Fotos por Gustavo Palma (@guspalma)
Em um ano marcado pela presença de grandes nomes do movimento britânico dos anos 1990 no Brasil, chegou a vez do Supergrass subir ao palco para sua aguardada apresentação.
No último domingo (31), a banda desembarcou em São Paulo para celebrar os 30 anos de seu icônico álbum de estreia, I Should Coco (1995), com a turnê comemorativa Should Coco 30th Anniversary Tour. A apresentação única na capital paulista foi produzida pela Balaclava Records, que, além de trazer os britânicos de volta ao país após 19 anos de sua última passagem, também convidou Edgard Scandurra Trio para abrir a noite.
Scandurra Trio – Uma abertura à altura
Edgard Scandurra, consagrado por seu trabalho no Ira! e reconhecido como um dos nomes mais influentes do rock brasileiro, subiu ao palco acompanhado de Daniel Scandurra (baixo) e Rodrigo Saldanha (bateria). O trio, liderado por Scandurra, é um projeto fascinante para quem aprecia uma sonoridade mais enxuta e direta, marcada por linhas de baixo pesadas e riffs de guitarra poderosos, à altura da reputação de um dos melhores guitarristas em atividade no Brasil.
No trio, Scandurra apresenta tanto canções compostas em parceria com Arnaldo Antunes, como “Um Olho na Ponta de Cada Dedo” e “O nome disso”, quanto clássicos que fizeram sucesso com o Ira!, como “Flores em Você” e “Núcleo Base”.
A apresentação do trio foi curta, com dez faixas no setlist e vários covers do Ira!, mas cumpriu perfeitamente seu papel, oferecendo um show na medida e à altura. Ao escolher uma banda de abertura, existe a importância de se considerar fatores estratégicos, como a compatibilidade de estilo com o artista principal, além da energia e da conexão com o público, elementos que, neste caso, não faltaram. O trio conseguiu mostrar seu trabalho com excelente qualidade técnica, enquanto aquecia o ambiente e preparava o público para o que estava por vir.
Scandurra Trio – Terra SP – 31/08/2025
- Ninguém entende um mod! (Ira! cover)
- Um olho na ponta de cada dedo (Arnaldo Antunes cover)
- Como os ponteiros de um relógio (Ira! cover)
- O nome disso (Arnaldo Antunes cover)
- Nas ruas (Ira! cover)
- Minha mente ainda é a mesma
- Prisão das ruas (Ira! cover)
- Flores em você (Ira! cover)
- Núcleo base (Ira! cover)
Encore:
- Do chão não passa
O Britpop e o Brasil
Este tem sido um ano memorável para os fãs brasileiros do Britpop — movimento que surgiu nos anos 90 como a resposta britânica ao grunge americano, com letras que retratam a vida cotidiana no Reino Unido, sotaque carregado e uma estética que celebra a cultura local. Para quem aprecia guitarras melódicas, refrões marcantes, pitadas de ironia social e as influências do rock clássico britânico, o ano de 2025 é um prato cheio na agenda de shows em São Paulo: em Junho, Richard Ashcroft brilhou no Best of Blues and Rock com clássicos do The Verve e da carreira solo; em Novembro será a vez do tão esperado retorno do Oasis; e agora, foi o Supergrass quem reafirmou no palco a irreverência e a descontração que sempre marcaram o espírito do Britpop.
I Should Coco – Na íntegra? Sim, só que misturado
Como a turnê celebra o álbum de estreia, a promessa era clara: tocar as treze faixas de I Should Coco (1995) na íntegra, seguidas pelos grandes sucessos da carreira. E foi exatamente isso que o público paulistano presenciou, ainda que em um formato diferente do esperado. No show anterior, em Buenos Aires, a banda seguiu a ordem original do disco e depois de encerrar com “Time To Go” emendou os prometidos clássicos, como “Richard III”, “St. Petersburg”, “Moving” e “Grace”.
Já na capital paulista, o Supergrass optou por embaralhar a sequência, alternando as faixas do álbum de comemoração com outros sucessos, criando um setlist mais dinâmico e surpreendente. A sequência original do álbum foi mantida apenas até a “Mansize Rooster”, que é a terceira faixa do disco.

Em vez de seguir com o esperado hit “Alright”, a banda surpreendeu ao emendar com “Late in the Day”, do segundo disco In It for the Money (1997). A mudança, no entanto, foi bem recebida, já que, antes dos primeiros acordes, Gaz Coombes (vocal e guitarra) pediu “permissão” ao público para que a banda pudesse experimentar algo diferente naquela noite. A partir daí, o setlist virou uma verdadeira caixinha de surpresas, já que apenas a própria banda sabia qual seria a próxima canção a surgir.
Na sequência, os britânicos fizeram o Terra SP tremer com “Mary”, faixa do terceiro álbum da banda, intitulado como Supergrass (1999), também conhecido como “The X-Ray Album”, graças à capa com arte em estilo radiográfico. Diferente da leveza de hits como “Alright” e “Strange Ones”, “Mary” aposta em riffs mais pesados e sombrios, com uma atmosfera quase psicodélica que marca a fase mais experimental do grupo. A escolha por este caminho funcionou tão bem que a música alcançou o Top 20 das paradas britânicas nos anos 2000, consolidando-se como um dos grandes momentos desse período.

Em “Lose It”, Gaz se arriscou no português pela primeira vez, agradecendo com um “obrigado”, seguido de um simpático “thank you” e ao longo das 21 músicas do repertório, a banda interagiu em diferentes momentos com o público, recordou a última vez em que esteve no Brasil (2006) e chegou até a questionar por que demoraram tanto para voltar, já que sempre são recebidos com tanto carinho pelos fãs brasileiros.
O retorno aos palcos
Essa “demora” não se deve exclusivamente à falta de oportunidades para retornar ao Brasil. Formado em 1993, em Oxford, pelo já citado vocalista e guitarrista Gaz Coombes, o baixista Mick Quinn e o baterista Danny Goffey, com Rob Coombes (tecladista e irmão de Gaz) passando a integrar oficialmente a formação em 2002, o Supergrass anunciou sua separação em 2010, retornando aos palcos somente em 2019 para celebrar justamente o aniversário de I Should Coco (1995).
Na época, em entrevista ao The Times, a banda deixou claro que não tinha planos de trabalhar em material inédito. Como afirmou Danny Goffey, a proposta era fazer shows, não criar novas músicas. E, ao que tudo indica, isso não incomoda os fãs do Supergrass: já que o que se viu no último domingo foi um público ávido por reviver as canções que marcaram sua juventude e adolescência, celebrando cada refrão como se o tempo não tivesse passado.

Ainda assim, o público de São Paulo teve a chance de presenciar um momento inédito: a primeira execução no Brasil de “Sofa (of My Lethargy)”. A performance contou com a participação especial de Charly Coombes (irmão de Gaz e Rob), que atualmente vive no Brasil. Para tornar a cena ainda mais marcante, os integrantes trocaram de instrumentos: Mick assumiu a guitarra, enquanto Gaz se encarregou do baixo.
Um passeio por quase todos os álbuns da carreira
Além da celebração dos 30 anos de I Should Coco (1995), o setlist passou por quase toda a discografia da banda, com exceção de Diamond Hoo Ha (2008), que não teve nenhuma faixa incluída. A ausência reforça, de certa forma, a fala de Danny Goffey sobre “não criar músicas novas”, já que a prioridade claramente foi revisitar os grandes e mais antigos sucessos. Dos álbuns In It for the Money (1997) e Supergrass (1999), por exemplo, entraram três músicas de cada no repertório.
De volta às faixas da noite, “Alright”, que não apareceu na ordem original do disco comemorado, surgiu no meio do setlist, logo antes de “Strange Ones”, também de I Should Coco (1995). Já “Time to Go”, faixa que encerra o álbum, manteve sua função de fechamento, concluindo, ainda que fora de ordem, a execução completa do trabalho. A partir daí, o palco ficou reservado apenas para os outros clássicos prometidos para a noite.
A sequência seguinte, com “St. Petersburg”, “Richard III”, “Moving” e “Grace”, levou o público a um verdadeiro êxtase. Foi uma mistura de fãs na faixa dos 40-50 anos conectando-se com os mais jovens, entre 20 e 30, mostrando de forma clara a relevância e a influência duradoura do Supergrass e do Britpop até os dias de hoje.
Para o encore, o grupo abriu com “Sun Hits the Sky”, recebida pelo público quase como um hino, cantada em conjunto do começo ao fim. A energia não diminuiu e “Pumping on Your Stereo” foi a responsável por encerrar a noite com a sensação de satisfação tanto por parte do grupo quanto também pelo público. Foi um verdadeiro clima de celebração e nostalgia que durou quase duas horas de show em uma super noite de Domingo.
A apresentação do Supergrass provou que o Britpop continua vivo, unindo gerações com clássicos e surpresas ao longo do setlist. Mesmo após anos de hiato, a banda mostrou energia, técnica e irreverência, reafirmando seu lugar de destaque nos palcos.
Supergrass – Terra SP – 31/08/2025
- I’d Like to Know
- Caught by the Fuzz
- Mansize Rooster
- Late in the Day
- Mary
- She’s So Loose
- Lose It
- We’re Not Supposed To
- Time
- Alright
- Strange Ones
- Sitting Up Straight
- Lenny
- Sofa (of My Lethargy) – (com Charly Coombes)
- Time To Go
- St. Petersburg
- Richard III
- Moving
- Grace
Encore:
- Sun Hits the Sky
- Pumping on Your Stereo