Angústia, tristeza e ódio: Amenra e Hexis fazem shows intensos em São Paulo.

Após três anos da sua primeira turnê pela América do Sul, a banda belga de doom/sludge/ post-metal, Amenra, volta ao Brasil, levando um bom público à VIP Station. 

Texto: Italo Silva

A noite fria da última sexta-feira se mostrava como o cenário ideal para a intensidade sonora que estávamos prestes a presenciar. Além dos belgas do Amenra e dinamarqueses da Hexis (hardcore/black metal), também contamos com a banda paulista Desalmado (death/grindcore) e a banda belo-horizontina Falsa Luz (black metal). 

Infelizmente, por questões do trânsito e horário escolhido para o início dos shows, 18h30, a nossa equipe chegou atrasada à VIP Station, localizada no bairro Santo Amaro – zona sul de São Paulo. Isso também pôde ser visto com as poucas pessoas que ocupavam a casa enquanto a banda Falsa Luz se apresentava no palco. Deslocar-se em São Paulo, em plena sexta-feira útil e hora do rush não é uma tarefa fácil. 

Mesmo com um público pequeno, a Falsa Luz não deixou de mostrar a sua mistura de black metal e punk, que já deu origem a uma demo, dois EPs e um álbum full-length. Tocando em um ambiente completamente escuro, só com as luzes de um candelabro e flashes de fotos do público e dos fotógrafos presentes, que lutavam contra o breu para captar algumas imagens da banda, que cumpriu a sua proposta conceitual e sonora, com passagens que iam do punk, com dissonâncias e quebras de tempo, ao black metal tradicional, com o vocal característico do estilo apresentado pelo vocalista D.C. O destaque do setlist apresentado fica por conta das músicas “Fel Terrível”, “Sangue, Fogo e Morte” e “O Abismo Olha de Volta” que conseguem captar bem toda a essência da banda.

A proposta conceitual da banda, de se desvincular da imagem de cada um dos membros, mostra-se presente no dia a dia. A banda possui uma conta sem posts no Instagram, acredita-se que só para a troca de mensagens privadas, não divulgando fotos nem seus trabalhos mais recentes, que podem ser acessados exclusivamente no Youtube, no canal Rites of Pestilence, e Bandcamp oficial. Não há nomes divulgados de cada integrante, só as iniciais dos seus nomes: D.C (vocal), D.D (guitarra), A.S (baixo) e G.N (bateria). 

Setlist da Falsa Luz

1 – Fel Terrível
2- Espírito Ruim
3 – Limite do Insuportável
4 – Nada no Meio
5 – Sangue, Fogo e Morte
6- Não me Importo
7- O Abismo olha de volta

Após o show da banda Falsa Luz, fui até a área destinada aos merchs e pude encontrar muitas camisetas, vinis, patches e mais. As camisetas das bandas Hexis e Amenra estavam no valor de R$ 120,00 – valor comum cobrado pelas bandas internacionais que se apresentam no Brasil. A área estava com filas, mas nada que tirasse a vontade dos fãs de adquirir materiais das bandas O que se via, eram fãs saindo felizes após realizarem suas tão aguardadas compras. 

Depois de uma volta pela área de merch e papo com alguns amigos, notei que mais pessoas haviam chegado, mas ainda não ocupavam 50% da capacidade da casa.  Às 19h30, a banda Desalmado, que completará 20 anos de existência em 2024, começa o seu show com os riffs marcantes de “Become Hatred”, seu trabalho mais recente lançado até o momento. Formada por Caio Augusttus (vocal), Estevam Romera (guitarra), Marcelo Liam (guitarra), Bruno Teixeira (baixo) e João Limeira (bateria), que substituiu o baterista Ricardo Nutzmann, vulgo Alemão, que não pôde comparecer. 

Então, o Disa, como é carinhosamente chamado pelos fãs, toca a brutal “Mass Mental Devolution” e “Unity”, que tem uma quebra de tempo e riffs maravilhosos. A receita perfeita para se criar um belo mosh na VIP Station, certo? Errado! O público presente não se movimentava. Apesar de entregarem um ótimo som, as pessoas pareciam esperar pelo Amenra. Só se ouviam gritos ao final de cada música e algumas singelas “batidas de cabeça”. 

O show continua com “Glória”, do álbum “Estado Escravo”, de 2014, “Save Us From Ourselves”, do álbum homônimo de 2018, e as cadenciadas “Across the Land” e “Hollow” do último full-length “Mass Mental Devolution”. Para fechar a sua apresentação, a banda escala a brutalidade com “Bridges to a New Dawn” e “Privilege Walls”. Com pouco mais de 35 minutos de apresentação, a banda termina o seu show que foi, como de costume, ótimo musicalmente, mas que, infelizmente, não contou com uma boa participação do público. 

Setlist do Desalmado

1 – Become Hatred
2 – Mass Mental Devolution
3 – Unity
4 – Glória
5 – Save Us From Ourselves
6 – Across the Land
7 – Hollow
8 – Bridges to a New Dawn
9 – Privilege Walls

Após aproximadamente 30 minutos de intervalo, a banda dinamarquesa Hexis inicia a sua apresentação. A banda conta com Filip Andersen (vocal), Luca Amele (baixo), Kristian Evangelistis (bateria) e o guitarrista substituto, Max, segundo disse o próprio vocalista. Sem bandeiras, animações no telão e com luzes que acompanhavam as batidas na caixa da bateria de Kristian,  a banda começa a sua apresentação às 20h30, trazendo o seu blend de hardcore e black metal. Todas as letras têm nomes em latim e as temáticas variam entre niilismo, anti-cristianismo e pensamentos abstratos. A banda existe desde 2014 e tem três álbuns lançados. 

Para os fãs que gostaram do último álbum da banda, “Aeternum” (2022), o show foi um “prato cheio”, pois os músicos tocaram o álbum praticamente na íntegra, com a exceção de “Fallaciae”, que foi lançada como single em agosto desse ano. Os integrantes tem uma boa presença de palco e se movimentam bastante em cada som, com uma performance mais ligada ao hardcore, deixando o black metal para passagens bem marcadas nas letras e no instrumental.

Por falar em instrumental, podemos dizer que, com ele, a banda retrata bem a atmosfera de desespero e angústia presente nas letras do álbum. Isso fica claro quando somos atingidos pelas pedradas sonoras de “Memento”, “Letum” e “Accipis”. Essa trinca deixou o público, que já ocupava a maior parte da casa, bem ligado e ao final de cada música, gritava e aplaudia.

O show ganha uma nuance doom metal quando a banda toca as cadenciadas “Vulnera” e “Amissus”, mas volta a ganhar brutalidade com “Fallaciae” e com o clima angustiante de “Captivus”, no qual o vocalista Filip “vomita” todo o descontentamento com o mundo no qual estamos aprisionados. 

Para a parte final, temos “Nunquam”, “Exhaurire” e “Divinitas” que faz com que o show termine com a mesma brutalidade que começou. Quem ainda não conhecia a Hexis com certeza ficou satisfeito com a apresentação. Apesar de achar que trabalhos de álbuns anteriores deveriam ser explorados, o show não deixou a desejar.  Após 40 minutos de show, a banda dinamarquesa deixa o palco para a apresentação da banda headliner, Amenra.

Setlist da Hexis

1 – Intro
2 – Memento
3 – Letum
4 – Accipis
5 – Vulnera
6 – Amissus
7 – Fallaciae
8 – Captivus
9 – Nunquam
10 – Exhaurire
11 – Divinitas

Após aproximadamente 30 minutos de espera – tempo bem longo, diga-se de passagem – a banda belga Amenra (doom/sludge/post-metal) sobe ao palco. Com 24 anos de existência e formada por Colin Van Eeckhout (vocal), Mathieu Vandekerckhove (guitarra), Lennart Bossu (guitarra), Tim De Gieter (baixo e vocal) e Björn Lebon (bateria), a banda faz parte do colectivo “Church of Ra” (em pt: A Igreja de Ra) juntamente com as bandas Wiegedood, Oathbreaker, Hessian, The Black Heart Rebellion e outro artistas provenientes da dança e fotografia. É importante salientar que, embora não seja uma banda cristã, a Amenra usa o simbolismo religioso em seus trabalhos como uma forma de ressignificá-los, como a cruz, que significa sacrifício e dor. Segundo o vocalista Colin, em entrevista para a Revolver Magazine em 2017 (leia aqui), tais elementos estão presentes no nosso dia a dia e são importantes para o ser humano. 

Por volta das 21h54 a banda começa o seu aguardado show com a música “The Pain. It Is Shapeless”, do álbum “Mass III (2011), que deixa o público extasiado com a sua explosão inicial, com passagem lenta, na metade, e uma parte cadenciada, mas com muito peso, no fim, que demonstra toda a dor presente no som. Tal característica é presente em várias músicas da banda. Além disso, Colin canta não só essa, mas a maioria das músicas virado de costas para o público, tirando de si todo o foco da posição de frontman, que vemos normalmente em outras bandas. Ao fundo do palco, no telão, várias imagens em preto e branco de paisagens, igrejas no meio do nada e animais são exibidas.

Logo em seguida a banda toca “Plus Près de Toi (Closer to You)”, do álbum “Mass VI” (2017), que tem letra em francês e passagens com vocais limpos. Tal música, assim como outras presentes no setlist, embora tenha partes calmas, traz letras fortes, cheias de simbolismo e que podem ser bons temas para reflexão. A performance de todos na banda chama a atenção, e o baixista Tim se destaca também por conta de sua ativa participação nas músicas como vocalista, desferindo berros de desespero que compõem toda essa atmosfera única que a banda cria em suas apresentações. 

Após as duas primeiras músicas, o show continua com “Razoreater”, do álbum “Mass IIII (2011), que chama atenção pelas suas linhas de bateria bem trabalhadas, e a lindíssima “De Evenmens”, cantada em flamengo (língua falada em parte da Bélgica), lançada primeiramente como single, em 2021 e, depois, entrando no álbum “De Doorn” no mesmo ano. “Terziele”, do álbum “Mass IIII”, e “Nowena”, do álbum “Mass V”(2012) fecham a segunda parte do show. A essa altura, o público já estava totalmente imerso no sofrimento e dor trazidos pela banda. Colin até apresentava um corte acima da sobrancelha direita, provocado por ele mesmo, durante uma das músicas, mostrando o quão visceral a apresentação estava sendo.  

Para a terceira parte, contamos com “Am Kreuz”, quando Colin retira a sua camiseta e mostra uma tatuagem enorme nas suas costas de uma cruz de cabeça para baixo. Então, para finalizar o show, a banda começa a tocar as notas iniciais de “A Solitary Reign”, música mais tocada da banda no Spotify, que arranca gritos e lágrimas do público, e “Diaken”, ambas do álbum “Mass VI” (2017). 

O show finaliza deixando o público presente satisfeito e emocionado. Muitos comentavam que era o melhor show que tinham visto no ano, ressaltando toda a intensidade e profundidade da apresentação, comparando com a primeira passagem da banda pelo país, em 2020. O vocalista, Colin Van Eeckhout, foi até o público e atendeu vários fãs com fotos, autógrafos e diálogos gentis, saindo do modo de tristeza, dor e angústia que permeiam o som do Amenra. Os outros integrantes também conversaram bastante com os fãs que permaneceram na VIP Station por um tempo após o final do show. Foi uma noite marcante para os fãs de música triste, arrastada e pesada na capital paulista. 

Setlist da Amenra

1 – The Pain It Is Shapeless
2 – Plus Près de Toi (Closer to You)
3 – Razoreater
4 – De Evenmens
5 – Terziele
6 – Nowena | 9.10
7 – Am Kreuz
8 – A Solitary Reign
9 – Diaken

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About Gustavo Diakov

Idealizador disso aqui, Fotógrafo, Ex estudante de Economia, fã de música, principalmente Doom/Gothic/Symphonic/Black metal, mas as vezes escuto John Coltrane e Sampa Crew.

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