Entrevista por Fernando Queiroz
Em uma entrevista bem descontraída e explicativa, Santeri Kallio, tecladista do Cemetery Skyline (e Amorphis) nos destrinchou o processo de formação da banda, disse como está sendo a recepção do álbum recém-lançado por parte de público e crítica, e abre a enorme possibilidade de shows por aqui em Setembro de 2025! Confira:
Fernando Queiroz: Bem, com o álbum agora recém-lançado, vemos muitos elogios online, pelo menos por aqui no Brasil. Como vocês, como banda, têm sentido a recepção do público ao trabalho de vocês?
Santeri Kallio: Bem, de verdade, o feedback tem sido muito bom. Algumas vezes bom até demais! Tem havido muitas ótimas resenhas! Talvez em algumas publicações mais voltadas ao Metal Extremo não tenha sido tão boa a recepção, mas mesmo assim estão positivas no geral, como algo do tipo oito ou sete de dez. No geral tem havido bastante ânimo com o disco, e sempre que falo com alguns amigos, pessoas com quem convivo, e na cena metal aqui de Helsinki. Fui ao bar alguns dias atrás, e todo mundo foi comentar sobre o álbum, e os sentimentos foram quase todos bem positivos. Estou realmente muito feliz! Quer dizer, talvez eu tenha ouvido só um lado da moeda, mas de qualquer forma, as resenhas não são tudo, porque as pessoas vão ouvir por si só. Mas claro, resenhas são um ótimo marketing. E eu gosto de lê-las, acho muito interessante, porque geralmente são as primeiras impressões antes do álbum até sair. E admito, eu li bastante resenhas, eu gosto de ver como é a reação de todos.
Fernando: E levando em conta que é o primeiro álbum, acho que é até mais importante, não?
Santeri: (risos) Ah, não sei. Eu já lancei mais de quatorze álbuns com o Amorphis, e eu ainda leio as resenhas quando começam a sair! Acho que mais importante ainda é quando você agenda um show e tem uma galera muito animada ali na plateia. É bem mais legal. Mas sim, acho que por ser um primeiro, tem um peso maior de ler o que as pessoas pensam sobre.
Fernando: Bom, pessoalmente falando, é um dos meus preferidos do ano, então parabéns!
Santeri: Ah, muitíssimo obrigado!
Fernando: Vocês todos vêm de gêneros mais pesados do heavy metal, como o death metal e black metal, no caso de Victor Brandt. Houve a percepção entre vocês de pessoas mais “fanáticas” do metal extremo criticando mais duramente ou até xingando por terem resolvido fazer um trabalho mais voltado ao gótico, mais leve? Quer dizer, eu sei que infelizmente tem muita gente assim ainda.
Santeri: É, isso é bem patético, na verdade, mas acontece mesmo. Ficar em um determinado gênero, e não dar chance para algo fora disso, ficar lá olhando fixamente para aquilo só, como um burro de carga, sem conseguir olhar pra nenhum lado fora daquilo. Que qualquer outra coisa é ruim, e só aquilo presta. Isso é um pouco oldschool, né? Acho que nos anos oitenta e noventa tinha bem mais disso. Hoje em dia vejo as pessoas mais com a mente aberta no geral. Eu vi uma meia dúzia de comentários assim por aí na internet. Em alguns vídeos da banda, no meio de seiscentos comentários muito positivos, aparecia essa meia dúzia que era alguém falando algo tipo “hurr durr, eu odiei porque não tem gutural!”. (risos) Então, se algo precisa necessariamente ter gutural para ser bom para você, realmente esse não é um som para você. E está tudo bem. Mas eu acho muito mais tranquilo que nos anos noventa, que era quando se uma música não se parecia com Slayer ou Bathory, o sujeito achava ruim. Mas pessoalmente, e especialmente como um tecladista, eu sempre tive a mente mais aberta em relação a música. Sempre adorei Hard Rock AOR, amo música pop dos anos oitenta, até mesmo Synth Pop e coisas do tipo. Mas se o cara quer ficar por aí destilando ódio, seja feliz, eu estou pouco me fodendo (risos).
Fernando: Acha que esse álbum do cemetery skyline pode acabar sendo uma porta de entrada para o melodic death metal do Amorphis, Insomnium e Dark Tranquillity para um público mais voltado ao gótico?
Santeri: Bom, isso seria perfeito! Para ser honesto, nunca cheguei a pensar nisso. Eu pensei mais em ter o público do Amorphis, Insomnium e Dark Tranquillity indo ouvir o Cemetery Skyline. Precisamos de gente para ouvir nossa música (risos). Nunca pensei que nós possamos ser o caminho para as pessoas ouvirem esse som mais pesado, mas é completamente possível! Se isso realmente acontecer, é algo muito bom. Toda banda precisa achar públicos novos sempre. Se as pessoas ouvirem o Cemetery Skyline e forem ouvir o Amorphis e pensarem “nossa, isso é muito bom”, é um ganho para todos. Então espero que aconteça, mas não cheguei a pensar nisso. Torço para que sim!
Fernando: Há alguns meses conversei com o Olli Pekka-Laine, também do Amorphis, e ele disse que estava animado em possivelmente fazer shows com seu novo projeto, Octoploid, pois o Amorphis ficaria um tempo sem excursionar. Você acha que é também um bom momento para vocês, no Cemetery Skyline, fazerem shows? Claro, a depender da disponibilidade de agenda por conta das bandas dos outros integrantes.
Santeri: Sim, é exatamente o que vamos fazer! Vamos fazer agora acho que dez ou um pouco mais shows que já estão agendados, e estamos procurando também outras oportunidades. Claro que é um pouco complicado, pois, bom, acho que o cara mais ocupado aqui é o Mikael (Stanne, vocalista), porque ele acabou de lançar um álbum com o Dark Tranquillity e vai lançar outro agora com o The Halo Effect, e essas bandas tem um pouco de prioridade para ele. Mas já temos uns dez shows marcados para o próximo ano, e haverão mais. Mas obviamente, é bem pequena a agenda que podemos pegar [para o Cemetery Skyline], então não posso dizer que vamos fazer algo como uma “World Tour”, e essa não é nem a nossa principal vontade no momento. Nosso objetivo é tocar bons shows aqui e ali, festivais também, pois é a principal forma de apresentar a banda. E já somos velhos, não temos mais energia para entrar em uma van e sair por aí em turnês longas pela Europa em cinco semanas. Já fizemos isso muitas vezes, e nenhum de nós aguenta mais fazer isso. Mas, se houver muita requisição para isso, se acabarmos por ficar grandes a ponto de ter um enorme mercado para isso, sem dúvidas arrumaremos tempo para turnês, sim. Mas por enquanto, estamos felizes em fazer alguns festivais, alguns shows pontuais por aí, e uma bateria de shows igual temos agora aqui na Finlândia, onde temos quatro já agendados para Março. Então, podemos dizer que podemos fazer, mas no momento não é possível pois o Mikael está bem ocupado com suas duas bandas, e de outro lado não temos tanta energia para sair por aí por cinco semanas direto. Eu preferiria fazer shows maiores, com melhores recursos, que muitos shows menores.
Fernando: Bem, em se tratando ainda de shows, será que é possível esperar alguma passagem aqui pela América do Sul, em especial o Brasil? Pois por aqui, a recepção do álbum está muito boa!
Santeri: Seria incrível! Eu adoro fazer shows na América do Sul. Bem, nós vamos para Atlanta (Estados Unidos) para o ProgPower Festival acho que em Setembro do ano que vem, e sabemos que é bem longe para nós que estamos na Finlândia e Suécia. É bem complicado ir para a América do Norte, ainda mais para a América do Sul, então claro que estamos tentando fazer não só um show, já que vamos para o outro lado do oceano. Então, estamos tentando muito a possibilidade de descer para a América do Sul. Então seria México, Brasil, Colômbia, várias opções, e é exatamente nisso que estamos trabalhando agora, e eu realmente espero que consigamos descer depois do show de Atlanta. Porque um show só não seria legal.
Fernando: Acho que até mesmo financeiramente não seria o ideal.
Santeri: (risos) Ah, acho que financeiramente nem é o problema, mas precisa de uns cinco dias para ir e vir de cá pra lá e vice-versa. Faria muito mais sentido, até de um ponto de vista ecológico (risos), fazer alguns shows no México e mais ao sul. Mas enfim, é algo trabalhoso, mas já temos propostas interessantes de contratantes locais daí, vamos ver o que acontece. Eu realmente espero que consigamos fazer alguns shows para o público da América do Sul!
Fernando: Poderia contar um pouco como foi o início de tudo? Como vocês se juntaram e tiveram a ideia de fazer um som tão diferente do que todos faziam?
Santeri: Bem, na verdade eu falei com o Markus em uma tour na América do Norte, estávamos lá praticamente morando no mesmo ônibus por seis semanas, com o Omnium Gatherum e o Amorphis. Aí ficamos bêbados uma noite, em algum lugar de Utah (Estados Unidos), lá pelas Rocky Mountains, e houve aquela conexão entre eu e ele. Somos ambos compositores nas bandas que estamos, somos uma grande parte da música que tocamos, sabe? Aí estávamos lá conversando, e dissemos “um dia vamos fazer músicas juntos”. Não falamos sobre qual tipo de música, nem nada do tipo. Porque, na verdade, esses papos em ônibus de turnê nunca dão em nada. Aí uma noite ele me ligou e disse “Olha, eu tenho algo aqui feito, umas músicas no tipo do Killing Joke e Type O, anos oitenta também. Você quer participar?”, e eu logicamente aceitei. Eu toco há tanto tempo no Amorphis, que é uma banda de Death Metal, hoje em dia até Death Metal Progressivo, e é um caminho estreito para mim como compositor. Ter duas bandas assim é muito melhor para eu, como compositor, me expressar através da música, sabe? Mas enfim, nós tínhamos aquelas músicas, umas outras ideias, e começamos a fazer umas demos que tinham uns elementos bem Sisters Of Mercy, da minha parte bastante Killing Joke, umas coisas aqui e ali disso na atmosfera. E, então, começamos a pensar no vocalista, e ambos conhecíamos o Mikael, e honestamente eu não me lembro bem como chegamos exatamente nele, mas provavelmente porque sabíamos que ele cantava algumas partes melódicas no Dark Tranquillity entre as partes guturais, e ele é um cara muito legal, da mesma geração que nós, então não precisamos explicar para ele o que estávamos fazendo, ele conhece bem esse tipo de música. E ele disse que na verdade sempre quis fazer esse tipo de música, é também um grande fã dessas bandas todas. Ele mandou alguns vocais para nós, acho que a primeira foi Violent Storm, e a partir daí o caminho começou a ficar bem mais nítido, ficamos “Ok, vamos nessa direção, isso aqui está ficando foda!”, e ele nos sugeriu o Victor [Brandt] do Dimmu Borgir, pois eles vivem na mesma cidade e se conhecem muito bem, e ele disse basicamente a mesma coisa que o Mikael, que sempre quis fazer esse tipo de som. Aí do nada pensamos no Vesa [Ranta], que é daqui da Finlândia, e todo mundo conhece ele por aqui. E ele na verdade é o único que já esteve nesse tipo de banda, com o Sentenced, e ele disse imediatamente que topava quando ouviu as demos, que ele estaria em casa fazendo isso. E aí tínhamos a banda! Foi fácil recrutar todos, tínhamos as mesmas ideias, e toparam imediatamente. Não é sempre que temos algo tão simples assim, sabe?
Fernando: Isso me lembra até o Bjorn Strid com o The Night Flight Orchestra
Santeri: (risos) Perfeitamente isso!
Fernando: O termo gótico remete muito ao pós-punk dos anos 80 da Inglaterra. The Cure, Joy Division, etc. vocês foram, para esse trabalho, influenciados por bandas desse gênero?
Santeri: Claro, várias bandas de Dark Rock, Pós-Punk, New Age nos influenciaram, e também bandas dos anos noventa, como o Type O Negative, Killing Joke, The Mission, Sisters Of Mercy. Outras como o Depeche Mode também, assim como essas que você citou nos influenciaram, ou pelo menos tentamos fazer músicas no espírito desse gênero, e tentar honrar o legado dessa cena antiga, com certeza.
Fernando: Bem, apenas uma última pergunta, que acho que não poderia faltar (risos). Vocês, com a recepção que o álbum teve entre público e mídia, pretendem trabalhar em um segundo disco para o Cemetery Skyline?
Santeri: (risos) Eu sei que seria realmente fácil agora começar a escrever coisas para um segundo álbum. Mas, pelo menos no Amorphis, eu não faço músicas antes de algum tempo na estrada, tocando shows, e vendo a reação do público. Basicamente o que quero dizer é que eu sempre tenho a inspiração da turnê e do feedback da galera, da atmosfera dos shows, de como é quando tocamos as músicas juntos. O que posso dizer é que vou começar a trabalhar nas músicas do segundo álbum quando terminarmos todos os shows do ano que vem, pelo menos. Eu acho que as músicas acabam ficando um pouco datadas se você lança muitos álbuns assim de uma vez. Afinal, não é como um trabalho de fábrica, onde você fabrica vários carros e vai vendendo eles. Não, é diferente, é arte, é melhor pegar a inspiração do que a galera achou das músicas quando você toca. Você também fica mais velho. Você é uma pessoa diferente depois de dois anos. Mas se acabarmos por termos muito tempo livre no ano que vem é possível começar a trabalhar nisso, mas não quero apressar. Nós gravamos quatorze músicas para o álbum, e temos então aí ainda umas quatro bônus. E não foram músicas que foram tiradas por serem ruins, mas por termos que escolher dez, mas tem músicas muito boas no meio dessas, então talvez lancemos um EP, vamos também gravar algumas coisas ao vivo agora.
Fernando: Bem, obrigado por seu tempo, sua atenção, Sande! Vi você com o Amorphis esse ano, e foi incrível!
Santeri: Ah, isso é ótimo de ouvir! Vejo você aí no Brasil, Fernando! Seja com o Amorphis ou com o Cemetery Skyline!