Ícones da cena do hardcore metalizado, os nativos de Cleveland finalmente regressaram ao Brasil depois de mais de 35 anos de espera neste último domingo (26/10).
Texto e Fotos por Daniel Agapito (@dhpito)
Não há dúvida alguma de que o mês de outubro tem sido um prato cheio para os fãs de hardcore. O mês começou forte com o lendário Cro-Mags (versão do Harley Flanigan) no dia 8, 2 dias depois, na sexta-feira, tivemos o retorno do Death Before Dishonor, pouco mais de uma semana depois, metal e mangá se misturaram com o Rise of the Northstar – sem contar que ainda teríamos a estreia do Sworn Enemy, se não tivesse sido cancelada por baixa venda de ingressos. Foi nesse contexto que veio o show do Integrity, lenda da cena de Cleveland, conhecida por seu som que mescla a fúria e atitude do hardcore com a força e atmosfera densa do metal.
A banda, liderada pelo carismático Dwid Hellion, surgiu no final da década de 80, mas seu primeiro grande impacto veio alguns anos depois, com seu álbum de estreia, Those Who Fear Tomorrow (1991). Com ele – e outros lançamentos que marcaram época, como Systems Overload (1995), Humanity is the Devil (1996) e Seasons in the Size of Days (1997) – se tornaram um dos nomes mais distintos do HC, se destacando com suas letras sobre temas obscuros e existenciais, fugindo um pouco do lado mais político do estilo. Apesar de se inspirar fortemente nos valores straight edge, já não se enquadram na cena há tempos.
Eles não subiriam sozinhos no palco da Burning House, pois duas atrações nacionais de peso fariam a abertura do evento, realizado pela New Direction Productions. Diretamente das profundezas do underground do interior paulista, o Infortuno trouxe uma mistura de hardcore e death/doom, com peso para dar e vender, enquanto o Obsoletion veio com seu som distópico, divulgando seu novo EP, End Screen, lançado em julho deste ano.
Infortuno e Obsoletion – a força da cena nacional
A casa ainda estava relativamente vazia quando a primeira banda (Infortuno) subiu no palco, mas não demorou muito para que todos que estavam lá ficassem completamente vidrados em sua apresentação. Foi aquele típico show sem massagem, pouco tempo para respirar entre uma música e outra, pouca falação entre banda e público, mas energia de sobra. Quando iniciaram os primeiros acordes da introdução de “Invocation of the Unholy Vessel of Anger”, um clima soturno tomou o local, e seguiram destacando seu último lançamento, um split com o Counterraid, executando “Night is My Witness”.

O split, inclusive, foi executado na íntegra, com “Relentless”, “Deus da Dor” e “Eulogy” fazendo parte do setlist. Fora ele, também fora contemplado “Decadent Vindication”, primeiro EP do grupo, com “Doomed Existence” e “Dystopian Torment”. Aqui vale destravar a performance e energia de Rodrigo Luz, vocalista, que mesmo não sendo aquele tipo de vocalista que corre no palco, dá cambalhotas e altos pulos, consegue transmitir uma energia realmente visceral, uma fúria do fundo da alma. Foi dele que veio o início do bloco final da apresentação, que contou com um cover de “No Way But Out”, do Vegas, banda dele, e “Olho da Tempestade”, música nova, ainda não lançada. Antes de “No Way”, ele chegou a destacar a influência dos headliners na sonoridade de sua banda, dizendo ser uma das maiores inspirações.

Alguns minutos depois, seria a vez do Obsoletion, quinteto de hardcore paulistano, certamente um dos mais interessantes desta nova geração. Assim como com a banda anterior, a influência do Integrity no som deles era palpável, trazendo também um clima soturno à fórmula HxC que estamos acostumados, mas, no caso deles, pendendo mais para o lado do blackened punk, com gritos crus, vindos do fundo da alma, e timbres ásperos, agressivos. Outro aspecto que ficou claro desde os primeiros acordes foi a felicidade dos integrantes no palco, que realmente tocavam com emoção, aproveitando cada segundo do show.
Além de faixas de seu novo EP, o supracitado “End Screen”, e de seu primeiro álbum, homônimo, lançado no ano passado, incorporaram também em seu repertório vários covers, transitando livremente entre eles e as faixas autorais. Ao todo, foi aquela apresentação com clima de festa, aquele ar descontraído de uma jam entre amigos, mas com a precisão de um show de estádio, junto daquela energia que já vem de praxe no hardcore. O nosso futuro enquanto sociedade pode ser incerto, mas enquanto tivermos bandas como a Obsoletion, tá tranquilo.
Integrity – sobrecarregando os sistemas
Enfim, havia chegado a hora que todos estavam esperando. Por volta das 20h30 (horário incrível para um show de domingo, por sinal, mais produtoras deveriam aderir), Asa Dunn (guitarra), Alex Gibbs (baixo) e Camille Gaudou (bateria) pegaram seus instrumentos, e sem pompas nem circunstâncias, se jogaram de cabeça em uma breve faixa instrumental introdutória. Estavam os 3 passando som anteriormente, então se não fosse pelas luzes se apagando, ia ser realmente difícil saber se o show havia começado. Após aquela brincadeira rápida, a porta do camarim, na lateral da casa, se abriu, e de lá saiu ele, o membro-fundador e único constante da formação, o vocalista Dwid Hellion.
Com ele a postos, recebido calorosamente, começaram a performance com ambos os pés na porta, logo com “Vocal Test”, faixa curta e direta, realmente um teste vocal, que abre “Humanity is the Devil”. Mesmo com a simplicidade inerente desta primeira música – se é que pode ser considerada música – o público já estava com a energia lá em cima, no meio da pista, aquele burburinho de sempre, enquanto o palco em si já se assemelhava com um aeroporto, visto o tanto de gente que voava de lá. Ainda contemplando o mesmo EP, foram na sequência dele, emendando ainda “Hollow” e “Psychological Warfare”, sem nem dar boa noite para a galera.

Seguindo nesta mesma toada, com os integrantes ligados no 220v sempre, veio “Sarin”, de “Seasons in the Size of Days”, mas tendo apenas um minuto de duração, mal deu para introduzi-lá que já estavam passando para a próxima, “Hymn for the Children of the Black Flame”, do álbum de 2017. Músicas antigas, músicas novas, não importava, o ânimo era sempre o mesmo. Quando Dwid estendia o braço em direção ao público, convocando aquela cantoria, pulavam para cima dele que nem formigas para cima de um pedaço de pão, loucura total. “Taste My Sin” foi a única representante de “To Die For” daquela noite. Para os que não conhecem, esse é um dos álbuns mais únicos da discografia do quarteto, mantendo a brutalidade, mas apostando em um uso maior de camadas e efeitos de guitarra.
No geral, o Integrity sempre utilizou as 6 cordas de uma maneira bastante diferente do resto do hardcore, especialmente da esfera do hardcore metalizado. Faixas como a própria “Incarnate 365”, que deu sequência ao show, contam com solos bastante técnicos, mas que não chegam a ser melódicos. Pode soar estranho, de primeira, mas por incrível que pareça, sempre cabem perfeitamente nas composições, não só dando uma quebra na brutalidade incessante, mas também adicionando uma profundidade e complexidade para as músicas, fazendo a banda fugir do óbvio. Não são todas que vão por essa linha, “Abraxas Annihilation” é simples e direta, devagar e pesada, o que a torna perfeita para ser cantada a plenos pulmões pela casa toda; exatamente o que aconteceu.

Aproveitando para interagir brevemente com o público, o vocalista revelou que tem uma conexão pessoal com o Sepultura, chegando a dedicar música para eles: “sou amigo de infância do Derrick Green, cresci com ele, e por muito tempo fui vizinho de porta do Iggor Cavalera. Então, gostaria de dedicar essa próxima para eles, tanto para o Sepultura quanto para os Irmãos Cavalera. Essa se chama ‘Systems Overload’”. Basicamente a joia da coroa de sua discografia, o som do álbum que leva o mesmo nome marcou época, pegando o que fizeram em “Those Who Fear Tomorrow”, e trazendo uma visão mais madura, mais lapidada do som que já havia influenciado diversas bandas pelo mundo. Se a bagunça já imperava antes, foi a partir daquela chamada que o caos realmente reinou.
Antes de partirem para o bloco final do show, vieram ainda com um combo de 3 músicas, “Rise”, “Diseased Prey Within Casing” e “Judgement Day” as primeiras duas de “Seasons”, enquanto “Judgement Day” foi a primeira a ser retirada do LP de estreia. Seria deste mesmo trabalho que viria a música seguinte, que foi sem dúvidas o maior momento de catarse da noite inteira: não podia ser outra que não fosse a própria, “Those Who Fear Tomorrow”. O moshpit na frente do palco havia perdido qualquer semelhança de ordem e se tornado um verdadeiro liquidificador humano, o palco parecia pista de salto à distância, e era realmente difícil achar um único fã que não estivesse se divertindo.

Para fechar com chave de ouro, “Jagged Visions of My True Destiny” foi a escolhida; o equilíbrio perfeito entre a introspecção sombria e o peso implacável. De acordo com o setlist que estava no palco, esse seria o final do show, porém, vista a reação do público, decidiram tocar algumas músicas a mais, de presente. Ornando perfeitamente com o clima de halloween da Burning, toda decorada, fizeram uma versão “hardcorizada” da para lá de icônica “Hybrid Moments” (Misfits), banda que eles consideram “os pais do punk.” Agora sim, para fechar para valer, executaram “Straight Edge Revenge”, do Project X, a última dose de energia que o público precisava para ir para casa com um sorriso no rosto. Depois do show, os integrantes ainda ficaram pela casa, atendendo fãs na mesa de merchan, autografando CDs, pôsteres, e até distribuindo adesivos.
Valeu esperar todo esse tempo para ver o Integrity ao vivo? Sem dúvida nenhuma. Entregaram um verdadeiro espetáculo, um show sem massagem, uma hora ininterrupta de energia, peso e conexão. O repertório contemplou de maneira bem coesa todas suas fases, a presença de palco de Dwid e cia. não deixou a desejar em momento algum, fora a qualidade técnica dos instrumentistas em si. Durante a apresentação, o frontman chegou a reconhecer a alta rotatividade das formações, dizendo que essa era uma das melhores dos últimos tempos – e mesmo não tendo visto nenhuma outra – é difícil de discordar disso. Agora, só resta esperar que a próxima vez não demore tanto.
Infortuno – Burning House – 26/10/25
- Invocation of the Unholy Vessel of Anger (intro)
- Night is My Witness
- Doomed Existence
- Relentless
- Dystopian Torment
- Deus da Dor
- Eulogy
- No Way But Out (Vegas)
- Olho da Tempestade
Integrity – Burning House – 26/10/25
- Intro
- Vocal Test
- Hollow
- Psychological Warfare
- Sarin
- Hymn for the Children of the Black Flame
- Taste My Sin
- Incarnate 365
- Abraxas Annihilation
- Systems Overload
- Rise
- Diseased Prey Within Casing
- Judgement Day
- Those Who Fear Tomorrow
- Jagged Visions of True Destiny
- Hybrid Moments (Misfits)
- Straight Edge Revenge (Project X)





















