Mike Browning, ex-baterista do Morbid Angel, além de vocalista e baterista da banda Nocturnus AD, e um dos nomes mais influentes e importantes da cena Death Metal da Flórida, concedeu uma entrevista exclusiva ao nosso colaborador Mateus Marcatto. Ele falou sobre seus trabalhos atuais e passados, além de fazer sutis críticas a ex-colegas de banda. A entrevista foi descontraída e entusiasmada, e Mike deixou clara a possibilidade de vir ao Brasil pela primeira vez.
Mateus Marcatto:
Mike, você está envolvido na cena Death Metal da Flórida desde os anos 80. A partir daí, você contribuiu com o Morbid Angel em suas primeiras gravações, como “Abominations of Desolation”, e mais tarde, em 1987, criou o Nocturnus, conhecido como uma das primeiras bandas de death metal a incorporar teclados, efeitos sonoros e letras com temas de ficção científica. “The Key” foi o primeiro álbum que vocês lançaram com o Nocturnus em 1990, o que deu à banda um grande avanço na cena. Quase 30 anos depois, vocês reviveram a história de “The Key” com uma nova formação e sob o nome Nocturnus AD, lançando “Paradox” (2019), que foi bem recebido pelos fãs. Agora, vocês acabam de lançar “Unicursal”, que é uma sequência dessa saga. Então, Mike, qual é o seu segredo para continuar compondo músicas tão épicas por mais de trinta anos?
Mike Browning:
Talvez seja o calor aqui em Tampa. Eu não sei. Eu amo metal e amo a música em geral. Eu não vivo disso, então sempre tive um emprego. De certa forma, é como um hobby, mas é mais do que um hobby também, é claro.
Mas, não sei, é algo que eu sempre tive contato… Minha mãe cantava em uma banda quando eu era muito jovem. Não uma grande banda ou qualquer coisa, apenas uma banda local, tipo rock, que tocava em clubes e tal. Eu sempre assistia a eles praticarem. Eu sempre assistia ao baterista e achava que era meio legal.
Na escola, quando eu estava no 6º ou 7º grau, quando você começa a fazer música na escola, eu escolhi a bateria. E assim cresceu.
Mateus:
A música é uma carreira difícil de escolher, certo?
Mike:
Você tem que fazer isso a sua vida inteira. Eu fiz isso por alguns anos no Nocturnus, onde eu estava apenas em turnê… E foi difícil, até quando eu era jovem. Você acaba gastando tanto dinheiro com ônibus de turnê e coisas assim… Todas as vendas de disco de “The Key” foram para pagar as turnês que fizemos. Porque nunca fomos uma banda headliner. Nas primeiras turnês de “The Key” que fizemos, uma foi a Grind Crusher, onde fomos a banda de abertura. Na outra, abrimos para o Bolt Thrower. Quando você é a banda de abertura, especialmente em turnê, você não ganha nenhum dinheiro. Você gasta muito dinheiro quando está na estrada. Então, aprendemos isso. Eu pensei, “uau, eu não acho que posso viver disso, porque não é lucrativo o suficiente”, a menos que você esteja em uma banda realmente grande e tenha sorte com essas coisas. Mas, quando você vê quantas bandas existem hoje, outras cem novas bandas surgem no metal todos os dias. Então, é louco. No dia que lançamos nosso álbum, outros 20 álbuns foram lançados naquele dia… Há tanta competição e tantas bandas agora. É uma coisa boa que há tantas, isso mantém o gênero. Mas também torna muito difícil para as bandas viverem disso.
Poster raro de uma turnê na Alemanha em 1990
Mateus:
Hoje você está trabalhando com a Profound Lore Records na publicação do seu material, desde o lançamento de “Paradox” (2016). No passado, com Nocturnus, você estava trabalhando com a Earache, que era uma situação totalmente diferente. Comparado àquela época, quais são as principais diferenças em trabalhar com uma gravadora hoje em dia?
Mike:
Bem, a comunicação é muito mais fácil do que antes. Quando eu estava na Earache, não tínhamos internet, não tínhamos celulares, então, para eu falar com alguém na Inglaterra, onde a Earache estava, eu tinha que chamar eles no telefone e custava literalmente 2 ou 3 dólares por minuto para falar com eles! Essa é uma grande diferença. Agora, com a Profound Lore, eles são uma ótima gravadora para nós. Posso literalmente mandar mensagem para o dono da gravadora em 5 segundos, dizer “hey, isso está acontecendo” ou “eu quero falar com você sobre isso”, ou o que for. Ele é uma pessoa muito gentil e realmente gosta da banda. A comunicação é a coisa mais importante, então nós temos uma situação muito boa entre nós. A Profound Lore é praticamente um cara só. Ele tem pessoas fazendo certas coisas, mas ele faz quase tudo sozinho, até no exterior.
Mateus:
Agora falando especificamente das gravações do álbum… Há 3 anos, você contou em uma entrevista que toda a bateria do último álbum “Paradox” foi gravada em uma fita de 24 faixas de bobina a bobina, o que é uma loucura hoje em dia, principalmente na música extrema, com todos esses aparelhos “plug and play” de alta tecnologia. Como foram as sessões de gravação do “Unicursal”? Você pode citar algum método ou instrumento incomum que foi usado?
Mike:
Tem uma diferença entre os dois álbuns. Usamos uma fita de 24 faixas para “Paradox”, mas somente para a bateria. Depois, tudo acabou sendo colocado no Pro Tools no estúdio. Então, isso derrota o objetivo de usar o analógico. Se você gravasse um álbum em fita de 2 polegadas e usasse uma mesa de mixagem com todos os efeitos externos sem Pro Tools, teria uma gravação de som diferente, com certeza. Mas, se você fizer apenas a bateria no analógico e depois colocar tudo isso no software digital, não vai soar muito diferente do que se você tivesse feito tudo no Pro Tools desde o começo. Mas nós não usamos faixa de metrônomo ou nada do tipo. Eu acho que isso é uma grande diferença. No Jarrett Pritchard, que fez ambos os álbuns em seu estúdio, ele mencionou tentar me deixar só bater as baquetas, como todo mundo costumava fazer, sem clique, só eu e os dois guitarristas. Depois, ele escreveu um metrônomo baseado no que eu toquei. Então, se você tivesse um ritmo de, digamos, 10 medidas longas a 180 bpm, pode ir até 179, 180, 181, 182, 179, sabe? Então, a parte do clique para aquele mesmo ritmo, na mesma seção, vai mudar, e não vai ficar a 180 como se você tocasse com o clique. Isso realmente funcionou bem para nós. Eu tenho certeza que as pessoas já fizeram isso, mas é um pouco tedioso voltar a todas essas músicas e escrever cliques para cada parte. Mas você também tem a intensidade, pode se ajudar e ter a sensação da música respirar, então eu acho que isso é uma grande diferença.
Nosso guitarrista, Belial, tem um pedal sintetizador conectado à guitarra dele agora, então muitas daquelas pausas nas músicas, como quando você ouve a música parar por um segundo e depois um som estranho vem, você pode pensar que são teclados, mas na verdade é uma guitarra. Tem muitas guitarras sintetizadas no disco. No “Mission Malkuth” tem uma guitarra de 12 cordas. O começo do “Mesolithic” tem aqueles tambores tribais. Nós todos tocamos tambores de mão que eu trouxe para o estúdio. Os finais de algumas outras músicas são guitarras sintetizadas ou eu tocando Theremin. Fizemos mais experimentações nesse disco, comparado ao anterior.
Mateus:
Muitas armas secretas sendo reveladas agora!
Mike:
E também, muitos dos efeitos que usamos, como nos meus vocais e mesmo nas guitarras, são muito orientados para o estéreo. Então, quando você escuta com fones, pode realmente ouvir os efeitos em estéreo real e as nuances que as guitarras viajam entre os lados, especialmente os teclados.
Mateus:
Definitivamente foi uma experiência única ouvir o álbum na íntegra, como se fosse uma viagem espacial.
Mike:
Esse foi um dos meus grandes objetivos, mesmo que a primeira parte do álbum tenha músicas diferentes e a segunda parte tenha uma história. Eu ainda quero que soe assim. Então, se você tem uma hora, só para sentar, fechar os olhos e colocar bons fones de ouvido, certamente será uma experiência única.
Mateus:
Agora, falando sobre os visuais… A faixa “CephaloGod” é uma referência clara ao Cthulhu, dos mitos de terror cósmico de H.P. Lovecraft, e no videoclipe desta música foi utilizado um rastreamento de IA para retratar a banda como criaturas, o que teve um resultado muito interessante. Como você vê essa nova tendência de uso de IA em videoclipes, artes visuais e até música? Você acha que estimula ou entorpece a criatividade artística?
Mike:
Para mim, a IA é apenas uma ferramenta, como qualquer outra coisa, e depende de como você a usa. Se você apenas escrever algumas palavras e fizer uma capa de álbum, eu não gosto disso. Eu entendo queé bom para quem não pode pagar um artista ou qualquer coisa. Mas eu sempre sinto que isso é uma saída fácil. Eu prefiro que os artistas pintem ou desenhem. Se você for usá-la para manipular fotos e vídeos, acho que é ótimo. Usamos muitos vídeos antigos de desenhos animados de ficção científica nos anos 50 e 60, nos inspiramos nisso. Tem algumas cenas da série animada “Star Trek”.
Mateus:
Sim! A banda “Beastie Boys” fez algo semelhante em 2004, não é?
Mike:
Ah, sim! É engraçado você mencionar isso. Nossa ideia surgiu com a referência dos Beastie Boys. Eu gosto de usar IA, mas como uma ferramenta, não como o artista principal.
Mateus:
Voltando ao “Unicursal”, você já mencionou que as músicas do álbum se dividem em duas partes: a primeira metade das músicas são peças individuais, enquanto a segunda metade é uma história única e coesa.
Mike, para encerrar esta entrevista com chave de ouro, o que você diria aos fãs brasileiros do Nocturnus AD, e quais são as chances de um show aqui no Brasil?
Mike:
O Brasil é um dos poucos países em que nunca toquei. Tocamos no Chile em 2019 e foi uma das melhores experiências da minha vida. Todos falam do público sul-americano. Eu nunca entendi até estar lá. Eles são realmente insanos de uma maneira ótima. Tínhamos 2000 pessoas gritando todas as letras. Eu adoraria tocar no Brasil, tenho muitos amigos brasileiros que tocam em bandas ou vêm aos nossos shows. Então, sim, se alguma vez tivermos a chance de ir para o Brasil, definitivamente vamos.
Mateus:
Ótimo! Bem, muito obrigado por esta entrevista, Mike. Espero vê-lo no Brasil em breve!
Mike:
Obrigado, e continuem apoiando o metal!