Oxigênio Festival 2023 dribla dificuldades e mantém festa mais querida do cenário independente paulistano

Texto: Guilherme Goes / Fotos: Isis Trindade

O Oxigênio Festival, um dos eventos mais renomados do underground nacional, retornou à cidade de São Paulo no último final de semana, gerando um caloroso contraste ao clima gelado da metrópole com uma explosão de hardcore, punk, ska, indie rock e emocore. Durante dois dias de música (26 e 27), mais de 20 bandas incendiaram os dois palcos da festa. Na edição deste ano, o grande destaque foi a presença ampliada de grupos e artistas internacionais, incluindo nomes como Samiam, The Slackers, Chelsea Grin e Jonny Craig. Além disso, este foi o primeiro espetáculo em quase uma década a não contar com o patrocínio da marca Vans.

Histórico 

O Oxigênio Festival teve seu início em 2006, com a primeira edição marcada pela presença da banda The Draft (projeto paralelo de membros do Hot Water Music) e outros grupos populares da cena hardcore melódico nacional, como Dance Of Days, Houdini e Hateen. Posteriormente, com o apoio da renomada marca de vestuário estadunidense Vans, o evento fez seu retorno modesto em 2015, sendo realizado no Carioca Club, uma casa de médio porte na capital paulista.

A partir da quarta edição, em 2017, o festival passou a se desenrolar na Via Matarazzo, um espaço amplo que permitiu a instalação de dois palcos e stands com atrações interativas. Desde então, a festa se consolidou como um símbolo de qualidade e inovação na cena independente.

Shows

Inicialmente agendado para o Campo de Marte, o mesmo local que sediou a edição de 2022, o evento teve que se adaptar devido a questões relacionadas à nova administração da zona de pouso. No entanto, a produção conseguiu manter a qualidade e a dinâmica do festival, transferindo toda a logística para um novo galpão. A quadra localizada na Rua Achilles Orlando Curtolo mostrou-se uma escolha acertada, abrigando com sucesso os palcos, estandes interativos, bares, barracas de comida e a mercadoria das bandas.

A abertura foi marcada pela energia contagiante da banda Refugiadas, que apresentou um som punk cru e rápido, mas ainda assim bastante animado, evidenciando a diversidade musical presente no festival. Além da performance no palco, as integrantes do conjunto também encantaram o público com sua simpatia, expressando o desejo de fazer novas amizades ao longo do dia.

No palco principal, Lylith Pop surgiu com sonoridade post-punk e visual extravagante com roupas rasgadas e maquiagem forte. Além de canções já conhecidas como “Serpente”, “Submissão” e “De Volta à Liberdade”, o set surpreendeu com a estreia de um novo single, que em breve estará disponível nas plataformas de streaming.

Como já é tradição no Oxigênio Festival, a galera teve a oportunidade de soltar a voz ao som dos maiores sucessos mundiais do punk rock, cortesia da banda Karaokillers, um projeto que oferece uma experiência de ‘karaokê ao vivo’. Por um período de 30 minutos, dezenas de entusiastas participaram em clássicos do Blink 182, Paramore, The Offspring e muitos outros. 

O repertório do Molho Negro concentrou-se principalmente nas faixas de seu álbum “Normal” (2018), incluindo músicas como ‘Souza Cruz’, ‘Fã de Nirvana’ e ‘Gente Chata’. As reproduções foram acompanhadas por trechos de diversos videoclipes lançados pelo grupo ao longo de sua carreira. Durante o set, o vocalista João Lemos manteve uma postura mais contida no palco, diferenciando-se da típica interação vibrante com o público que costuma marcar as apresentações do trio. Ainda assim, foi um show bastante intenso.

Após hiato de seis longos anos, Rancore fez um retorno triunfante aos palcos, incitando o público a moshar, dançar e soltar gritos apaixonados, mesmo sob uma intensa garoa. Entre sucessos como “Mãe” e “Jeito Livre” e faixas mais hardcore, como “Quarto Escuto” (que contou com a participação especial de Lê do Gritando HC), a forte presença do grupo demonstrou por que é tão querida e justificou plenamente o enorme hype em torno da hashtag #VoltarRancore, que mobilizou as redes sociais por mais de meia década. Sem dúvidas, foi uma das performances mais marcantes de todo o evento. 

Ao término da eletrizante performance do Rancore, o público correu ansiosamente para testemunhar a estreia da banda Colid em solo paulistano. Grandes expectativas cercavam o set, uma vez que o grupo é formado por Lucas Guerra e Charles Taylo, ex-membros da Pense, que desempenharam um papel fundamental na criação do álbum “Realidade, Vida e Fé”. Surpreendendo muitos, o som do novo conjunto não é totalmente voltado ao hardcore, e apresenta composições marcadas por influências de djent e metal moderno, com riffs compactos e bases eletrônicas. Vale ressaltar as letras inteligentes que abordam críticas à sociedade contemporânea e aos perigos da inteligência artificial.

Próximo ao encerramento, a essência do punk rock raiz dominou a atmosfera do festival. No palco secundário, The Slackers mandou uma de suas últimas apresentações em São Paulo, parte de uma mini-turnê com quatro shows em diferentes regiões da metrópole. Além de reviver sua empolgante discografia com os clássicos do ska, a banda presenteou a plateia com um cover de “Attitude” dos Misfits e uma calorosa homenagem ao Brasil com uma interpretação em estilo 2-tone de “Ela É Minha Menina”, dos Mutantes.

Já palco principal, foi a vez do Blind Pigs, um dos nomes mais emblemáticos do punk nacional, que não se apresentava ao vivo desde 2013, mas decidiram se reunir para celebrar seus 30 anos de existência. Centenas de pessoas finalmente tiveram a chance de cantar verdadeiros hinos como “O Idiota”, “Conformismo e Resistência”, “Sete de Setembro” e “Amanhã Não Vai Mudar”. Além disso, Badaui, do CPM 22, fez uma participação especial em “Fuzis e Refrões”.

Concluindo grande estilo, nada menos do que uma “dobradinha” com dois nomes de peso do hardcore contemporâneo. Dead Fish, que recentemente fez uma bem-sucedida turnê pelo continente europeu, brindou o público com um setlist especial em comemoração aos seus 32 anos de carreira, recheado de seus maiores sucessos dos álbuns “Afasia”, “Zero e Um” e “Contra Todos”. Antes de iniciar “Mulheres Negras”, Rodrigo Lima prestou uma breve homenagem à ex-presidente Dilma Rousseff, que atualmente lidera o banco dos BRICS. Como é tradição nos shows do grupo capixaba, a apresentação foi marcada por intensos crowdsurfings e moshpits efusivos.

Do outro lado do festival, Chuva Negra atraiu uma verdadeira multidão, realizando seu primeiro grande show em São Paulo em quatro anos. Além de músicas já conhecidas, como “Amanhã Vai Ser Pior”, “Dois Quartos”, “Conheça Seus Vizinhos” e “Refém do Ontem”, o quinteto também destacou o novo single “Choro e Delírio em Ibiza”, que estará presente em seu terceiro álbum completo, prestes a ser lançado pela Repetente Records, selo liderado por membros do CPM 22.

O encerramento definitivo do primeiro dia veio com o set da banda estadunidense de real emo Samiam. Sem muitas surpresas, os californianos mandaram um repertório semelhante ao seu último show no Brasil, durante o festival Rock Station 2017, onde dividiram o palco com Bad Religion e Pegboy. Já a interação com o público foi bastante limitada, contando apenas com breves agradecimentos entre as músicas. Ainda assim, a apresentação proporcionou ao público paulistano uma oportunidade excepcional de vivenciar novamente ao vivo canções que desempenharam um papel crucial na formação do movimento emocore como “Dull”, “Sunshine” e “Capsize”.

Segundo dia do Oxigênio Festival 2023 é marcada pela nostalgia emo e nomes inéditos do cenário alternativo 

No domingo (27), o lineup apresentou uma seleção de artistas e grupos que marcaram o cenário emocore durante os anos 2000 e início dos anos 2010 em conjunto com novas figuras do cenário. Além dos shows nostálgicos de nomes importantes que participaram do mainstream brasileiro, como HEVO84, Granada e MIA (ex-CW7), a segunda data do evento também contou com a presença de Uelo, Bad Luv e The Zasters, e também com a participação do canadense Jonny Craig, conhecido por ser uma das vozes mais influentes no mundo do post hardcore e por ter liderado bandas como Emarosa, Dance Gavin Dance e Slaves. Apesar do foco predominante no emo, o encerramento da noite foi confiado à banda norte-americana Chelsea Grin, um grupo que desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento do estilo deathcore.

O dia começou sob clima frio intenso e garoa persistente. Como resultado, o público presente nas primeiras horas do espetáculo foi notavelmente reduzido. Porém, tal atmosfera  proporcionou aos fãs a oportunidade de desfrutar com mais tranquilidade de algumas atrações que haviam passado quase despercebidas no primeiro dia devido à grande lotação, como a máquina de arcade e a cabine de fotos, que produzia impressões no estilo polaroid.

A primeira banda a subir ao palco foi o Uelo, um grupo composto por membros muito jovens, que apresentou uma fusão de sonoridades pop e trap. Além de executar suas músicas, eles utilizaram efeitos visuais de imagens de São Paulo projetadas no telão para criar um cenário mais atrativo. Para animar o público tímido, na reta final do show, os rapazes surpreenderam com um cover de “I’m Not Okay”, um dos principais sucessos do My Chemical Romance.

The Zasters assumiu a responsabilidade de inaugurar o palco principal com uma apresentação enxuta. O quarteto de indie-pop cativou a pequena plateia com as faixas de seus EPs “What Just Happened?” e “What Comes Next?”, destacando-se especialmente com as músicas “Bittersweet”, que contaram com as participações de Dani Buarque e Ale Labelle (The Mönic), e o single “Berlin”. Enquanto o grupo se apresentava, uma chuva intensa desabou sobre o local. No entanto, muitos fãs não se deixaram abalar pela intempérie e, equipados com capas de chuva, continuaram a desfrutar da festa. Sinal de devoção!

Bad Luv, a banda composta por lendárias figuras do emo brasileiro, incluindo Gee Rocha (NX Zero) e João Bonafé, fez um show intenso. O destaque ficou por conta das imagens de Naruto e outros animes que apareceram no telão, adicionando uma dimensão visual única à ao festival. Com uma sonoridade marcante que incorpora influências de ska, pop punk e trap, o som da banda conquistou a plateia desde o primeiro acorde.

Além disso, o set marcou a estreia do novo vocalista Truno Bubino, que trouxe sua energia e carisma ao palco. Como surpresa para os fãs, eles apresentaram uma música inédita, deixando a plateia ansiosa por mais novidades desse icônico nome inédito do movimento “emo revival”. 

Na sequência, o público foi agraciado com uma dobradinha de dois ícones que marcaram o cenário emo na década de 2010, tanto na MTV quanto nas rádios de todo o país. Primeiramente, MIA, a vocalista do CW7, proporcionou uma verdadeira festa de nostalgia ao relembrar músicas de sua carreira solo e sucessos de seu antigo grupo, como “Será Você?”, “Tudo o que sinto” e “Me Acorde pra Vida”. Para elevar ainda mais o espírito do movimento, ela apresentou um incrível cover de “Misery Business” do Paramore.

Já no palco secundário, o Hevo 84 encantou a plateia com hinos como “Passos Escuros”, “A Vida É Minha” e “Meu Mundo Sem Você”. Surpreendentemente, os rapazes também lançaram algumas músicas novas, indicando que um possível retorno está se solidificando. Os fãs, de forma memorável, cantou todas as músicas em alto e bom som, palavra por palavra, mesmo após quase 15 anos desde o auge da banda, provando que o emo não foi apenas uma tendência passageira, mas sim uma parte duradoura da cultura musical brasileira.

Após a sessão emocional, o espírito do hardcore e punk tomou o controle absoluto do Oxigênio Festival.

Leela entregou um show repleto de novidades, mesclando músicas de sua nova fase em inglês com clássicos sucessos em português, incluindo a icônica “Te Procuro”. Aproveitando a atmosfera mais radical do festival, a banda decidiu inovar ao realizar uma homenagem inédita ao Bad Religion, com covers de “21st Century Digital Boy” e “American Jesus”, contando com a participação especial de Rodrigo Lima, vocalista do Dead Fish.

O Granada também fez um retorno memorável aos palcos durante o festival. O show foi marcado por uma intensa energia, levando o público a um mosh frenético ao som de seus maiores sucessos. Além disso, a apresentação se destacou pela presença de máquinas de fumaça, elevando ainda mais a insanidade da experiência geral.

Mesmo sem o novo baixista Fausto Oi na formação e com Marcelo Malni assumindo o posto, a banda Zander optou por não incluir nenhuma música do novo disco “Carne Viva” em seu repertório. Em vez disso, eles presentearam os fãs com um set dedicado às faixas de trabalhos anteriores, como “Dezesseis”, “Alto Falantes” e “Bastian Contra o Nada”. Para alegria dos presentes, duas músicas do Noção de Nada, a antiga banda de Gabriel Zander, também fizeram parte do espetáculo: “Aspirina” e “Orgânico”.

Para encerrar a edição 2023 do “Vans Warped Tour” brasileiro, as duas atrações internacionais assumiram seus postos. 

Jonny apresentou um repertório que incluiu músicas de suas ex-bandas, como Slaves e Emarosa, bem como canções de sua carreira solo. A voz de Craig se destaca, surpreendendo a todos, mesmo nas músicas mais recentes. Isso evidenciou o entusiasmo em torno do artista e a razão pela qual ele ainda é uma figura tão proeminente no cenário, apesar de ter estado envolvido em algumas polêmicas ao longo do tempo.

Fechando o evento com chave de ouro, o Chelsea Grin entregou um show que realmente se assemelhou a ouvir a banda em um álbum, com um volume ensurdecedor. Os membros da banda estavam completamente focados em executar cada acorde perfeitamente, sem muita interação com os fãs. Além das novas músicas da fase atual com o vocalista Tom Barber, eles também revisitaram faixas dos primeiros discos com o vocalista Alex Koehler, como “Recreant” e “Sonnet Of The Wretched”. Nos quatro minutos finais do espetáculo, o público foi agraciado com a icônica “Crewcabanger”, uma música que essencialmente deu início a todo um movimento e gerou um enorme mosh pit que se estendeu de um lado ao outro da pista, encerrando o festival com muita energia e emoção.

O Oxigênio Festival 2023 foi uma experiência verdadeiramente maravilhosa em todos os aspectos. Mesmo diante de inúmeros desafios e obstáculos inesperados, a organização demonstrou um nível de excelência simplesmente notável, deixando uma marca positiva nas centenas de participantes que vivenciaram os dois dias do evento. Em sua 8ª edição, o festival continuou a surpreender ao proporcionar uma combinação de grandes shows e atividades de alta qualidade, uma proposta que só pode ser entregue por uma equipe comprometida com a música e com a satisfação do público.

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About Gustavo Diakov

Idealizador disso aqui, Fotógrafo, Ex estudante de Economia, fã de música, principalmente Doom/Gothic/Symphonic/Black metal, mas as vezes escuto John Coltrane e Sampa Crew.

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