Texto por Guilmer (guilmer_metal) e Fotos: Gabriel Ramos (@gabrieluizramos) em cobertura para o site igormiranda.com.br
O Deus da guitarra, Eric Clapton, retorna ao Brasil após 11 anos com sua turnê para celebrar 60 anos de carreira, sendo esta a sua quarta passagem por aqui (1990, 2001 e 2011). A apresentação foi uma das quatro da turnê pelo Brasil em 2024. Clapton já havia se apresentado em Curitiba, no dia 24, e no Rio de Janeiro, no dia 26. No domingo, dia 29, ainda marcou show para o Allianz Parque, todos esgotados.
O Vibra São Paulo, com capacidade para 7 mil pessoas, contra os quase 50 mil que cabem no Allianz Parque, prometia ser mais intimista.
GARY CLARK JR. – Tocando blues com a alma em seus dedos
Às 19:30 em ponto, o guitarrista norte-americano Gary Clark Jr. trouxe seu blues-rock de alta qualidade como show de abertura. Estas serão as primeiras apresentações de Eric no país em mais de uma década: a última passagem do artista por aqui aconteceu em 2011, quando ele fez dois shows no Rio de Janeiro, uma apresentação em São Paulo e outra em Porto Alegre. Anteriormente, o artista já havia estado no Brasil em 1990 e em 2001.
Gary, nascido em Austin, Texas, mescla blues, rock e soul com elementos de hip hop em sua música. Clark já dividiu o palco com nomes como Eric Clapton, Sir Rod Stewart, Tom Petty and the Heartbreakers, B.B. King e os Rolling Stones, entre outros. Muitos têm comparado o artista com Jimi Hendrix, e de fato ele tem muita influência do maior guitarrista que já pisou neste planeta.
Em 2011, Clark assinou com a Warner Bros Records e lançou o EP “The Bright Lights”. Isso foi seguido pelos álbuns “Blak and Blue” (2012) e “The Story of Sonny Boy Slim” (2015). Em 2014, Clark recebeu um Grammy de Melhor Performance de R&B Tradicional pela música “Please Come Home”. Seu álbum mais recente, “This Land”, foi lançado em 2019. Em 2020, ele ganhou o Grammy de “Melhor Canção de Rock” e “Melhor Performance de Rock” pela música “This Land” desse álbum.
O set foi curto, mas bem impactante, passando pelos sucessos “Maktub”, “When My Train Pulls In”, “Bright Lights” e o espetacular “Habits”. As músicas ao vivo quase se tornaram uma espécie de jam, fazendo de todos os sons versões estendidas e, em certos momentos, improvisadas de suas próprias músicas. Aqui não é apenas Gary que se destaca; a banda toda também é ótima. A química entre eles é nítida e isso faz toda a diferença. Para tocar blues e soul, é preciso sentir a música antes de tocá-la. Gary conquistou o público; ele toca com a alma nos dedos e isso, hoje em dia, é raro de se ver, uma ótima escolha de abertura, mais um acerto de Clapton.
Clapton is God
Em meio a um Vibra lotado, aquele que um dia já foi chamado de “Deus”, hoje com 79 anos, ainda mostrou que tem muita lenha pra queimar. O show foi dividido em partes que alternavam entre elétrico e acústico, com 17 músicas e quase duas horas de uma aula de guitarra. Clapton deixou os fãs emocionados a cada nota tocada.
Sem dar ao menos boa noite, Clapton já chegou pegando sua guitarra. A primeira parte contou com o formato elétrico; as clássicas “Sunshine of Your Love”, “Key to the Highway”, “Hoochie Coochie Man” e “Badge” mostraram Clapton e sua banda de músicos talentosos num entrosamento gigantesco. Duas músicas são da sua antiga banda, Cream, e dois covers, um de Charles Segar e outro de Willie Dixon. Os solos eram tocados com maestria, deixando os fãs de carteirinha hipnotizados e emocionados por estarem presenciando aquela aula de guitarra.
Depois de “Badge”, do Cream, a banda entrou no formato acústico. Clapton começou com o cover de uma de suas maiores influências, Robert Johnson; a faixa “Kind Hearted Woman Blues” foi tocada só com voz e violão, sob uma luz acima dele. Isso me fez sentir como se estivesse em um bar na década de 40, tomando meu whisky e sofrendo por um amor qualquer. As três faixas seguintes deste período do show (“Lonely Stranger”, “Believe in Life” e “Tears in Heaven”) contaram com a participação especial do músico brasileiro Daniel Santiago. O guitarrista de Brasília colaborou no último disco de Clapton e lançou um álbum apenas de covers do ídolo no meio de setembro; o rapaz estava nitidamente feliz e nos fez ter orgulho de ser brasileiro, uma baita responsa.
Era hora do maior sucesso de Clapton, “Tears in Heaven”, que ele compôs após a morte de seu filho, Conor, de 4 anos, em 1991, após uma queda da janela de um edifício. A música emocionou o público, que cantou junto do início ao fim, num belo momento no Vibra São Paulo, com direito a marmanjo chorando ao meu lado. Após o final do formato acústico, Clapton soltou um tímido sorriso e um “obrigado”, atitude rara do guitarrista.
Após “Tears in Heaven”, o formato tradicional foi mantido até o final. “Got to Get Better in a Little While”, “Old Love”, “Crossroads Blues” e “Little Queen of Spades” caíram como uma luva na parte final da apresentação, com um entrosamento impecável dos músicos e Clapton no comando. A fúriosa “Old Love” teve seu destaque no solo que Clapton fez com maestria, um dos solos mais bonitos de sua carreira, que ao vivo se tornou muito melhor do que na gravação.
Chegando na parte final, não podia faltar seu hit absoluto, “Cocaine”, com quase 8 minutos de duração, fazendo dos presentes sortudos e privilegiados por estarem vivenciando aquele momento. O músico havia prometido nunca mais tocar “Cocaine” ao vivo. Em sua autobiografia, ele contou que o vício em drogas quase arruinou sua vida e, se antes via essa música como uma ode à droga, agora passou a enxergá-la como um libelo anti-drogas.
A banda momentaneamente saiu do palco e retornou para o bis com a faixa “Before You Accuse Me”, desta vez com as presenças de Daniel Santiago e Gary Clark Jr.
Para encerrar o show, Clapton executou essa música com uma guitarra personalizada com as cores da bandeira da Palestina, um gigantesco momento de esperança para um astro que chegou a dar algumas vaciladas recentemente, como quando chegou a colocar em dúvida a eficácia das vacinas contra a COVID-19 e criticar o isolamento social no período crítico da pandemia. Não esquecemos disso, viu, senhor Clapton?
Novamente muito aplaudidos, os músicos se despediram de um público que ainda chegou a pedir, sem ser correspondido, o clássico “Layla”.
Na noite de sábado, presenciei o rock bem na minha frente. Existe o rock antes e depois de Clapton, e nessa noite tive o privilégio de presenciar um Deus diante dos homens. Obrigado por tudo, Clapton.
Confira o setlist:
1. Sunshine of Your Love
2. Key to the Highway
3. Hoochie Coochie Man
4. Badge
5. Kind Hearted Woman Blues
6. Running on Faith
7. Change the World
8. Nobody Knows You When You’re Down and Out
9. Lonely Stranger (com Daniel Santiago)
10. Believe in Life (com Daniel Santiago)
11. Tears in Heaven (com Daniel Santiago)
12. Got to Get Better in a Little While
13. Old Love
14. Crossroads
15. Little Queen of Spades
16. Cocaine
17. Before You Accuse Me (com Gary Clark Jr. e Daniel Santiago)
Os shows de Eric Clapton no país foram apresentados pelo Santander Brasil, em mais uma realização da Move Concerts.