Principal nome do Porcupine Tree, agora em carreira solo, Wilson faz um retorno espetacular ao país.
Foto por Stephanie Hahne (@stephaniehahne), gentilmente cedidas por Tenho Mais Discos Que Amigos!
Após sete anos desde sua última visita ao Brasil, Steven Wilson voltou ao país para realizar sua maior apresentação em solo brasileiro. O músico britânico, que já se apresentou outras quatro vezes em São Paulo, subiu ao palco do Tokio Marine Hall na última sexta-feira (17). Wilson trouxe a The Overview Tour que carrega o mesmo nome do último álbum que foi lançado em Março deste ano.
Antes de desembarcar em São Paulo, o músico, compositor e produtor realizou duas apresentações no México e agora segue para Santiago, no Chile. A banda que o acompanha neste projeto é composta por Nick Beggs (baixo e Chapman Stick), Randy McStine (guitarra), Craig Blundell (bateria) e Adam Holzman (teclados). Como já era de se esperar, a produção de Steven Wilson exibiu no telão uma mensagem solicitando que o público evitasse tirar fotos não autorizadas ou fazer gravações de áudio e vídeo durante a apresentação. Inicialmente exibido em inglês, o aviso foi traduzido para o português pouco antes do início do show.
Com início previsto para às 21h, e em perfeita demonstração de pontualidade britânica, a banda subiu ao palco exatamente no horário marcado, dando início a uma experiência profundamente imersiva que se estenderia pelas próximas duas horas e vinte minutos.
A apresentação foi estruturada em três partes, considerando a saída da banda antes do retorno para o encore com duas músicas. A primeira parte foi inteiramente dedicada ao álbum mais recente, The Overview. A segunda parte, após uma pausa de 20 minutos (e que também foi retomada com total pontualidade), foi uma seleção com faixas de outros álbuns e canções do Porcupine Tree. E, por fim, um clássico e já esperado momento de Encore, com uma despedida do palco e logo na sequência um retorno para as duas últimas canções.
PARTE I – THE OVERVIEW
Composto por “apenas” duas faixas, o álbum, como é característico do rock progressivo, traz composições longas que exploram intensamente os aspectos instrumentais, sempre buscando ultrapassar os limites tradicionais do gênero. Executado na íntegra, essa primeira parte incluiu “Objects Outlive Us” e “The Overview”, totalizando quase 42 minutos de performance ininterrupta.
The Overview é uma obra conceitual que mergulha no efeito psicológico conhecido como “overview effect”, uma transformação na percepção que astronautas experienciam ao contemplar a Terra do espaço. O álbum convida à reflexão sobre a imensidão do universo e o papel quase insignificante da humanidade nele. É possível notar fortes influências de ícones do rock progressivo, reinterpretadas de forma criativa em um contexto moderno e eletrônico. Vale ressaltar que o impacto do show é amplificado pela maestria do técnico/operador de luz e imagem, onde a atuação é essencial para a experiência completa.
A parte visual é fundamental neste ato, pois cria a sensação, que parece ser justamente o objetivo, de que o público está sendo guiado por experiências ao longo do tempo e do espaço. As imagens vão construindo uma jornada que se inicia na vida cotidiana humana e rapidamente se expande para as fronteiras do universo. Essa transição se torna especialmente perceptível quando uma música termina e a próxima começa, reforçando a narrativa audiovisual.
A primeira faixa, “Objective Outlive Us”, mergulha em histórias humanas, oferecendo uma perspectiva dramática sobre a Terra e nossas ações em relação ao planeta. Em contraste, a segunda faixa, “The Overview”, direciona o olhar para o espaço, explorando a vastidão do universo e a sensação de pequenez diante dele.
É impressionante perceber como essas duas faixas se conectam, criando uma narrativa contínua entre o humano e o cósmico. Aqui faço questão de compartilhar uma observação pessoal: foi a primeira vez que presenciei um público completamente absorvido e atento a cada detalhe da apresentação. A sensação era de estarmos todos “congelados”, sem que ninguém ousasse piscar. Sem dúvida, foi uma das experiências mais imersivas que já vivi ao longo da minha trajetória em shows e festivais.
Pode-se dizer que isso talvez reflita o pedido do artista para que o público evitasse fotos e vídeos, um pedido que, com algumas exceções, foi amplamente respeitado. Esse respeito contribuiu para que todos permanecessem totalmente presentes, vivendo o momento “aqui e agora”. É evidente como essa atenção plena permite que cada detalhe da apresentação seja percebido, tornando a experiência de assistir e ouvir ainda mais intensa.
Essa imersão reforça a conexão entre o público e a obra, transformando cada som, cada imagem projetada e cada transição em uma experiência compartilhada e memorável. Ao se desligar das distrações externas, o espectador passa a sentir a música e a narrativa visual de forma mais profunda, tornando o espetáculo algo que transcende o simples entretenimento e se aproxima de uma experiência quase sensorial.
FIM DO PRIMEIRO ATO E PAUSA
Ao final da apresentação, Steven cumprimenta o público, agradece pelo carinho e pela recepção calorosa, e é surpreendido por um momento de “Olê! Olê! Olê!” vindo dos fãs. O público estava completamente extasiado com o que acabava de presenciar. Nesse momento, Wilson anuncia uma pausa de 20 minutos, prometendo retornar em breve. A interrupção é estratégica e necessária, especialmente considerando o formato do show: pista em pé, com exceção dos camarotes localizados em um piso superior, proporcionando a todos, inclusive à própria banda, a chance de se recompor antes de dar sequência à apresentação.
PARTE II – OUTRAS FAIXAS E PORCUPINE TREE
A banda retorna ao palco com “King Ghost”, faixa do álbum The Future Bites (2021), antepenúltimo trabalho de Steven Wilson. Essa fase representa um momento em que o artista se permite explorar novos caminhos sonoros, afastando-se do progressivo mais cru e tradicional para mergulhar em uma estética mais eletrônica e pop. A sonoridade moderna e a atmosfera envolvente da canção ficam ainda mais evidentes ao vivo, tornando-a uma escolha perfeita para reabrir o show após a pausa. A performance reforça a versatilidade de Wilson e sua habilidade única de transitar entre estilos sem jamais perder sua identidade musical.
Na sequência, a banda emendou “Home Invasion/Regret #9”, com uma breve interação de Steve com cada integrante da banda e um destaque para a bateria de Craig Blundell que estava pesadíssima nessa faixa, trazendo uma velocidade e outro tipo de atuação para apresentação, é uma canção um pouco mais sombria e pesada com guitarras distorcidas e clima de tensão. Essa canção é do álbum Hand. Cannot. Erase. (2015), que é inspirado na história real de Joyce Vincent, uma mulher que morreu sozinha em Londres e só foi descoberta mais de dois anos depois. E Wilson usa essa história como ponto de partida para falar sobre solidão e desconexão na era digital.
Mais uma vez, o elemento visual se mostra essencial para a experiência. Durante toda a execução da faixa, a projeção em tela exibe uma mulher que aparece em diferentes cenários e assume diversas personalidades, ainda que continue sendo a mesma figura. A cada transição, a câmera “mergulha” através do olhar dela, sempre pelo olho direito, transportando o espectador para um novo ambiente, uma nova realidade. As mudanças se sucedem de forma contínua, quase hipnótica, sem qualquer intervenção aparente.
Nos momentos finais, ocorre uma regressão de todos esses cenários, da última à primeira cena, em perfeita sincronia com o encerramento da música. O resultado é impactante: o público, completamente tomado pela experiência, aplaude Steven Wilson por alguns minutos, em um reconhecimento coletivo da intensidade e da beleza do que tinha acabado de acontecer ali.
Esse também é um dos momentos em que Steven Wilson mais interage com o público. Ele tenta, com a ajuda da plateia, relembrar quantas vezes já esteve em São Paulo, e comenta que, em sua última passagem pela cidade, estava doente. Desta vez, porém, diz estar especialmente feliz por estar ali naquela noite e, acima de tudo, por se sentir bem.
Em tom leve e bem-humorado, ele brinca: “Gostaria de perguntar: alguém aqui cometeu um equívoco em estar aqui esta noite? Namorados, esposas, amigos, avôs, avós… alguém foi obrigado a vir porque precisavam de companhia?”. O público ri, e ele continua: “Você deve estar pensando: estou aqui há uma hora e meia e esse cara só tocou quatro músicas!”. As risadas se transformam em atenção quando Steven aproveita o momento para falar sobre suas origens musicais, contando que sempre amou o pop, influência da mãe, fã do gênero, enquanto o pai era um grande admirador de Pink Floyd.
A explicação faz ainda mais sentido naquele momento, pois logo em seguida Steven apresenta “What Life Brings”, faixa de The Harmony Codex (2023). A canção tem uma estrutura que remete ao folk e ao rock britânico, com uma sonoridade mais leve e tranquila. É uma música relativamente curta em comparação ao restante do setlist, marcada pelo som suave do violão e por um vocal sutil e delicado, um contraste notável com a intensidade das faixas anteriores. É também neste momento a primeira vez em que o telão aparece desligado, sem projetar nenhuma imagem.
Em mais um momento de interação com o público, Steven fala um pouco sobre sua carreira e sobre o Porcupine Tree, banda com a qual ganhou notoriedade nos anos 1990. Antes de apresentar “Voyage 34 (Phase I)”, ele conta que compôs a faixa em seu quarto, na casa dos pais, entre 1998 e 1999. De maneira bem-humorada, comenta o fato de o Porcupine Tree nunca ter vindo ao Brasil, repetindo várias vezes, com ênfase e risos da plateia: “It’s not my fault” /“Não é minha culpa”.
“Dislocated Day”, do álbum The Sky Moves Sideways (1995), é a segunda canção do Porcupine Tree escolhida por Steven para agradar os fãs mais nostálgicos. A performance também foi marcada por um dos momentos mais inusitados da noite: após um solo de guitarra impecável, Steven e Nick se aproximaram da bateria e… lamberam os pratos, enquanto Craig continuava tocando. Sim, literalmente lamberam. A cena funcionou quase como uma preleção para o solo de bateria que se seguiu, conduzido por Craig, em uma sequência de peso impressionante que manteve a energia do público no auge.
Esse foi também um momento marcado pela descontração e pelo entrosamento da banda. Em tom de brincadeira, sempre que Steven ameaçava assumir os vocais, Craig respondia soltando um braço pesado na bateria, tornando a música mais agressiva e “repreendendo” o gesto. Steven então olhava para o baterista, que diminuía a intensidade… até que, novamente, ao tentar retomar o microfone, Craig voltava com a bateria pesada. Esse jogo se repetiu algumas vezes, mantendo o clima divertido enquanto o público acompanhava e reagia.
No final, Steven finalmente consegue retomar os vocais, cantando quase sussurrando, de forma delicada. A faixa então se encerra com todos os instrumentos em máxima intensidade, criando um contraste impressionante entre leveza e peso que marcou a performance.
Em um dos pontos mais altos da noite, o público cantou junto do início ao fim “Pariah”, faixa que conta com a participação especial de Ninet Tayeb na gravação de estúdio do álbum To The Bone (2017). Durante as partes em que ela canta, sua imagem foi projetada no telão, tornando o momento ainda mais emocionante. Esse foi também o momento de descumprimento de “regras”. Aqui aumentou um pouquinho o número de pessoas que queriam registrar o momento. Ainda que, de novo, em caráter de exceção.
Além de ser emocionante e gerar mais uma onda de “Olê! Olê!”, esse também foi o momento mais constrangedor da interação entre artista e público. Steven agradecia e se preparava para apresentar a próxima canção, quando uma pequena parte da plateia começou a gritar excessivamente, sobrepondo-se à sua fala. Ele fez alguns gestos pedindo para que esperassem, mas não foi atendido, até que precisou dizer, com firmeza: “Por favor, façam silêncio, eu estou falando.”
Foi então que, finalmente, Steven apresentou “Luminol”, do álbum The Raven That Refused to Sing (And Other Stories) (2013). A faixa é daquelas em que a qualidade técnica e a habilidade instrumental de cada músico se tornam extremamente evidentes. É também um momento de destaque para Nick Beggs, que utiliza o Chapman Stick em várias seções, criando linhas de baixo expressivas e melódicas, que acrescentam camadas de complexidade à performance.
Em mais um momento de interação com o público, Steven compartilha que se sente um cara de muita sorte, porque, independentemente do projeto em que esteja envolvido, ele sempre se considera o “pior músico no palco”. A afirmação, é claro, soa como um grande elogio para a banda, que é apresentada em seguida. O público aplaude calorosamente todos os músicos, mas faz questão de exaltar, em especial, Craig Blundell. É nesse clima de reconhecimento que Steven anuncia que a noite está se aproximando do fim.
As duas faixas seguintes foram “Harmony Korine”, do álbum Insurgentes (2008), que Wilson descreve como uma canção muito especial para ele, e “Vermillioncore”, de um EP chamado 4 ½ (2016), que encerra esta segunda etapa do show. Em “Harmony Korine”, as imagens voltam a ser projetadas no telão, criando novamente uma narrativa intensa de som e imagem. Ao final de “Vermillioncore”, a banda se despede do público e deixa o palco, marcando uma pausa rápida antes da próxima parte da apresentação.
PARTE III – ENCORE E ENCERRAMENTO
Em menos de um minuto, a banda retorna ao palco, e Steven comenta que valeu muito a pena estar ali naquela noite. Ele se desculpa caso não consiga tocar a música favorita de alguém, mas garante que fará mais duas canções que, segundo ele, são bastante satisfatórias. Em seguida, vai para o piano e apresenta “Ancestral”, mais uma faixa do álbum Hand. Cannot. Erase. (2015) e que inclui um momento de aplausos muito particular, em que Wilson conduz o público quase como um maestro. É divertido notar que, em alguns momentos, o público erra o compasso, e ele reage brincando com gestos de “não, não é assim”, provocando risadas gerais.
“The Raven That Refused To Sing”, que carrega o mesmo nome do álbum lançado em 2013, foi a responsável por encerrar a noite e ao fim da apresentação, ficou claro que Steven Wilson não entregou apenas um show, mas uma experiência completa e imersiva, na qual música, narrativa visual e interação com o público se entrelaçaram de maneira única. Cada faixa foi cuidadosamente executada, revelando a técnica impecável da banda e a versatilidade do artista em transitar entre estilos e emoções.
Entre momentos de contemplação, humor, nostalgia e pura intensidade sonora, a apresentação em São Paulo reafirmou a grandeza de Wilson como músico, compositor e performer, deixando os fãs com a sensação de terem testemunhado algo raro e memorável, uma verdadeira jornada musical pelo espaço e pelo tempo, que dificilmente será esquecida.
Steven Wilson – The Overview Tour – Tokio Marine Hall – 17/10/2025
Set 1 (The Overview):
Objects Outlive Us
The Overview
Set 2 (após 20 minutos de pausa):
King Ghost
Home Invasion
Regret #9
What Life Brings
Voyage 34 (Phase I) (Porcupine Tree)
Dislocated Day (Porcupine Tree)
Pariah
Luminol
Harmony Korine
Vermillioncore
ENCORE:
Ancestral
The Raven That Refused to Sing