Texto por Fernando Queiroz / Fotos por Tamira Ferreira
Entre tantas as vezes que tantos Rhapsody’s diferentes vieram ao Brasil, fosse o Rhapsody Of Fire com a formação clássica, ou Luca Turilli’s Rhapsody e mais recentemente Turilli/Lione Rhapsody — sim, eu sei, é confuso esse tanto de Rhapsody que existiu —, essa vinda do Rhapsody Of Fire, capitaneada pelo tecladista e co-fundador da banda Alex Staropoli, único membro remanescente da formação clássica, era a que mais gerava desconfianças por parte do público em geral, especialmente por ser a primeira vez sem dois membros clássicos marcantes, o ex-vocalista Fabio Lione e o ex-guitarrista Luca Turilli. Seja na internet ou na pequena fila para o show, muita gente se perguntava o que esperar do show, em especial o que esperar do vocalista Giacomo Voli, que apesar de já estar há quase dez anos na banda, ainda não tinha se apresentado no Brasil. Por isso, e por ser em uma quinta-feira, um dia considerado ruim para shows, quando as portas do Carioca Clube abriram, às 18h45, praticamente não havia fila, apenas algumas poucas pessoas, o que nunca é um bom indicativo em relação a público. Pois bem, já posso dar um spoiler, não? Quem foi, ficou maravilhado!
Entrada e Banda de Abertura
O show não iria começar antes das 21h, e antes, às 20h, quem se apresentaria era a banda brasileira Skalyface. Na uma hora e quinze minutos de espera entre a abertura das portas da casa, até o show dos brasileiros, havia realmente pouca gente no local, mas aos poucos, em especial durante a apresentação, já percebia-se que as pessoas iam cada vez mais chegando no local. Pontualmente às 20h, o Skalyface entrou no palco, mostrando um som de fato condizente com o evento, um Power Metal menos melódico e mais direto que a atração principal, mas ainda com temáticas semelhantes, o que dava um certo conforto para quem estava assistindo. Foi uma apresentação de quarenta e cinco minutos, enérgica, que mostrava músicos entusiasmados com a oportunidade que tinham ali, e queriam realmente mostrar do que eram capazes, e mostrar seu trabalho, então foi um set composto quase que totalmente por músicas próprias, com exceção de um cover, a clássica The Evil That Men Do do Iron Maiden, com a participação do vocalista da banda Ego Absence, Raphael Dantas que, como era de se esperar, foi o momento que mais levantou o público durante o show. A maior parte do público, na verdade, chegou durante o show dos brasileiros, e outros ainda após isso, então muitos acabaram não vendo a apresentação, que deixou claro os músicos competentes que são. Não decepcionaram, e foram um bom aquecimento para a atração da noite.
Diretamente da Itália, Rhapsody Of Fire, o clássico do Metal Melódico
Ao fim da apresentação de abertura dos brasileiros do Skalyface, o Carioca Clube já estava com um público relativamente bom, e a curta espera de quinze minutos até a entrada da atração principal teve um grande fluxo de pessoas entrando, que deixou a casa mais cheia, embora longe de sua lotação máxima, mas em pelo menos mais da metade.
A pontualidade conhecida do Carioca Clube se mostrou infalível novamente, e às 21h exatas, a introdução The Dark Secret, do álbum Symphony Of Enchanted Lands II (2004), com a icônica e impactante narração de Sir Christopher Lee — famoso ator britânico que interpretou Saruman em Senhor Dos Anéis, Count Dooku em Star Wars, e muitos outros papeis incríveis — que levou o público numa viagem no tempo ao auge do Metal Melódico mundial no meio dos anos 2000. A introdução trouxe os instrumentistas ao palco, Roberto De Micheli (guitarra), o mais ovacionado Alex Staropoli (teclados), Paolo Marchesich (bateria) e Danilo Arisi (baixo) que substituía o baixista oficial Alessandro Sala, que não pôde comparecer por ser pesquisador na área de física em universidade, e veio seguida da faixa que a segue no álbum em questão, a incrível Unholy Warcry, e o momento que todos esperavam, a entrada do vocalista Giacomo Voli, que teremos um capítulo à parte para falar dele. Logo que a canção começou a ser tocada já se percebia que a desconfiança do público para com essa formação deu lugar ao entusiasmo, emoção, exaltação e uma certeza: o Rhapsody Of Fire está mais vivo do que nunca!
Na sequência, a faixa recente, do álbum Glory For Salvation (2021), I’ll Be Your Hero, single promocional do álbum em questão naquele mesmo ano, mostrou que o público não só conhecia, como havia aprovado os novos trabalhos da banda com a formação atual em estúdio, pois todos continuavam animados e cantaram o refrão em coro, e o mesmo pode ser dito da faixa seguinte, do mesmo álbum, Chains Of Destiny, tocada após a saudação de Giacomo ao público brasileiro. Em seguida, o momento que o público foi realmente à loucura chegou, com o clássico March Of The Swordmaster, do álbum Power Of The Dragonflame (2002), provavelmente uma das músicas mais pesadas e agressivas da banda, tocada e cantada magistralmente. Uma faixa que, em outros tempos era tocada com duas guitarras ao vivo, mas Roby de Micheli, atualmente único guitarrista da banda, a levou tão bem que mal se percebia a ausência da segunda guitarra! A próxima canção foi The Legend Goes On, do álbum The Eight Mountain (2019), a estreia da formação atual em inéditas (haviam lançado, antes, a compilação de regravações The Legendary Years), outra música que agradou a todos. March Against The Tyrant, canção mais cadenciada do mesmo álbum, veio em seguida, e então foi tocado outro clássico, A New Saga Begins, que é a primeira parte da faixa de dezesseis minutos The Mystic Prophecy Of The Demon Knight, do álbum Triumph Or Agony (2006) — essa parte da faixa também foi lançada como bônus do álbum em versão cortada, e foi essa a versão tocada, afinal, não havia porquê tocar uma música de dezesseis minutos que grande parte é narração, e essa parte específica é a mais marcante. Devo dizer, inclusive, que esse em específico foi o momento mais incrível do show, pois é uma de minhas músicas preferidas da banda.
Há poucas semanas, a banda lançou seu novo single, Challenge The Wind, que é também a faixa título do próximo álbum que sairá no dia 31 deste mês, e foi essa música a próxima tocada. O single parece ter caído tanto no gosto dos fãs, que surpreendentemente, poucas semanas após seu lançamento, boa parte dos presentes já a cantava a plenos pulmões. Em seguida, o single do álbum The EightMountain, a excelente Rain Of Fury, música que mostrou primeiramente a cara da nova formação, foi a tocada a seguir. O próximo momento foi de emoção, e do público todo cantando em coro. Giacomo, que vinha fazendo brincadeiras durante todo o show, pediu um pouco de seriedade agora, e introduziu a faixa Magic Of The Wizard’s Dream do álbum Symphony Of Enchanted Lands II, que originalmente incluiu um dueto com o saudoso Christopher Lee, e foi em homenagem a ele que a próxima faixa foi tocada, com o público todo fazendo a parte do lendário ator e ocasionalmente cantor, nosso eterno Saruman! Então veio um dos momentos mais esperados do show, que se alguém estava se segurando, não se segurou mais, com Dawn Of Victory, faixa título do álbum de 2000, considerado por muitos o melhor da banda, e essa música é unanimemente reconhecida por ser um dos hinos não apenas deles, mas do gênero Metal Melódico. A pesadíssima Reign Of Terror, do álbum The Frozen Tears Of Angels (2010) veio a seguir, e então a banda lançou uma sequência de seus maiores clássicos possíveis. Wisdom Of The Kings, do álbum Symphony Of Enchanted Lands (1998) levou todos a cantarem junto, e ainda mais em Land Of Immortals, primeiro grande sucesso da banda, do disco Legendary Tales (1997). A excelente e quase perfeita apresentação da banda encerrou-se com um mosh pit chamado por Giacomo na música mais icônica, o maior sucesso da banda, Emerald Sword.
Ao fim do show, não havia uma pessoa sequer que não estivesse satisfeita, impressionada, encantada com a performance da banda, com a escolha do setlist, e especialmente com a voz de Giacomo, que aliás…
Giacomo Voli, cantor incrível e, mais que isso, um condutor, um maestro de plateias, um mestre de cerimônias!
Muitos podem se perguntar, até agora, por que não falei tanto de Giacomo Voli, já que ele teve o trabalho hercúleo de substituir o icônico Fabio Lione como frontman do Rhapsody Of Fire, e era quem mais despertava desconfiança sobre sua performance ao vivo, por ser sua primeira vez no Brasil.
Logo que entrou, o visual de Giacomo era ‘épico’ (único termo que encontrei para definir), com seu casaco glamouroso preto brilhante, condizente perfeitamente com o tema da banda. Em questão de performance vocal, Giacomo nada lembra o ex-vocalista da banda em termos de timbre, mas sua tessitura é alta, sua técnica apuradíssima, e ele se mostrou um intérprete incrível ao dar sua própria roupagem às músicas, sem mudar o tom, e muito menos se forçar. Na verdade, ele atingia as notas com tranquilidade em todas as músicas, praticamente sem deslizes, e era impressionante quando ele pulava, literalmente, durante várias músicas, e em ocasião alguma saía do tom. Mostrava-se um cantor de mão cheia, não apenas um vocalista, digno realmente de ter sido finalista do The Voice Italy. Sua presença de palco era a cereja do bolo do show, seu domínio do público era impecável, fazia todos levantarem as mãos e mandarem o tradicional ‘heeeey’ quando queria, e todos o obedeciam! Seu carisma ia muito além de uma presença de palco durante as músicas, mas entre elas também. O cantor conversava com o público, falava coisas em português, e chamava pessoas da plateia ao microfone para lhe ensinar palavras! Logo no começo do show, ele brincou usando o termo ‘ciao’, e disse que alguém lhe falara que em português isso significava uma despedida, mas em italiano era um cumprimento. Chamou um rapaz na plateia e perguntou como se dizia ‘fuck’ em português, e o rapaz respondeu ‘foda’. Pois bem, ele passou o show todo dizendo “Foda!”, além de brincar com termos em italiano, palavrões, piadas rápidas que não interferiam no andamento do show, mas deixava tudo mais leve e divertido. Em seus momentos de seriedade, em pediu para em um determinado momento todos serem um pouco mais sérios, pois aquela música seria em homenagem a Christopher Lee, falecido em 2015, e em sinal de respeito ao lendário ator, foi um momento sem brincadeiras, e uma bela demonstração de admiração ao ídolo de muitos. Em outro momento de seriedade, onde foi muito aplaudido e ovacionado, Giacomo agradeceu a seus colegas, à produção da banda e da casa, à banda de abertura, e especialmente ao público presente, e finalmente a todos que não puderam comparecer que viriam do sul do país, e dedicou Emerald Sword, maior clássico da banda às vítimas, familiares, amigos das enchentes no Rio Grande do Sul, desejou forças, e prometeu que voltariam ‘logo’ ao Brasil para que ainda mais pessoas pudessem contemplar o show. Mostrou-se, em todos os possíveis quesitos, uma pessoa fantástica. Outro ponto a se destacar sobre ele, é sua pronúncia de inglês perfeita, sem sinais de sotaque italiano, tanto falando quanto cantando. Seu único deslize foi trocar a primeira pela segunda estrofe de Emerald Sword, que em nada prejudicou o momento.
Sabemos que comparações não são boas, então não compararei ele de forma alguma com Fabio Lione, ambos grandes cantores, mas é um fato que Giacomo já provou ser o vocalista certo para a banda certa no momento certo!
Primeiro show de muitos, esperamos
A conclusão unânime de todos que foram ao show, e isso podia ser ouvido em qualquer canto durante a saída do Carioca Clube, é que o Rhapsody Of Fire está mais vivo que nunca, e que o show foi não apenas tudo que poderiam esperar – foi mais que isso, foi um show que nem o mais entusiasmado fã imaginaria que seria tão bom. Com sentimento de alegria e missão cumprida, a banda prometeu voltar logo ao Brasil, e se depender deste show, voltarão quantas vezes for possível.
Para fãs de Metal Melódico, ou Power Metal, esse show ficará, sem dúvidas na memória por muitos anos, e a primeira vez dessa formação do Rhapsody Of Fire é um marco para a banda e seus fãs. Quem não foi, não pode perder o próximo, ou os próximos! Um show, um espetáculo! Um show com pouco mais de uma hora e meia de duração, que parecia ter durado poucos minutos de tão bom, e que poderia ter durado três horas, que continuaria curto e passando num piscar de olhos.
Rhapsody Of Fire
Giacomo Voli — Vocal
Roberto De Micheli — Guitarra
Danilo Arisi — Baixo (substituindo Alessandro Sala para a turnê)
Paolo Marchesich — Bateria
Alex Staropoli — Teclado
Setlist
Intro – The Dark Secret
Unholy Warcry
I’ll Be Your Hero
Chains Of Destiny
March Of The Swordmaster
The Legend Goes On
March Against The Tyrant
A New Saga Begins
Challenge The Wind
Rain Of Fury
Magic Of The Wizard’s Dream
Dawn Of Victory
Reign Of Terror
Wisdom Of The Kings
Land Of Immortals
Emerald Sword