MAESTRICK: “Pressão é sempre bom, e eu gosto disso” diz o vocalista Fábio Caldeira

Com seu mais recente álbum, o recém lançado Espresso Della Vita: Lunare sendo um sucesso de público e crítica, o Maestrick, uma das bandas de metal progressivo que mais crescem no Brasil, está alcançando o que todas as bandas almejam: o mercado internacional! O momento não poderia ser melhor para os paulistas de São José do Rio Preto, e o vocalista Fábio Caldeira nos concedeu, com exclusividade, uma entrevista onde destrincha o processo de criação do álbum, as participações especiais, e fala sobre como é boa a pressão de ser, hoje, considerado um dos grandes nomes da voz no metal brasileiro. Confira!

Fernando Queiroz: Fábio, vocês lançaram agora um álbum que vem sendo unanimemente elogiado, parabéns! Poderia detalhar um pouco do processo de composição e produção do Lunare?

Fábio Caldeira: Então, o Lunare é um disco que faz parte de um projeto chamado Espresso Della Vita, e esse projeto consiste em contar uma história de uma viagem de trem de um dia, como uma reflexão e uma analogia sobre a nossa viagem nesta vida, nesta existência. Então como é um dia, são vinte e quatro horas, por isso nós temos vinte e quatro músicas, e a gente optou por lançar em duas partes. Nós lançamos em 2018 o Solare, que é a primeira parte, com as doze primeiras músicas, do embarque, que é o nascimento do personagem, até a metade da vida dele. “Solare” porque são as doze horas do dia, e agora o “Lunare” que são as doze horas da noite, que é do momento que parou o Solare até o momento dele descer do trem, desembarcar, ou seja, morrer já velhinho.

A gente começou a compor tudo junto, na verdade. A ideia inicial era fazer um disco só.

Fernando: Um disco duplo, no caso?

Fábio: Isso! A ideia era lançar tudo junto.

Fernando: Tipo um Use Your Illusion 1 e 2, né?

Fábio: Exatamente. Só que, cara, a gente colocou no papel e falou “meu, a gente vai ter o dobro do trabalho, no mínimo, o dobro de tempo.” A gente tinha lançado nosso primeiro disco lá no finalzinho de 2011, começo de 2012… a gente relançou ele em 2013, mas já fazia bastante tempo, então ia aumentar o hiato entre um disco e outro, e a gente ia ter metade do aproveitamento, por que não adianta, né? Você lançou um disco duplo com vinte e quatro músicas, cheio de referências, cheio de detalhes, que deu um trabalho do caramba, pra um ano depois a galera: “e o próximo?” A gente já tá recebendo essa pergunta agora, e tá tudo bem, a gente entende, mas imagina você fazer o dobro de tempo, o dobro de trabalho, pra ter metade do aproveitamento. A gente preferiu lançar separado, e foi uma escolha feliz.

Fernando: E vocês produziram aí mesmo no estúdio de vocês em São José do Rio Preto?

Fábio: Então, a gente tem o estúdio que a gente compõe, faz as sessões e encontros, ensaios e tal. E cada um tem seu estúdio também, seu “home studio”, então a gente cria as demos, faz as ideias, e aí a gente se manda as coisas. Na época, assim, pro Solare a gente não tinha essa estrutura, então como a gente dava aula todo mundo na mesma escola de música, então a gente ia de final de semana na escola, que é do irmão do Heitor (Matos, baterista), e a gente ficava um tempão ali, cada um numa sala, porque cada sala era um estúdio, eu ficava gravando minhas ideias, aí um mandava pra outro, gravava o baixo, saía algumas ideias, também… então a gente fazia muito isso nessa época. Mas depois, todo mundo com seu estúdio em casa, aí as coisas foram fluindo um pouco mais. Mas a gente gravou basicamente o Solare inteiro aqui — na verdade, o único instrumento que a gente gravou fora foi a bateria, em um estúdio que nem existe mais, mas era um baita estúdio em Bebedouro, cidade que a gente também gravou nosso primeiro disco, e aí o Adair (Daufembach, produtor) acompanhou à distância, e depois ele veio pro Brasil, aqui pra cidade, pra gravar os vocais. A gente ficou uns dez dias, ou onze dias gravando. E no Lunare a gente gravou a bateria em Araraquara, num estúdio ótimo lá do Gabriel do Vale, com o Adair aqui — ele veio de Los Angeles, gravou os vocais, acompanhou um pouco da guitarra, gravou o baixo. E foi isso. No Solare ele gravou as guitarras, já que a gente não tava com o Guilherme (Henrique, guitarrista) ainda, e ele gravou nos Estados Unidos. Mas basicamente é isso: a gente faz as coisas aqui nos nossos estúdios, e grava em lugares que tem uma melhor estrutura, especialmente pra instrumento acústico. 

Fernando: Qual foi o motivo de escolherem um nome em italiano para esse projeto?

Fábio: Assim, o Maestrick sempre foi um ponto de convergência para várias manifestações artísticas. Desde o começo da banda a ideia foi essa. E quando esse personagem principal, no final, na última música o narrador se despede dele, fala “goodbye, Dante”, que é uma referência ao Dante Alighieri, que escreveu a Divina Comédia. Se você ver a Divina Comédia, que é uma obra muito atual ainda, falando em termos de sociedade, de política, e tudo mais, você tem aquela coisa de passar pelo inferno, depois o purgatório, daí o paraíso, e durante a vida, durante às vezes o mesmo dia, você tá feliz pra caramba, feliz da vida, vai lá e dá um chute na quina da porta e fica nervoso. Quer dizer, às vezes no mesmo dia a gente vai do paraíso pro inferno, pro purgatório… então é uma referência de como se todos nós fossemos Dantes! Então o “goodbye, Dante” é pro personagem, mas é também para o ouvinte que está se despedindo do disco que acabou. 

Fernando: Entre as participações do disco estão nomes de peso, como Roy Khan (ex-Kamelot) e Tom Englund (Evergrey), além do fantástico Jim Grey (Caligula’s Horse). Como vocês chegaram a esses nomes, e como foi a abordagem para essas pessoas ao convidá-las para gravar?

Fábio: Essa ideia veio do Milton Mendonça, que é nosso manager, produtor do ProgPower USA há mais de quinze anos. Ele é amigo desses caras todos, já organizou shows deles, todas essas bandas já participaram do evento, já foi tour manager do Evergrey mais de uma vez. Ele é realmente amigo do Tom Englund. Já o Roy eu conheci no show de Janeiro do ano passado, com o Edu Falaschi, com orquestra — porque eu sou escritor da história dos discos, inclusive estou terminando as duas partes que faltam para lançar, o Eldorado e a terceira parte que ele … — bom, fiz um parênteses, mas voltando (risos), eu conheci o Roy ali, e cara, a gente se deu muito bem, e manteve contato. Aí ele ia tocar com o Conception, que é a banda dele — quando ele saiu do Kamelot, ficou uns anos parado, e aí voltou com o Conception —, e ele me mandou uma mensagem convidando o Maestrick para tocar com eles, em São Paulo. Falei: “pô, legal! Já que você tá me convidando, vou te convidar também.”, aí eu fiz o convite para ele gravar essa música com a gente. Mas foi depois da ideia do Milton, ele falou: “cara, a gente tá com o disco pronto, como a gente vai conseguir trazer…?”, então foi uma decisão artística, mas também foi comercial. Porque obviamente precisavam ser pessoas que funcionassem no disco, artisticamente, que agregassem, mas também que trouxessem um holofote maior para o disco. Então o Roy foi assim, na hora que o Milton falou, eu sugeri ele e a inspiração para a “Lunar Vortex” antes da gente saber que o Roy participaria, da gente fechar isso, eu já tinha ido mais ou menos por aquela veia dele ali, que é uma grande influência pra mim, também. O Tom e o Jim, o Milton falou: “cara, eu acho que o Tom vai combinar muito com a “Boo””, e a gente obviamente aceitou. O Evergrey, principalmente para mim e para o Renato Montanha, é uma das bandas que fizeram muito parte da nossa história, então a gente topou na hora, o Milton já falou com o Tom, mandou a música, e ele gostou pra caramba, e fechamos com ele. E o Jim, a gente queria alguém que fosse mais contemporâneo. A gente tocou com o Caligula’s Horse na Holanda, no ProgPower Europe, e o Heitor gosta muito da banda — eu também, obviamente, mas ele que trouxe a ideia, falou: “cara, escuta essa banda!” A gente sempre tá indicando música um pro outro. E aí rolou, o Milton falou com o Jim, e o Jim foi um queridão! Cantou até as partes em português. Na reunião que a gente fez, ele falou: “cara, me manda todos os backing vocals, eu quero gravar tudo!”, então foi muito bacana. 

Fernando: É o terceiro disco que vocês lançam, fora EPs. Analisando cada um dos álbuns, o que você acha que mais mudou, o que mais evoluiu de lá até aqui?

Fábio: Eu acho que quando você começa… quando a gente começou, já tinha experiência de outras bandas. Então, assim, desde meus dez ou onze anos eu tenho banda com o Montanha. A gente já tinha uma certa experiência. Com treze, quatorze anos já estávamos compondo algumas coisas, e com dezesseis foi minha primeira banda de metal profissional, embora todo mundo ainda imaturo e meninão, por assim dizer, mas a gente já tinha músicas e tudo mais. Então, assim, eu já tinha uma certa ideia de um posicionamento artístico, e eu tinha algumas coisas bem claras na cabeça. E com o Unpuzzle!… Primeiro, acho que quando você lança um disco profissional, você passa por um estúdio, e uma gravação em estúdio de um disco profissional não é uma coisa simples. Foi uma prova de fogo, que ou você entende que não é para você, ou você sabe que é aquilo que você quer, e aí vai correr atrás e ver o que precisa melhorar. Então, eu acho que o que mudou é que nós estamos muito mais conscientes de quem a gente é e do que a gente quer. O álbum não tem esse nome à toa, ele é um conjunto de fotos do momento que você está na sua vida. Então, o Unpuzzle! representa muito bem quem a gente era ali, e se você perguntar o que eu mudaria nele, eu não mudaria nada! De verdade, acho que até alguns defeitos, falhas, limitações que a gente tinha, tudo aquilo contribui pro disco ser da forma que é. E no Solare também, eu digo a mesma coisa, era um momento da nossa vida. No Unpuzzle! a gente tava vindo da adolescência, no Solare a gente tava começando a vida adulta, e agora a gente já tá um pouco mais velho, então a visão das coisas é outra. Entra no quesito de nos localizarmos e entendermos quem nós somos hoje — isso reflete totalmente na música.

Fernando: E analisando esse álbum agora, vocês já vêem coisas a serem evoluídas para um próximo?

Fábio: Cara, eu acho que pro próximo a gente tem que viver! Tem que ter experiências, porque a gente não faz música por fazer, sabe? E a gente precisa entender qual a melhor música e a melhor mensagem que essas pessoas podem trazer no momento futuro de espaço e tempo que a gente vai estar fazendo as coisas pro próximo disco. Eu acho que todo mundo na banda é muito curioso e muito dedicado pra aprender, estudar — não só a parte técnica, mas intelectualmente, sobre ler sobre vários assuntos, conhecer coisas novas. Então, eu acho que a gente estará melhor, e sempre tem coisa pra melhorar. Eu acho que essa é uma das coisas mais legais. Se manter ensinável é uma característica que eu valorizo muito. A gente vai se manter ensinável, e eu tenho certeza que a gente ainda vai melhorar muito!

Fernando: Você tem sido citado como um dos grandes nomes do vocal brasileiro na atualidade. Ver esses elogios na internet, e ouvir isso das pessoas, acaba lhe trazendo uma pressão, ou é mais um incentivo para continuar e melhorar ainda mais?

Fábio: Eu acho que pressão sempre tem que ter, e eu acho que até gosto disso! Em um certo ponto da vida, a gente precisa aprender a trabalhar sob pressão. Eu acho que tem um pouco das duas coisas, porque eu fico “nossa, eu acho que tenho que melhorar, fazer coisas de um jeito tecnicamente mais fácil”, ou fazer alguma coisa de um jeito diferente, ou buscar sons diferentes no meu corpo. No Lunare eu fiz bastante isso. Os vocais mais sujos, guturais, eu que gravei tudo, então foi uma busca além do vocal limpo. Eu estou sempre focado nisso. Mas eu acho que a pressão maravilhosa!

Fernando: Valeu, Fábio! Foi um prazer falar com você, fazer essa entrevista!

Fábio: Imagina! eu que agradeço! Só queria fazer um adendo aqui. Você falou das participações, mas têm outras também que eu acho importante citar: a Giulia Nadruz, cantora e atriz da Disney e da Broadway. Cantora maravilhosa, que cantou a música “Mad Witches”, duetando comigo, tivemos o Coral Sharsheret, que é um coral de senhoras judias, parentes diretas e sobreviventes do holocausto, que cantaram em Yidish na música “Dance of Hadassah”, o Movimento Baque Mulher, que é a primeira nação feminina de maracatu, que participou da música Agbara, junto com o Jim Grey, e tivemos vários amigos talentosos, como a Raissa Ramos, que fez os backings do Edu Falaschi comigo na turnê do Vera Cruz, que cantou na “Ghost Casino”, tivemos a Juh Leidl que fez a capa, e o Coral Lunare com vários cantores e amigos. São muitas participações que eu acho legal citar!

Fernando: Maravilha, valeu por lembrar.

Fábio: Valeu, e até a próxima!

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