Sete anos após sua primeira (e única) vinda ao Brasil, o grupo norueguês de música Folk Nórdica retorna em outro patamar, tanto em popularidade quanto artisticamente, e fazem um show musical, teatral, visual, quase cinematográfico, trazendo uma experiência para deixar até a mais sóbria mente em transe, em um dia caótico na capital paulista.
Texto por Fernando Queiroz (fer_nando_nw) e Foto da capa por Alessandra Tolc (@alessandra_tolc)
FILAS NA RUA, SEM LUZ E CALÇADAS INTRANSITÁVEIS
São Paulo estava um caos! Uma tempestade na noite anterior havia deixado boa parte da cidade sem luz, além de ter derrubado árvores e galhos. A região do Terra SP aparentemente foi bem afetada, pois no dia do show, já pela tarde, a fila, que desde cedo já havia se formado, teve que ficar no meio da rua colada aos carros, já que as calçadas estavam cheias de galhos, folhas, e outras demonstrações da magnitude do que havia ocorrido à noite. Mais que isso, era ensurdecedor o barulho dos geradores! Sim, a região estava completamente sem energia elétrica. O Terra SP, assim como o imóvel à frente, um centro de distribuição, estavam ambos funcionando à base de geradores enormes e muito barulhentos. A fila, que às 15h já estava quase virando a esquina, mostrava que o show seria absolutamente lotado, provando que o grupo liderado por Einar Selvik (inclusive, ex-baterista da banda de black metal Gorgoroth), conhecido por ser co-compositor da trilha sonora da popular série de TV Vikings, tinha seu lugar cativo entre o público brasileiro, e o povo que lá estava sofria com o som das máquinas. Os food trucks de cachorro quente, refrigerantes e cervejas continuavam funcionando ali, porém, usando possivelmente pequenos geradores próprios. No mais, próximo da abertura da casa, às 18h30, já ao cair da noite, a fila já estava quase quilométrica, e a rua às escuras. Pontualmente, as portas da casa abriram, e tudo transcorreu sem maiores problemas na entrada do público. Dentro, o logo do Wardruna já era exibido no plano de fundo do palco, e músicas folk ambiente eram tocadas.
PÚBLICO FEZ SEU SHOW ESTÉTICO
O público e sua estética, inclusive, eram um espetáculo próprio. Metaleiros, metaleiras, pessoas a caráter de vikings, moças como shield maidens, góticas, e até cosplay de RPG medieval, tinha todo tipo! Todos em harmonia, todos conversando sobre diversos e também os mesmos assuntos. Pessoas que não se conheciam, de origens e gostos musicais mais diversos, de camisetas de bandas de Power Metal, a Death Metal, Black Metal e, claro, do próprio Wardruna, além de algumas temáticas da série Vikings. Uma miríade de estilos e visuais para ver o que lhes havia em comum: a música folclórica nórdica.
SHOW PONTUAL E IMPECÁVEL, CONTRA TODAS AS ADVERSIDADES
Duas horas de espera já dentro da casa, e sem banda de abertura, talvez tenha sido muita coisa. Mas, dado o fato da rua estar totalmente escura, era compreensível. Geradores funcionando perfeitamente, casa com ar condicionado, e iluminação, tudo perfeito. Pouco antes do show, o público já se encontrava todo dentro, e estava quase impossível andar na casa, exceto no espaço mais atrás. Palco montado, cenário colocado. Era hora. O show, previsto para às 20h30, não teve mais de cinco minutos de “atraso”.
As luzes se apagaram, o público delirou, como em um show de rock ou metal, mas em vez das guitarras e baterias, o som que se ouvia era de instrumentos de sopro, percussão, cordas acústicas de instrumentos típicos nórdicos, e vocais extraordinariamente exóticos. Vocais exóticos no melhor sentido possível, com vocalizações que iam das notas mais baixas às mais altas masculinas. Já a voz feminina de Lindy-Fay Hella, majoritariamente de apoio, acabavam por ser tão impactantes quanto as de Einar. Vale dizer que Lindy-Fay, além de ter a voz linda e cantar magistralmente, também tem a presença de palco do grupo. Dança, faz encenações, atiça o público!
A apresentação começou com Kvitravn e seguiu diretamente com Skugge, desde o primeiro momento, se percebeu que seria um show direto, sem muita comunicação. Em ambas as músicas, assim como nas demais, Einar toca não um, não dois, mas vários instrumentos diferentes durante o show – e não instrumentos tradicionais, longe disso. O público, mesmo sem conhecer aqueles instrumentos, e nem sequer saber as letras das músicas, cantarolava junto todas em um certo “embromation” – afinal, entender norueguês, língua nativa do grupo, já seria difícil, mas para piorar, o idioma usado nas músicas nem sequer existe mais, sendo o Nórdico Antigo (Old Norse). Nada mais condizente com uma noite relativamente fria e escura, não? Os músicos do grupo, tocando suas percussões, violino (talvez único instrumento mais ‘comum’ ali), e diversos tipos de instrumentos de sopro, eram um espetáculo à parte. Cada um tem seu momento de brilhar no show, dando sempre destaque ao vocal impressionantemente potente de Einar, e ao suave canto soprano de Lindy-Fay. Os momentos mais insanos por parte do público, que foi ao delírio, foram Tyr, Fehu e, claro, o grande clássico do grupo, Helvegen, que fechou a parte “pré bis” do show.
Pouco antes da “última” música, e apenas aí, finalmente Einar se pôs a falar com o público! Mas falaremos disso depois.
ILUMINAÇÃO FOI O REAL ESPETÁCULO: VISUAL E ATMOSFÉRICO.
Creio que quando se pensa em um show ‘comum’, a iluminação acaba sendo um tempero à apresentação, algo que dá um clima ao que está sendo tocado. No caso do Wardruna, não! A iluminação é parte imprescindível do show, faz parte do contexto, e o show nem sequer poderia existir sem ela dentro da proposta dos noruegueses. A iluminação mudava de coloração e tom de acordo com a temática e atmosfera de cada música, mas o que mais impressionava, era o posicionamento das lâmpadas frontais: viradas para cada integrante, elas faziam sombras enormes dos músicos na parede atrás do palco. E cada integrante tinha seu momento de ter sua gigante sombra mostrada – muitas vezes, dois ou três deles ao mesmo tempo, em um jogo de luzes que fazia parecer que estavam se movendo de um lado para o outro, ou mudando de posição, até determinado momento do show que aparentemente, se apagaram, mas logo voltaram em um jogo de luz incrível de deixar qualquer um tonto e hipnotizado, com mudanças rápidas, a parecer uma batalha, enquanto os fortes vocais de Einar e Lindy duetavam. Foi simplesmente impossível não perder o fôlego.
O DISCURSO DE EINAR SELKIV. DEMOROU A FALAR, FALOU POUCO, MAS DISSE MUITO!
Antes de tocar seu grande clássico, Einar finalmente parou para falar com o público. Agradeceu a presença de todos, disse que se sentira extremamente bem recebido no Brasil, e prometeu voltar logo – o que levou o público a comemorar a plenos pulmões. Não apenas isso, explicou um pouco do contexto da música seguinte, falando (não integralmente ou literalmente): “No Wardruna, comemoramos não o passado, mas a história. Para nós, isso é o presente. Há coisas do passado que devem ficar no passado, que devem ficar presentes na memória apenas como aprendizado, mas não a se repetir. Outras, porém, precisamos muito que continuem, e que sejam feitas cada vez mais. E uma delas, é o que fazemos no Wardruna: cantar! Precisamos cantar mais, pois cantar é como todas as sociedades passaram em frente sua cultura. E nessa canção, cantamos aos que já foram.”
Um discurso que, de fato, emocionou os presentes.
TEMA DA SÉRIE VIKINGS NO FINAL
Para finalizar, no bis, tocaram em conjunto Raido. Então, os músicos saíram do palco, e apenas Einar continuou. Ele contou um pouco sobre a história do mitológico Ragnar Lothbrok, e como foi compor e gravar o tema da morte do heroi lendário na série de TV do History Chanel. Finalmente, sozinho no palco apenas com seu instrumento de cordas e sua potente voz, cantou um trecho de Snake Pit Poetry, o tema da cena em que Ragnar morre no buraco de cobras, um dos momentos mais marcantes da série!
A CONCLUSÃO É SIMPLESMENTE…
… o show perfeito! Sem erros, sem atrasos, com um setlist arrebatador, performance incrível de todos os músicos, sábias palavras de Einar e, sim, os geradores aguentaram até o final! Mas só até o final. Poucos minutos (menos de cinco minutos) após o término da apresentação, a energia no prédio caiu, e todos saíram às escuras, apenas com as lanternas do celular. Parecia que até mesmo o gerador estava encantado com o show, e esperou aquele momento mágico terminar para se desligar. Um show, para um Terra SP absolutamente lotado, que se definido em apenas uma palavra, seria APOTEÓTICO! E fica a torcida para a promessa de voltarem logo se concretizar! Mais pessoas precisam ver essa apresentação.
WARDRUNA:
Einar Selvik
Lindy-Fay Hella
Arne Sandvoll
HC Dalgaard
Eilif Gundersen
John Stenersen
SETLIST:
Kvitravn
Skugge
Solringen
Heimta Thurs
Hertan
Kvit hjort
Lyfjaberg
Voluspá
Tyr
Isa
Grá
Runaljod
Rotlaust tre fell
Fehu
Helvegen
bis:
Raido
Snake Pit Poetry (tema da série de TV Vikings)