Deep Purple e Brasil, feitos um para o outro

Em décima quarta passagem pelo país, clássica banda britânica empolgou público em
apresentação de alto nível e provou ter potencial para ainda mais alguns anos na estrada

Texto por Thiago Zuma e Fotos: Gustavo Diakov em cobertura para o site igormiranda.com.br

Não há como negar que os tempos mudaram para o Deep Purple em relação a 2017. Recém-incluído no Rock’n’Roll Hall of Fame, o grupo promovia um disco chamado “Infinite” e declarava estar em sua turnê de despedida. 

Sete anos depois, a banda pode até alegar ter sido “The Long Goodbye Tour” uma jogada de marketing de seus empresários, mas era justificada a desconfiança com o estado de saúde de Ian Paice. O baterista havia sofrido um derrame em 2016 que comprometera a mobilidade dos membros de seu braço direito. 

Em 2024, com mais três trabalhos lançados nos anos posteriores àquela turnê e uma intensa agenda de shows para promovê-los, Ian Gillan é cauteloso. O vocalista de quase 80 anos afirma ser a hora de parar “assim que você começa a se sentir incapaz de atuar naquele alto nível”. 

Quem se dispôs a encarar o calor apocalíptico do inverno paulistano numa noite de sexta-feira treze e encheu boa parte do Espaço Unimed, sem lotar a casa que comporta 8 mil pessoas, queria mesmo era ver a banda fazer jus àquele “alto nível” prometido por seu cantor. 

Quando os cinco músicos subiram ao palco da casa na zona oeste paulistana às 22:10, dez minutos de atraso em relação ao horário anunciado, eles cumpriram essas expectativas em uma apresentação de quase duas horas. Não sobraram muitas dúvidas de que o Deep Purple ainda tem alguns bons anos pela frente. 

Algo diferente em mais um retorno ao Brasil 

A relação do Deep Purple com o Brasil é especial. Desde 1991, o show da sexta-feira, 13/09, na capital paulista iniciou a décima quarta passagem do grupo pelo país, que se encerraria no megalomaníaco Rock in Rio, seu maior público por essas terras. Dificilmente, alguma atração gringa com o mesmo renome apareceu tanto por aqui. Ainda assim, a apresentação da noite de sexta-feira encontrou algum aspecto inédito. 

Com o recém-lançado disco novo “=1” na bagagem, pela primeira vez o novato guitarrista Simon McBride, meros 45 anos de idade – entrou no Deep Purple em 2022 e já acompanhou a banda no país no ano passado -, executou no palco músicas que ajudou a compor. 

Do trabalho lançado em julho deste ano, quatro faixas foram executadas. A primeira, a animada e sacana “A Bit on the Side”, já veio logo na sequência inicial da apresentação. Não trouxe nada de artisticamente inovador e também não foi capaz de manter a empolgação do público após o hino “Highway Star” iniciar a noite. Convenhamos, era missão quase impossível para uma música nova.

A faixa de “Machine Head” deu o pontapé vigoroso comandada pela batida rápida e pesada Ian Paice, e os demais músicos foram se juntando um a um, sem faixas pré-gravadas, tudo que se ouvia era feito ali, na raça. Exceto por não ser mais a famosa “mark 2” em cima do palco, as únicas diferenças para uma apresentação setentista eram os retornos “in-ear” e um telão ao fundo com bem-humorados vídeos projetados. 

O baterista nem de longe pareceu um dia ter sofrido problemas de saúde e se mostrava em plena forma aos 76 anos. Já Ian Gillan precisava de uma concentração extra para forçar sua voz que, ainda se aquecendo, não alcançava com a força de outrora os tons mais altos, mas seguia cantando naquele “alto nível”. 

A primeira música nova da noite foi sucedida pelos momentos mais pesados da apresentação, duas faixas de “Deep Purple In Rock”, quando o grupo ajudou a definir o que no futuro seria chamado de heavy metal e se cacifou como membro da “santíssima trindade” ao lado de Led Zeppelin e Black Sabbath. 

“Hard Lovin’ Man” veio com sua cavalgada de peso e uma longa parte de solos. De certa forma, um refresco para Ian Gillan recobrar o fôlego. Com a voz descansada, o músico gargalhou de satisfação após soltar seu grito hercúleo no refrão de “Into the Fire”, devidamente ovacionado pelo público após o esforço bem sucedido. 

Músicas novas seguram a onda entre solos e clássicos 

“Lazy Sod”, segunda extraída de “=1”, veio com uma das longas introdução de um falante Ian Gillan, contando aqui a história de sua letra sobre um incêndio em sua casa, e teve seu refrão harmonizado pelo vocalista e McBride, lado a lado. A faixa trouxe de volta um certo peso e groove ainda na primeira metade da noite, sucedendo a épica “Uncommon Man”. Apesar de ter sido a única composição executada na noite composta nos quase trinta anos de Steve Morse nas guitarras, seu destaque ficou com os teclados dominantes de Don Airey e, como habitual, foi dedicada ao fundador Jon Lord, falecido em 2012. 

Antes dela, ainda na meia hora inicial do show, Simon McBride por pouco mais de cinco minutos exibiu seu virtuosismo, interagindo com o empolgado público enquanto fritava em sua guitarra, com direito a uma breve citação a Metallica. Ao longo da noite, o caçula da banda deu mais solidez ao Deep Purple, com raras mudanças em relação aos arranjos clássicos gravados pelo homem de preto Ritchie Blackmore. 

Antes de serem retomadas as faixas do disco novo, Don Airey, com seu jeito de bom velhinho aos 76 anos, até se serviu de uma taça de vinho ao fazer seu solo. Com mais de duas décadas de serviços prestados ao Deep Purple, coube a ele uma breve e celebrada menção a “Perfect Strangers”, ausência notável do repertório nesta noite. Ainda assim, o público reagiu extasiado quando McBride iniciou o riff de “Lazy”, principalmente quando Gillan empunhou sua gaita no meio da clássica música de “Machine Head”. 

A penúltima do disco novo apresentada foi “Portable Door”, outra faixa cadenciada, com o Deep Purple equilibrando peso e animação e que aumentou um pouco a velocidade após a descarga emocional da baladaça “When a Blind Man Cries”, b-side do single “Never Before” e incluída em reedições posteriores de “Machine Head”. A música foi dedicada às “pessoasmenos afortunadas”, em outra das longas introduções à la narrador de futebol de Gillan, que ao sustentar seu grito final foi mais uma vez ovacionado pelos presentes. 

A derradeira faixa da noite de “=1” foi “Bleeding Obvious”, uma aventura quase progressiva do Deep Purple, com uma exibição de virtuosismo maior nos riffs e no solo de McBride, certa veia melancólica, com um refrão mais contido e uma bonita seção intermediária McCartney-esca. Não à toa veio quase emendada num outro solo de Don Airey, dessa vez com menções a peças de piano clássico e, ao citar a melodia do hino brasileiro, teve sua letra cantada pelo povo animado. 

Pouco antes, voltando “pela metade no tempo”, nas palavras de Gillan, “Anya” arrancou coros do público acompanhando sua melodia principal. A música extraída de “The Battle Rages On” (1993), último com Ritchie Blackmore e tocada à exaustão nas radios rock brasileiras na época de seu lançamento mais de trinta anos atrás, ainda teve McBride ainda ousando incluir umas palhetadas quase thrash metal em seu riff. 

Fim do show com hinos do rock pesado 

Discreto e eficaz por toda a noite e mantendo seu jeitão hippie com bandana na cabeça aos 78 anos, Roger Glover fez uma mini introdução de baixo para a frenesi total que veio com “Space Truckin’”. Um contraponto à interpretação mais contida de Gillan, sem forçar nos tons altos em uma das duas faixas de “Machine Head” para encerrar a primeira parte da apresentação. 

A outra, inevitável, foi “Smoke on the Water”. McBride tomou para si o centro do palco e, sem maiores delongas, executou o riff que todo mundo já cansou de ouvir, mas sempre irresistível ao vivo. Destaque para a luz vermelha fortíssima projetada sobre os músicos 

acompanhando os versos da última estrofe da música, além do público, como sempre ao final cantando sozinho o clássico refrão, para a felicidade escancarada de Ian Gillan. 

A banda se despediu do público, mas de fato mal chegou a sair do palco para o bis, que começou no ritmo de boteco sujo com o irresistível groove de “Green Onions”, clássico de Booker T. & the MG’s, antecedendo “Hush”. O cover de Joe South já devidamente apropriado pelo Deep Purple teve direito a cantorias dos presentes e uma jam estendida olho-no-olho entre os músicos, coisa rara nesses tempos nos quais todo show faz uso de backing tracks. Sem aquele tradicional intervalo, o longo solo serviu como o último descanso para Gillan. 

A virada comandada pela bateria de Ian Paice tradicional do início de “Black Night” veio emendada ao final de “Hush” e não seria por já ser quase meia noite que o público deixaria de cantar sua melodia principal. McBride teve direito a um ruidoso solo e, quando tentou brincar de fazer a plateia cantar sua melodia, de início não foi compreendido pelo povo empolgado que já retornava cantando o tema principal da última música da noite. 

O pessoal logo entendeu e acompanhou o guitarrista em sua brincadeira e, minutos antes da mudança oficial do dia, o quinteto saía do palco ovacionado do Espaço Unimed. Aposentadoria era a última coisa a passar pela cabeça de qualquer um dos presentes no público que o agradecido Gillan disse ser “o melhor”, o “número um”.

Já nos primeiros minutos do sábado, o Deep Purple deixou São Paulo em direção ao Rock in Rio certo de ter dado início a mais um capítulo memorável em sua relação com o Brasil. Ninguém saiu de lá apostando ter sido o último. 


Setlist:
Highway Star
A Bit on the Side
Hard Lovin’ Man
Into the Fire
Solo de guitarra
Uncommon Man
Lazy Sod
Solo de teclado
Lazy
When a Blind Man Cries
Portable Door
Anya
Solo de teclado
Bleeding Obvious
Space Truckin’
Smoke on the Water


Bis:
Green Onions (Cover de Booker T. & the MG’s)
Hush (Cover de Joe South)
Black Night

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About Guilmer da Costa Silva

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