mas foi natural. Quero dizer, é difícil planejar isso. Muitas pessoas nos falam “por que vocês não apenas repetem o Comalies, já que foi um grande sucesso?”, e nós poderíamos, depois dele, ter feito um Comalies 2, 3, apenas mudando o nome, mas não somos assim. Alguns artistas preferem ficar em um tipo de som e ir sempre aperfeiçoando, e isso é ótimo, mas nós preferimos ir nos moldando, sempre mudando um pouco, e ir inovando.

Fernando: Agora, só uma última pergunta. Você de alguns anos em diante foi mais para o lado dos vocais guturais em vez de limpos ou rasgados. Como e por que foi a decisão de fazer isso?

Resposta: Acho que nós apenas seguimos a tendência de para onde a nossa música estava indo. Na época do Delirium foi quando tivemos a mudança da formação clássica do Lacuna Coil, com novos músicos conosco, então especialmente o Marco pensou, quando começou a compor naquela época, que poderíamos tentar coisas diferentes, pois com novos músicos, poderíamos ir para um caminho um pouco diferente, por conta do estilo diferente deles, colocar bumbos duplos e mais velocidade, coisas assim. Nós gostamos do jeito que saiu, e o público aceitou muito bem isso, e percebeu que fazíamos porque gostamos, não por querer agradar alguém. Foi bem natural. E eu acho que como a Cristina (Scabbia) já faz muitas partes limpas, então eu continuar também fazendo muitos limpos talvez não estivesse complementando tanto nas novas músicas. Mas isso não quer dizer que nunca vamos voltar a fazer como antes, comigo fazendo limpos, ou um pouco mais rasgados, depende muito da música. Eu tenho tentado desenvolver e evoluir nisso, e acho que estou fazendo um bom trabalho até agora. Acho que consigo ter personalidade. Você ouve o gutural, mas não é um gutural genérico, é algo que você reconhece que sou eu ali. Eu gosto assim. Mas se tivermos uma música que se encaixe melhor com vocais limpos meus, nós vamos fazer. 

Fernando: Bom, muito obrigado Andrea, pelo seu tempo e sua disponibilidade. Foi um prazer imenso!

Andrea: Igualmente, o prazer foi meu. Vejo você aí no Brasil em Março!

Lembrando que o Lacuna Coil vem ao Brasil para quatro shows em diversas cidades! Confiram aí:

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About Gustavo Diakov

Idealizador disso aqui, Fotógrafo, Ex estudante de Economia, fã de música, principalmente Doom/Gothic/Symphonic/Black metal, mas as vezes escuto John Coltrane e Sampa Crew.

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