Escoceses escalam a ladeira da qualidade em noite que só foi melhorando regada a… amor!
Texto por Vagner Luis Mastropaulo e Fotos por Belmilson Santos (@bel.santosfotografia)
A passagem mais recente do Primal Scream por São Paulo havia sido no saudoso Tropical Butantã em fevereiro/18 e a ótima “desculpa” para o regresso foi a divulgação de Come Ahead (24), décima segunda bolacha no pacote discográfico do grupo e de onde selecionaram sete das dezenove pedradas distribuídas ao longo de duas horas e dois minutos pontualmente a partir de 21:30, conforme divulgado, sem banda de abertura.
Se a casa estava relativamente vazia cerca de 20:40, quando fizemos o credenciamento, o que se observou ao som de What The World Needs Now Is Love, brevemente utilizada como intro, era a pista tomada, bem como os camarotes, ainda que confortavelmente havendo espaço para as pessoas transitarem. Entrando discretamente durante o hit de Jackie DeShannon, o líder Bobby Gillespie foi o último a dar as caras trajando elegantíssimo terno branco.
Ao lado deste escriba, um espirituoso fã não se conteve ao analisá-lo, magro e com os cabelos nos ombros: “Ele parece um Iggy Pop, só que mais novo, vestido e sob medicação”. Completavam o time de respeito: Andrew Innes (guitarra), Simone Butler (baixo), Terry Miles (teclados), Alex White (sax), Darrin Mooney (bateria) e Martha Evans e Roslyn Adonteng (vocais de apoio) – ambas integrantes da House Gospel Choir, creditada em todas as faixas do citado Come Ahead, exceto em The Centre Cannot Hold.

Do aclamado Screamadelica (91), Don’t Fight It, Feel It mostrou-se excelente escolha para inaugurar os trabalhos e animou geral, porém, sua sucessora, Love Insurrection, talvez por se tratar de uma composição recente, deu uma acalmada na temperatura, mesmo sendo perfeita para fotos e filmagens. Jailbird veio emendada, mais cantada do que a anterior e, olhando ao redor, víamos a casa ainda mais cheia.
Quarta do set com apenas dezessete minutos no relógio, Ready To Go Home foi puxada pela dupla Martha Evans e Roslyn Adonteng, super justificando a presença de ambas no palco! Ao finalizá-la, Gillespie apontou a ausência de sete anos e meio atrás, misturando português com espanhol: “Obrigado! Gracias! Como estão por aí? Estão bem? Na última vez que viemos aqui, foi sem baixista, mas ela está aqui hoje! Esta é Deep Dark Waters!”, seguida por Medication.

Dedicada por Bobby ao “Presidente Lula”, Innocent Money foi para se dançar e trouxe maior presença do sax e tamanha força nos backing vocals que ele as apresentou e brincou chamando-as de “The Sisters Of No Mercy”. Grafadas como “baladas” no setlist de palco, fizeram a sublime Heal Yourself e I’m Losing More Than I’ll Ever Have, esta vindo num crescendo, com pedido de ajuda para que todos cantassem junto e um tremendo solo de Andrew a ponto de Bobby também apresentá-lo. Canção extremamente aplaudida!
Ironicamente dando uma guinada de cento e oitenta graus no clima, Love Ain’t Enough foi descrita como “uma música anti-amor” e, carismático a seu modo, o lendário frontman revelaria uma inquietação: “Há uma senhora aqui embaixo nos pedindo para abaixarmos o volume da guitarra…”. Entre o espanto e certa revolta, se estendeu: “Este é um show de rock ‘n’ roll! Vocês querem a guitarra mais leve? Sequer acho que a guitarra esteja leve o suficiente para mim…”. E com o início da mencionada The Centre Cannot Hold já em andamento, cravou: “Somos uma banda de rock ‘n’ roll. Não somos o Blur, somos o Primal Scream!”.
Com um quê de Sympathy For The Devil e autêntico musicão da porra, Loaded foi reconhecida de imediato a partir da introdução falada em estúdio e proporcionou um mar de celulares erguidos. Sem o paletó, o vocalista recebeu um presente com a capa de L.A.M.F. (77), devidamente agradecendo “ao cavalheiro pelo maravilhoso pôster de Johnny Thunders e os Hearbreakers”, garantindo que o enquadraria.

Swastika Eyes foi um capítulo à parte, transformando a casa numa rave, certamente no momento mais dançante da noite e, acredite, o mais pesado. Em sua execução, Bobby bradou um “Libertem a Palestina!” e não foi que, aparentemente do nada, brotou uma bandeira na pista? E eis que de repente, não mais que de repente, rolou a razão de as pessoas terem deixado o conforto de seus lares a fim de se dirigirem à Audio…
Se duas músicas antes a quantidade de aparelhos filmando foi numerosa, a incidência aumentou significativamente na seminal Movin’ On Up, melhorando o que sempre esteve bom. E é desnecessário afirmar, mas as backing vocals detonaram e um lindo cachecol preto e branco com um “Free Palestine!” escrito no meio e a bandeira colorida do país nos cantos chegou às mãos de Bobby. Esperto, antes de pendurá-lo no pescoço, ele verificou do que se tratava e, não pelo ato político em si, mas por se tratar de seu maior sucesso, para alguns foi o ponto alto! Última do repertório regular, Country Girl também foi identificada de bate-pronto e bastante apoiada.
Para o primeiro encore (sim, dando o spoiler, foram dois!), Damaged marcou a retomada novamente bebendo na fonte dos Stones e Alex White sugeriu que a galera acendesse as lanternas produzindo belo espetáculo visual. “Raiz”, um fã optou pelo tradicional isqueiro mesmo. Come Together foi a mais longa dentre as tocadas, espetacular pérola escondida que teria encerrado a noite com chave de ouro, mas sobrou tempo para a clássica Rocks.

De fato, parecia que a festa havia sido concluída e boa parte da massa se dirigia à lateral da casa e ao fundo para ir embora. Do nada, Bobby regressou dizendo terem mais uma e, num corre-corre organizado, ninguém reclamou por tirarem um saboroso cover de No Fun, dos Stooges, da cartola (mesmo oficialmente fora do setlist de palco), sepultando a noite num final apoteótico e sem outro. Gillespie despediu-se sob promessa de retorno em breve e o pedido derradeiro foi: “Ensinem o amor e o rock ‘n’ roll!”.
O que pode ter passado despercebido durante a leitura deste texto foi o quanto o octeto pregou o amor ao longo do show (da intro à declaração acima), que só melhorou progressivamente! Outra característica interessante foi notar as músicas se empilhando calmamente, mal se notando a passagem do tempo. Quer mais? O entrosamento do conjunto deve ser destacado e aí vão algumas curiosidades acerca de alguns dos músicos:
– se você esteve na casa e curtiu a performance de Andrew Innes, aprecie os álbuns do extinto The Revolving Paint Dream;
– o canal de Terry Miles no YouTube [https://www.youtube.com/@TerryMilesPiano] está repleto de vídeos interessantes, em especial os da série Terry’s Pub Piano Quest, e ele foi membro do Go-Kart Mozart/Mozart Estate [https://en.wikipedia.org/wiki/Mozart_Estate];
– Alex White integra a Fat White Family [https://x.com/FatWhiteFamily];
– por fim, Simone Butler merece maior atenção, pois ela foi dar um rolê em pleno Parque do Ibirapuera na tarde do show [https://www.facebook.com/100057912826247/videos/pcb.1228671045739978/1299363168896027], declarou seu amor pelo país [https://www.facebook.com/story.php?story_fbid=1228664719073944], contribuiu em Honesty, do play Splintered Metal Sky (20), do White Hills, e tem seu próprio programa na Soho Radio, o Naked Lunch [https://www.mixcloud.com/genres/naked-lunch-podcast], sendo o episódio mais recente de 24/09 [https://www.mixcloud.com/sohoradio/simone-maries-naked-lunch-feat-neil-barnes-24092025].
Agora é torcer para que o compromisso firmado em voltarem logo se materialize!
Setlist
Intro: What The World Needs Now Is Love [Jackie DeShannon]
01) Don’t Fight It, Feel It
02) Love Insurrection
03) Jailbird
04) Ready To Go Home
05) Deep Dark Waters
06) Medication
07) Innocent Money
08) Heal Yourself
09) I’m Losing More Than I’ll Ever Have
10) Love Ain’t Enough
11) The Centre Cannot Hold
12) Loaded
13) Swastika Eyes
14) Movin’ On Up
15) Country Girl
Encore 1
16) Damaged
17) Come Together
18) Rocks
Encore 2
19) No Fun [The Stooges]














