A música, uma mistura acertada de Rock e Rap, levanta o debate sobre a violência policial e fortalece a arte enquanto instrumento de protesto
Por mais paradoxal que seja, nem sempre a paz é conquistada de forma pacífica. Por exemplo, como combater a histórica repressão da polícia brasileira com flores? Esqueça aquela famosa imagem de um hippie colocando uma flor no cano de uma arma empunhada por um agente de segurança do Estado, porque eles não estão interessados em diálogos de paz e amor. São treinados para servir e proteger os interesses do Estado burguês desde a época da ditadura militar, com violência deliberada contra a população de classe social baixa e as minorias: negros, mulheres, homossexuais e indígenas. Uma flor pode carregar o simbolismo da paz, mas ela não resiste a brutal realidade de uma arma disparada a sangue frio. Então, se o povo não pode combater a violência militar do Estado de igual para igual, o que sobra? A arte e a música como formas de protesto, defesa e ação.
Embora o governo Lula tenha um viés progressista, humanista e aberto ao diálogo, alguns problemas enraizados na história do nosso país ainda persistem e se interligam, como a repressão de agentes de segurança do Estado para com as minorias e suas expressões culturais. O tecido cultural, inclusive, tido como inimigo do governo Bolsonaro, segue catando os cacos dos seus desmontes, se levantando das cinzas para poder alcançar novos voos e conquistar novos espaços, lutando contra os mais diversos preconceitos de ordem estrutural.
É nesse contexto que a banda Pernambucana, Janete Saiu Para Beber, do Cabo de Santo Agostinho, lança o primeiro videoclipe da carreira, para a música “Polícia para quem?”. A banda iniciou sua trajetória em 2010 e traz em sua sonoridade uma grande influência da cena Pernambucana dos anos 90, tendo inspiração no Movimento Mangue, Hip Hop, Punk e na cultura popular, como Coco de Roda, Frevo e Caboclinho. Suas letras revelam críticas sociais e pessoais, por serem o reflexo do estilo de vida e experiências pessoais de seus integrantes. A banda é formada atualmente por César Braga – vocal; Kin Noise – Guitarra; Pedro Attack – Baixo; Niel Melo – Bateria; Eudes Jr – Percussão; e Erivaldo Romão – Percussão.
“Polícia para quem” é uma música autoral da Janete Saiu Para Beber, em que a letra contesta toda a repressão e violência cometida pela polícia brasileira, com o propósito de fomentar o debate acerca dessa estrutura opressiva que é tida como padrão de atuação dos agentes de segurança do Estado. Sabemos que o país tem uma polícia violenta (principalmente contra negros e pobres), uma das que mais matam no mundo, mas também é uma das que mais sofrem com a morte de agentes, e esse fato escancara o quanto a segurança pública está defasada e precisa urgentemente de uma remodelação profunda de seu sistema institucionalizado de forma racista e preconceituosa.
Já o videoclipe de “Polícia para quem”, dirigido por Cleiton Costa e com produção musical do Jadson Bactéria, captura toda a energia de um show da JSPB, contando com a participação camarada da banda paulista CaosMaria, representada pela persona do ex vocalista Victor AL.N, que agora segue uma carreira solo como rapper, e também do ator Milton Raulino interpretando o policial. Kin Noise, guitarrista e ilustrador da Janete explica como foi o processo de produção do videoclipe: “A gente fez um ‘faça você mesmo’ com o melhor que a gente poderia fazer. Banquei muitos custos, mas teve muita força coletiva. Figurantes, ator, direção, a produção toda. O estúdio acreditou no projeto e fez um valor de custo. Todo mundo envolvido apostou na ideia. Sem amigos a gente não teria feito nada. Foi tipo cinema de guerrilha.”
Além da banda tocando com toda sua instiga já conhecida, o videoclipe reproduz gravações recentes de abusos e ações truculentas da polícia, umas que resultaram em morte e outras se equiparando ao sadismo típico das torturas que aconteciam na época da ditadura militar. César Braga, vocalista e compositor da Janete dá a sua visão sobre a arte como forma de se expressar perante injustiças sociais: “A arte é a forma mais autêntica de crítica que sempre existiu, tem liberdade de fazer rir e fazer chorar. Acreditamos que se não tocarmos em assuntos delicados que estão diretamente ligados ao bem-estar comum, estaremos permitindo que uma determinada ideologia se aproprie da nossa cultura. Sendo assim, acreditamos que é necessário ir de contra a instituição que bate em nossos irmãos periféricos que são trabalhadores e pagadores de impostos, pois convivem diariamente com o abuso de poder da polícia e suas práticas violentas, racistas e segregacionistas.”
Enquanto os agentes de segurança do Estado não desenvolverem consciência de classe para se enxergarem como trabalhadores que merecem dignidade, melhores condições de trabalho, acompanhamento psicológico sério e um treinamento para lidar com a população de forma humanizada, a democracia estará em estado de alerta. E a Janete entrega “Polícia para quem” como música em forma de protesto, denúncia e também um convite a rebelião das mentes, acertando em cheio nessa mistura potente de Rock e Rap, estilos musicais que historicamente carregam consigo a indignação contra o sistema opressor das liberdades e expressões culturais.
“Polícia para quem?” https://www.youtube.com/watch?v=YXU0KY5KcnA