Nova-iorquinos fizeram uma apresentação enérgica em meio a diversos nomes da cena nacional do hardcore e do straight-edge
Por Daniel Agapito
Fotos: Allan Fernandes, Daniel Agapito, Erivan Silva
Sitting round at home?
Quase 10 anos após sua última vinda ao país verde-amarelo, as lendas do hardcore nova-iorquino, Gorilla Biscuits, passavam pelo Fabrique Club para um show único em terras tupiniquins. Conhecidos por serem um dos grandes expoentes do chamado “Youth Crew”, subgênero do punk caracterizado por sua visão otimista, a banda, trazida pela recém-estabelecida New Direction Productions, que leva o nome da primeira faixa de seu clássico segundo álbum, Start Today, contaria também com os talentos de diversos nomes do hardcore mundial. Apesar da grande quantidade de bandas de abertura e horário relativamente cedo para uma sexta-feira, os ingressos esgotaram no dia do show, um sinal que aquela noite entraria para a história.
Antes mesmo da casa abrir, os bares nos arredores do Fabrique estavam movimentados, os vendedores de merchandise “alternativo” já estavam a postos e o hardcore comia solto pelas ruas. Mesmo assim, ainda tinha muito chão até os headliners, então muitos optaram por ficar pelos bares mesmo, entrando só depois.
Uma verdadeira celebração do hardcore nacional
Foto: Daniel Agapito
A banda encarregada de iniciar os serviços da noite foi a Freak Fur, quarteto de hardcore da zona leste da capital paulistana. Por conta do horário que subiram no palco, apenas 20 minutos após a abertura das portas, não foram muitos os que viram o início de sua performance breve, que durou pouco mais de 20 minutos. Por mais que seu repertório tenha sido breve, estavam extremamente animados no palco, agradecendo diversas vezes o público que veio mais cedo para prestigiá-los. De acordo com o vocalista, o show foi dedicado ao Pit Passarell, membro-fundador, baixista e ex-vocalista do Viper, que faleceu por conta de um câncer no pâncreas na manhã daquela sexta-feira.
Foto: Allan Santos
Com o relógio se aproximando das 19:00, começava o show da Strong Reaction, banda de hardcore de Americana, consequência direta do show do Gorilla Biscuits em 2014, disse o vocalista. Apresentaram um hardcore forte, rápido, agressivo e sem massagem. Foi outro show rápido, novamente na casa dos 20 minutos, mas agora com mais público, subsequentemente, foi mais animado. Em sua última música, um cover de Fade Up, do grande Judge, a galera já começou a se animar, dando indícios de um mosh pit and com alguns fãs já quase subindo no palco para cantar com o vocalista; aos poucos, a coisa foi esquentando. Os agradecimentos aos que compareceram foram diversos, com o vocalista dizendo diversas vezes que sabia que show cedo em uma sexta-feira era “foda”, especialmente perto do horário de pico. De toda forma, foi um ótimo aquecimento para a noite de festa que viria pela frente.
Foto: Allan Santos
O terceiro show da noite seria um momento agridoce para a cena do hardcore paulista, o penúltimo show da veterana Good Intentions, um dos pilares do straight-edge do estado, formada em 1999. Logo de cara, o pique já era outro, o público cantava, junto de André Vieland e a beira do palco era dominada por um moshpit vertiginoso. No final de Convicto, foi visto o primeiro mosh da noite, que acabou quase levando o vocalista junto, com ele reagindo: “pô, não me derruba não, [ser] gordinho é foda… tenho que trampar amanhã”. Be For Yourself, hino da banda que aborda homofobia, veganismo, foi a trilha de mais moshs, e muito caos controlado, marca registrada do estilo.
Foto: Daniel Agapito
Caminho Traçado contou com a participação de Lucas Sfair, colaborador de longa data do grupo. As últimas músicas, Marque Essas Palavras, Vida Simples e My Truth foram certamente os momentos mais enérgicos da noite até então, com os pits seguindo ativos, muitos fãs subindo no palco para cantar junto, os refrãos sendo ecoados a plenos pulmões.
Foto: Allan Santos
Com o Paura (banda não muito straight edge), o clima de festa reinou desde cedo. Assim que subiram no palco, o aniversariante do dia, Fábio Prandini (que desta vez não estava vestido com seu chapéu icônico, quem sabe sabe), também vocalista do grupo, pegou um saco de balas de iogurte e simplesmente começou a jogar doces para o público. A festa ficaria muito mais agressiva, entretanto, com Urban Decay, que iniciou a noite, seguida de Karmic Punishment, faixa-título de seu último álbum e N.W.A. (Never Walk Alone). Terminando Truth Hits Hard, Prandini brincou com o técnico de som e decidiu soltar umas verdades que batem forte, pedindo para que tirassem as guitarras dos monitores de retorno: “tô cagando pros guitarristas”. Revelou também que era seu aniversário, os fãs carinhosamente cantaram parabéns, e o sempre carismático vocalista mandou-os “se foderem”, arrancando diversas risadas.
Foto: Allan Santos
Continuaram a brutalidade com No Hard Feelings? Fuck You!, com o público pulando, correndo, cantando, se acabando. Uma surpresa no repertório foi In the Desert of Ignorance, cartão de visita do super-subestimado Youkillusweovercome de 2005, que estava disponível em formato de vinil naquela noite. Os fãs tiveram direito à dobradinha animal de Level of Maturity e Sailing On, seguida da brutalíssima The City is Ours, também do novo. Sua performance foi fechada por Time Heals No Wounds, com uma participação especial de Felippe Max, ex-membro da banda dividindo os vocais com Prandini, assim como na versão de estúdio.
Values Here – do you know why?
Fotos: Allan Santos
Após o Paura veio o Values Here, novo projeto do lendário John Procell, guitarrista de grupos como Shelter, Youth of Today e Judge. Liderados por Chui, vocalista espanhola, fazem um hardcore diferenciado, com um forte toque do pop, um som muito diferente de todo o resto que havia rolado até então. Inicialmente, o público não ficou tão cativado assim, apesar do carisma aparente da vocalista, que até soltou aquele famigerado “boa noite São Paulo” que não pode faltar em show de banda gringa.
Certamente não faltou energia, não faltou qualidade de som, mas a resposta morna dos fãs pode ter acontecido pela diferença sonora entre o Values Here e as outras bandas. O Values é hardcore, com certeza, mas comparado ao Paura, por exemplo, é como se fosse hardcore em letra minúscula; apesar de muito boa, uma Bring Me the PMA não é tão “moshável” quanto uma Karmic Punishment. Acertaram na banda, mas erraram no horário.
À medida que o tempo passava, o público ia se adaptando mais ao som, com We Get Stronger e a ironicamente chiclete I Will Forget the ocasionando palmas em conjunto e alguns pulos, pequenos indícios de moshpits. Falar do final do show.Earthlings e a mais tradicionalmente “hard” No One’s Left Behind foram as últimas autorais de seu repertório, que foi concluído com um cover enérgico da Young ‘Til I Die do 7seconds, com uma participação especial do Walter Schreifels do Gorilla Biscuits.
Enfim, Gorilla Biscuits – time flies
Fotos: Erivan Silva
Os headliners subiram no palco até que de forma pontual, apenas 5 minutos após seu horário marcado, feito que merece ser parabenizado, pois shows com muitas bandas tem tudo para atrasarem. Antes do show começar de fato, um dos donos da NDP assumiu o microfone brevemente para soltar alguns agradecimentos. Tudo que eu falei da energia dos shows ser diferenciada, esquece. O começo do Gorilla Biscuits fez o Paura parecer banda de doom metal. Começaram com tudo com New Direction logo de cara; o cara com o trompete não precisou nem tocar, foi só aparecer no canto do palco que a galera já enlouqueceu. Como se já não tivessem infartado grande parte dos fãs com o início muito calmo, ainda emendaram Stand Still direto, sem tempo nem para respirar.
Depois de um discurso breve sobre a união da cena hardcore, Anthony Civarelli, o lendário vocalista, o Civ, anunciou Degradation, que seguiu direto para Forgotten que foi para Things We Say. Era música atrás de música atrás de música, sem nem pensar em parar; um ritmo absurdo. Os moshs estavam insanos, tinha quase mais gente em cima do palco do que na pista. Os fãs realmente estavam fazendo tudo certo, com respeito, subindo e pulando direto. High Hopes foi prefaciada com um breve comentário de Civ, que dedicou a faixa à “todos que acordam cedo e trabalham duro para garantir um futuro melhor para seus filhos, suas esposas, seus maridos. Lembrem-se que essa vida irá testá-los”.
Brincando com o público, o vocalista percebeu que um fã perdeu um sapato e perguntou aos fãs, “perderam um sapato?” Após o detentor do sapato jogá-lo no palco, Civ fingiu que ia colocar e “reclamou” do tamanho, dizendo ser muito pequeno. O dono real do calçado estava do outro lado da casa, mas eventualmente foi unido novamente com seu querido “pisante”. Durante a motivadora Big Mouth, quem não estava na roda estaria na roda, pois a bagunça foi consumindo a pista aos poucos, crescendo e crescendo; não queria ir para a roda, ela chegava em você.
O “poder do biscoito” (Biscuit Power) foi dedicado aos “dançarinos”, aqueles que estavam dando tudo de si nos moshs, nas rodas. Como se o clima já não estivesse lá no alto, seguiram com a clássica Hold Your Ground, “para quem ainda acredita nas coisas que acreditava aos 16 anos”. Mostrando a real diversidade da cena hardcore, durante Do Something, um senhor de idade, por volta de uns 70 anos (coincidentemente Marcelo Losito, pai de Tony Losito, baterista do Paura) deu um mosh de cima do palco, tendo seus esforços reconhecidos pelo vocalista.
Incendiaram o fabrique com um cover de Minor Threat (originalmente do Minor Threat, acredite se quiser), com o vocalista encorajando quem sabia cantar a subir no palco e cantar junto. Justificou o cover falando que “não tinham muitas músicas”. Seguiram com Time Flies e Civ falou para aproveitar a noite, porque o tempo voa, e realmente, já havia passado mais da metade do show, mas não parecia.
Civ disse que no dia anterior foram jantar num restaurante vegano chamado Pop. Ele estava muito feliz que agora a cidade de São Paulo tinha muitas opções de restaurantes veganos, alegando que há 20 anos só tinha churrasco, parabenizando aqueles que estão mudando as coisas. Dedicaram Cats and Dogs aos veganos. O microfone do vocalista falhou bonito na hora que começaram, mas a galera cantou tão alto que – de verdade – mal dava para perceber.
Mostrando uma honestidade avassaladora, declararam: “somos uma banda de hardcore. Não fazemos bis porque são estúpidos, nos perdoem. Essa será nossa última música da noite. Depois disso vão voltar para suas casas e aqueles que não cantaram nem dançaram vão ficar com peso na consciência, então se não fizeram isso, comece agora”, transicionando para Start Today, que realmente fechou a noite com chave de ouro. Tantos fãs subiram no palco que Civ teve que achar um canto para ficar quieto e cantar, o resto do palco estava todo invadido, veja:
Conclusões finais
Sexta-feira dia 27 de setembro foi uma grande festa em prol do hardcore, com foco no straight-edge. Disso não há dúvida. Dos shows curtos, porém efetivos da Freak Fur e Strong Reaction às performances memoráveis do Good Intentions e do Paura aos gringos do Gorilla Biscuits e Values Here mostrando sua força, essa noite certamente entrará para a história. O som estava ótimo, as trocas de palco foram rápidas e com atrasos mínimos, tudo majoritariamente perfeito. A única reclamação justa que pode ser feita é em relação à quantidade de bandas. Por um lado, faz total sentido colocar a maior quantidade de bandas possível, teoricamente é bom para fortalecer a cena, mas em uma sexta-feira, 6 da tarde em São Paulo, acaba sendo ruim para os fãs, que tem que se desdobrar para chegar correndo na casa e ruim para as bandas que fazem shows para um público menor do que poderiam fazer. A sequência dos grupos também acabou afetando bastante a percepção do público em relação ao Values Here, que fez uma performance muito boa, mas não manteve a energia do Paura – até porque essa não é a proposta do grupo, que apresenta um som mais comercial, acessível, mais voltado ao pop. No geral, foi uma noite ótima. Cansativa, mas tudo valeu a pena.
Também vale ressaltar que dava para perceber claramente que todas as bandas, todos os membros da equipe tinham um amor genuíno pelo Gorilla; o Strong Reaction foi formado após o último show deles por aqui, o Good Intentions leva o nome de uma música deles e a própria produtora leva o nome de outra. É difícil achar produtoras com uma paixão real pelas bandas que trazem, mas a New Direction é exatamente isso.
Freak Fur – setlist:
Look At Me
Tomorrow Never Die
Second Time
Cancer From Humanity
Go
The Sun Shines Like Hell
The Shining Star
Clear Vision Society
Time VS Life
Foto: Daniel Agapito
Strong Reaction – setlist:
Iron Eagle
Personification
Outcast
Class War
Caught in the Web
New Park Age
Truth
Trapped
Money
Fade Up (originalmente do Judge)
Foto: Daniel Agapito
Good Intentions – setlist:
Combustível
Até o Fim XXX
Convicto
Fase que Não Passa
Be For Yourself
Faça Por Você
Nada Para Esconder
Caminho Traçado
Marque Essas Palavras
Vida Simples
My Truth XXX
Foto: Daniel Agapito
Paura – setlist:
Urban Decay
Karmic Punishment
N.W.A. (Never Walk Alone)
Truth Hits Hard
No Hard Feelings? Fuck You!
In the Desert of Ignorance
Level of Maturity
Sailing On
The City is Ours
Time Heals No Wounds
Foto: Daniel Agapito
Values Here – setlist:
Will Be Tomorrow
It’s Your Business Not Mine
Do You Know Why?
Bring Me the PMA
Don’t Dig it Up
We Get Stronger
I Will Forget
Earthlings
No One’s Left Behind
Young ´’Til I Die (originalmente do 7seconds)
Foto: Daniel Agapito
Gorilla Biscuits – setlist:
New Direction
Stand Still
Degradation
Forgotten
Things We Say
High Hopes
Good Intentions
Big Mouth
No Reason Why
Sitting Round At Home
Biscuit Power
Hold Your Ground
Do Something
Minor Threat (originalmente do Minor Threat)
Time Flies
Breaking Free
Cats and Dogs
As One (originalmente do Warzone)
Start Today
Foto: Daniel Agapito