Antes dos finalmentes, me deixem contar uma história
Corre à boca miúda uma história famosa sobre um encontro entre Bob Dylan e Paul McCartney no final de uma longa temporada hippie que marcou os Estados Unidos ao longo da década de 60.
Foi Bob Dylan quem introduziu a sagrada maconha a Paul.
Anos atrás, Paul McCartney relembrava essa história em uma entrevista para a Classic Rock. Durante a entrevista, ele conta que solicitou ao seu produtor da época, Mal Evans, que anotasse tudo o que ele dizia. Entre essas anotações, um trecho em destaque dizia: “Sinto que estou pensando pela primeira vez.”
Entretanto, o aspecto menos significativo desse encontro foi a primeira experiência do Beatle com a cannabis.
Na verdade, Bob Dylan alugou um triplex na mente de Paul McCartney ao recomendar ao jovem baixista do quarteto mais famoso do mundo a solidão.
Em uma entrevista à NME, o beatle comentou diversas lembranças do passado, incluindo o encontro com Bob Dylan, dizendo: “Pude sentir-me voando em espiral enquanto conversava com Dylan. Senti que estava compreendendo tudo, o sentido da vida.”
A lenda em torno desse encontro nos conta que foi através dessa troca de ideias entre o beatle e Bob Dylan que surgiu a vontade de Paul McCartney abandonar o quarteto e embarcar em uma carreira solo.
O conselho de Bob Dylan, que alugou um triplex na mente de Paul McCartney, foi:
“Esqueça essa história de banda de rock. Isso é coisa de adolescentes. Eles andam em grupo. Agora que somos homens, caminhamos sozinhos.”
Esse conselho ressoou e muitos o ouviram.
E por que estou contando essa história?
Arnaldo Antunes e o retorno dos titãs
A crise de criatividade do século XXI torna cada vez mais comum o retorno de bandas oitentistas para as tão temidas “reuniões de comemoração”.
Essas reuniões celebram a melancolia e o saudosismo de velhos que, no fundo, gostariam de manter intacta a energia adolescente. (Spoiler: Isso é impossível)
Com os Titãs não foi diferente.
Acompanhamos durante todo o ano de 2023 a banda em comerciais de televisão, especiais de televisão, festivais de televisão e nos jingles da televisão. Confesso que até cogitei a possibilidade de comprar ingressos para o tão esperado último show dos Titãs, que seria no Allianz Parque em São Paulo, no mês de Dezembro.
Entretanto, logo após anunciar o último show, a banda confirmou novas datas para o Lollapalooza de 2024. Que fim longo. Um fim tão longo quanto este só se compara à pandemia da Covid-19.
Arnaldo Antunes foi o primeiro Titã a anunciar sua saída, em 1992. De lá para cá, lançou discos, livros e utopias. Trilhou um caminho interessantíssimo e fértil, deixando para trás a velha mania dos adolescentes, a mania de andar em bando.
O Arnaldo é meu titãs favorito
Minha vontade era ver Arnaldo Antunes bailando com os Titãs.
Sempre fui um grande admirador dele. Seu “vozeirão” de trovão, sua poesia abstrata, a palavra cantada, o cabelo arrepiado, até mesmo sua ficha policial.
Arnaldo Antunes testou nossas paciências nessa longa despedida com os Titãs, assim como testou a paciência dos policiais em 1985, quando foi preso por tráfico de drogas em São Paulo.
Mas ele tem toda a licença poética; tem o direito de ressuscitar fantasmas do passado e lucrar com isso. Infelizmente, não pude assistir à (até então) última turnê dos Titãs, mas tive o privilégio de ver Arnaldo Antunes em estado bruto, junto com a palavra e um piano.
O pianista que o acompanha nesse show se chama Vitor Araújo, e ele também é um personagem interessantíssimo.
Vitor Araújo ficou famoso em uma aparição que fez bem jovem, em um vídeo publicado pela Deck Disco no YouTube, onde, um adolescente mirrado, de tênis all star e calça jeans, performa “Paranoid Android” do Radiohead em um piano de cauda, no Teatro Santa Isabel.
Isso foi há dezesseis anos. Agora, Vitor é um compositor excepcional, com um disco autoral chamado “Levaguiã Terê”, e uma colaboração fértil com Arnaldo Antunes, neste show chamado “Lágrimas no mar”.
É incrível a capacidade de condensar sentimentos tão complexos desses dois artistas. Arnaldo trajado de terno e sapatos, e Vitor tocando as teclas do piano com a cabeça pendendo quase até tocar o ouvido no instrumento.
O piano, por sua vez, é um espetáculo à parte. Sem a tampa sobre a caixa, o pianista se debruça sobre as cordas do instrumento, tocando-as como se fosse um contrabaixo. Ele faz percussão, batucada e outras coisas que deixam qualquer um de queixo caído.
No repertório, há músicas clássicas como “O Pulso” e “Socorro”, além de músicas do último trabalho de Arnaldo, o disco chamado “O Real Resiste”, e uma versão densa e caótica de “Como 2 e 2”, de Caetano Veloso, e “Fim de Festa”, de Itamar Assumpção.
Recomendo a todos que escutem o disco “Lágrimas no mar”; é possível encontrá-lo nos serviços de streaming, já que na última sexta-feira a dupla lançou um registro ao vivo, gravado em Salvador (BA).
Convido todos a testemunhar o caminho solitário que Arnaldo Antunes trilhou. Dentro de sua mente há poesia concreta, New Wave, Punk Rock, Nick Cave e magia!