The Casualties no Hangar 110: suor, caos e comunhão punk em alto volume

Fotos por Raíssa Correa

O que se viu no Hangar 110 no último sábado foi praticamente a definição encarnada de um show punk, daquelas que até quem nunca foi conseguiria imaginar. A noite teve tudo: suor, caos, cerveja voando, rodas violentas, protesto político, comunhão coletiva e uma entrega de palco poucas vezes vista. E isso não é exagero: The Casualties, ao lado dos veteranos do Agrotóxico, entregaram dois shows que, embora vindos de vertentes distintas, celebraram a essência mais crua e visceral do punk.

Agrotóxico: 30 anos de resistência em 45 minutos de explosão

A noite começou com o Agrotóxico, banda fundamental do hardcore brasileiro e que está na ativa há mais de três décadas. Eles não subiram ao palco para “esquentar” ninguém — entraram chutando a porta. A sequência inicial com “Eles Não Vão Parar” e “Zona Ocupada” já anunciou que seria pedrada atrás de pedrada. O som direto, politizado e veloz foi a trilha perfeita para o início da roda, que logo ocupou boa parte da pista e invadiu até o palco.

O setlist veio recheado de clássicos como “Neoliberalismo em Ataque Frontal”, “Números de Guerra” e “Lobotomia Geral”. As músicas eram emendadas com quase nenhum respiro, criando uma experiência intensa e ininterrupta. Entre uma faixa e outra, o vocalista fez comentários curtos, mas certeiros, como ao anunciar “Bom Dia Bagdá”: “Essa aqui é de 2003, mas infelizmente continua atual. Lá era Bagdá, agora é Teerã, Gaza…”. Foi punk com propósito, sem didatismo, mas com consciência. Um show incrível que mostrou a força da banda ao vivo.

The Casualties: energia anárquica, suor e família punk no palco

Vinte minutos depois do horário marcado, o Hangar escureceu. A entrada da banda foi precedida por “The Final Countdown” (Europa) nos alto-falantes, rapidamente substituída por “Blitzkrieg Bop” (Ramones), uma piscadela irônica e afetuosa aos estereótipos do punk. Quando David Rodriguez, Jake Kolatis, Doug Wellmon e Marc “Meggers” Eggers tomaram o palco, a transformação foi imediata: o Hangar virou um campo de batalha movido a pogo e refrões gritados a plenos pulmões.

Abriram com “Under Attack”, e logo emendaram “1312”, com Rodriguez já interagindo intensamente com a plateia: “Let me see a pit!”. E o pit veio, junto com cervejas voando e o primeiro stage dive da noite. O vocalista, que entrou na banda em 2017, pode não ser o membro mais antigo, mas é hoje a alma dos Casualties. Sua entrega física e emocional foi impressionante. Gritava cada verso com agressividade crua, cuspia água e saliva nos fãs, descia para o meio da pista, subia no bumbo da bateria, puxava coro e fazia questão de dividir o microfone com o público.

Um dos momentos mais potentes veio com “Nightmare”, quando pediu para a roda abrir enquanto um fã se jogava do palco. Logo depois, “We Are All We Have” transformou o palco em uma pequena multidão. Homens, mulheres, crianças, punks de todas as idades subiram para cantar juntos. “Somos uma família!”, disse Rodriguez, em português. Era mais do que uma frase — era o sentimento real da noite.

Mas nem só de festa vive o punk. Antes de “Borders”, Rodriguez comandou um protesto com o dedo do meio em riste e um uníssono “FUCK DONALD TRUMP” vindo da pista. Já em “Pigs on Fire”, uma nova música, foi puxou um refrão em português: “FOGO NOS FASCISTAS, FOGO NOS RACISTAS”, pedindo ao público que respondesse com “FOGO NELES E VIVA A NÓS!”. Funcionou tanto que até a banda pareceu surpresa. “Eita porra!”, soltou o vocalista no reflexo.

O vocal é direto, mas também carismático. Em meio ao caos, ainda teve espaço para declarar amor: “Punk Rock Love” foi dedicada à sua esposa, Renata Gil Rodriguez, que assistia à apresentação na lateral. Em outro momento simbólico, ao ver uma camiseta vermelha do Ratos de Porão jogada no palco, ele a ergueu e puxou o coro: “RATOS! RATOS! RATOS!”. A conexão com a cena brasileira era legítima, afetiva, quase fraterna.

Após “My Blood, My Life, Always Forward”, a banda fez o tradicional “teatro do fim”: luzes apagadas, instrumentos largados, membros se despedindo. O público, claro, não caiu. Em dois minutos estavam todos de volta, com “Corazones Intoxicados” e a derradeira “Unknown Soldier”. E aí veio talvez o momento mais cinematográfico da noite: o vocalista foi erguido pela plateia até o mezanino, onde se equilibrou no parapeito e pulou de lá num mergulho gigantesco sobre os braços dos fãs. Tudo isso sem largar o microfone. Voltou ao palco para finalizar a canção como se nada tivesse acontecido.

A noite foi mais que um show — foi um ritual. Um encontro de gerações, de corpos em colisão, de vozes em uníssono. Nada de grandes produções ou luzes coreografadas. Era suor, presença, discurso e conexão. O Casualties entregou uma apresentação brutal, divertida e carregada de paixão, provando que, mesmo com mudanças de formação, a essência segue viva. E o Hangar 110? Mais uma vez, foi templo e testemunha da força imbatível do punk em sua forma mais honesta.

Setlist Agrotóxico – Hangar 110 – 21/06/2025

  1. Eles Não Vão Parar
  2. Zona Ocupada
  3. Epidemia
  4. As Ruas São Nossas/Neoliberalismo em Ataque Frontal
  5. Números de Guerra/G7
  6. Lobotomia Geral
  7. Fim do Mundo
  8. Inimigo Real
  9. Pesadelo
  10. Bom dia Bagdá (A Guerra dos Bombardeados)
  11. Marcas da Revolta
  12. A Beira do Caos

Setlist The Casualties – Hangar 110 – 21/06/2025

  1. Under Attack
  2. 1312
  3. Get Off My Back
  4. Written in Blood
  5. Chaos Sound
  6. Ashes of My Enemies
  7. Nightmare
  8. We Are All We Have
  9. Resistance
  10. On the Front Line
  11. Borders
  12. Pigs on Fire
  13. Made in NYC
  14. Blitzkrieg Bop (Ramones)
  15. Running Through the Night
  16. Riot
  17. Ya Basta
  18. Punk Rock Love
  19. My Blood, My Life, Always Forward
  20. 20. Corazones Intoxicados
  21. 21. Unknown Soldier
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